sexta-feira, 22 de março de 2019

Júlio Verne: Viagem ao Centro da Terra / XLV (Fim)

Júlio Verne



Viagem ao Centro da Terra/XLV




Eis a conclusão de uma narrativa na qual as pessoas mais habituadas a não se surpreender com nada acreditarão. Mas armei-me antecipadamente contra a incredulidade humana. Fomos recebidos pelos pescadores de Stromboli com todas as atenções devidas aos náufragos. Deram-nos roupas e víveres. Após uma espera de quarenta e oito horas, a 31 de agosto, uma pequena speronare conduziu-nos a Messina, onde nos recuperamos com alguns dias de descanso. 

Na sexta-feira, 4 de setembro, embarcávamos no Volturne, um dos navios-correio das empresas de transportes imperiais da França, e, três dias depois, estávamos em Marselha, com uma única preocupação: a da maldita bússola. O fato inexplicável não parava de atormentar-me. A 9 de setembro à noite, chegávamos a Hamburgo. Renuncio a descrever o estupor de Marthe e a alegria de Grauben.

- Agora que você é um herói - disse-me minha querida noiva -, não precisará mais abandonar-me, Axel!

Olhei para ela. Chorava sorrindo. Deixo em aberto quanto a volta do professor Lidenbrock provocou sensação em Hamburgo. Graças à indiscrição de Marthe, todo mundo sabia de sua viagem para o centro da Terra. Ninguém acreditou, nem quando retornou.

No entanto, a presença de Hans e as várias informações procedentes da Islândia modificaram um pouco a opinião pública.

Então meu tio tornou-se um grande homem, e eu, o sobrinho de um grande homem, o que já é alguma coisa. Hamburgo deu uma festa em nossa homenagem. Numa sessão aberta ao público no Johannaeum, o professor relatou sua expedição, só omitindo os fatos relativos à bússola. Naquele mesmo dia, depôs nos arquivos da cidade o documento de Saknussemm e lamentou não terem as circunstâncias permitido que seguisse os rastros do viajante islandês até o centro da Terra. Foi modesto em sua glória, e sua reputação aumentou.

Tanta honra suscita inveja. Suscitou, e como suas teorias, baseadas em dados seguros, contradiziam os sistemas da ciência sobre a questão do fogo central, sustentou, pela pena e pela palavra, notáveis discussões com os cientistas de todos os países.

Quanto a mim, não consigo admitir sua teoria do resfriamento: a despeito do que vi, acredito e sempre acreditarei no calor central; mas confesso que algumas circunstâncias ainda mal definidas podem modificar essa lei sob a ação dos fenômenos naturais.

No momento em que essas questões estavam palpitantes, meu tio passou por um verdadeiro desgosto. Apesar de sua insistência, Hans deixara Hamburgo; o homem ao qual devíamos tudo não quis deixar que pagássemos nossa dívida. Estava com saudades da Islândia.

- Farval - disse ele um dia, e com essa simples palavra de adeus partiu para Reykjavik, onde chegou bem.

Havíamos nos afeiçoado muito ao nosso corajoso caçador de êider. Jamais será esquecido por aqueles cujas vidas salvou, e com certeza não morrerei sem ir vê-lo pela última vez.

Para concluir, devo acrescentar que essa Viagem ao centro da Terra provocou sensação entre o público. Foi publicada e traduzida para todas as línguas. Os jornais mais autorizados disputaram seus episódios principais, que foram comentados, discutidos, atacados e apoiados com igual convicção pelos crédulos e incrédulos. Coisa rara: ainda em vida, meu tio gozava de toda a glória que conquistara, e até Bamum propôs "exibi-lo" nos Estados Unidos por um preço elevado. Mas um problema, podemos dizer até um tormento, atrapalhava a glória. Um fato continuava inexplicável, o da bússola; ora, para um sábio, tal fenômeno inexplicável torna-se um suplício para a inteligência. Bem, os Céus concederiam ao meu tio a felicidade completa. Um dia, enquanto eu arrumava uma coleção de minerais em seu gabinete, vi a famosa bússola e comecei a observá-la. Estava ali, em seu canto, há seis meses, sem desconfiar do escândalo que provocava. De repente, qual não foi o meu estupor! Gritei. O professor acorreu.

- O que foi? - perguntou.

- Essa bússola!...

- O que é que tem?

- Sua agulha indica o sul e não o norte!

- O que você está dizendo?

- Olhe! Seus pólos estão trocados!

- Trocados!

Meu tio olhou, comparou, e fez a casa tremer com um tremendo pulo. Acendeu-se uma luz em nossas mentes.

- Então - exclamou, assim que conseguiu falar -, desde a nossa chegada ao cabo Saknussemm, a agulha dessa maldita bússola apontava para o sul, em vez de apontar para o norte?

- É claro.

- Então nosso erro está explicado. Mas que fenômeno provocou essa inversão de pólos?

- Nada mais simples.

- Explique-se, meu filho.

- Durante a tempestade no mar Lidenbrock, aquela bola de ferro que estava imantando o ferro da jangada simplesmente desorientou nossa bússola.

- Então foi uma simples questão de eletricidade? - O professor caiu na gargalhada.

A partir daquele dia, meu tio tornou-se o mais feliz dos sábios, e eu, o mais feliz dos homens, pois, abdicando de sua posição de pupila, minha bela Virlandesa assumiu, na casa da Königstrasse, a dupla função de sobrinha e esposa. É inútil acrescentar que seu tio era o professor Otto Lidenbrock, membro correspondente de todas as sociedades científicas, geográficas e mineralógicas das cinco partes do mundo.

Fim



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Verne nasceu em Nantes, França, a 8 de Fevereiro de 1828. Com 11 anos começou a estudar no colégio Saint-Stanislas. Em 1848 viajou para Paris para estudar direito. Depois de se formar, persiste na literatura, e decide escrever peças de teatro, conseguindo levar a palco a peça "Les Pailles Rompues", que acabou por ser um enorme fiasco. O mesmo acontece quando tenta a música e a poesia. Entretanto casa com uma jovem viúva, com quem tem um filho, Michel Jean Pierre Verne. Mais tarde descobre o género literário que o fascina, as narrativas de viagens, que constitui o enredo do primeiro livro, “Cinco Semanas no Balão”, publicado na revista “Magazin d'Éducation”. As obras que sucederam esta provaram a imaginação e o talento do autor: “Viagem ao Centro da Terra” (1865), “Da Terra à Lua” (1865), “Vinte mil léguas submarinas” (1869), “Os Ingleses no Pólo Norte” (1870), “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” (1872), “Miguel Strogof” (1876) e “Um Capitão de 15 Anos” (1878).

As obras do escritor têm como influencia Jonathan Swift, em “Viagens de Gulliver”, Daniel Defoe, em “Robinson Crusoé” e Edgar Allan Poe, nas histórias de terror.

Nas suas obras, Verne descreveu o helicóptero, o cinema, a televisão, a iluminação, o néon, os tanques de guerra, os aviões, os mísseis telecomandados, os caça submarino, a luz e a água do mar para gerar energia, o uso de gases como armas químicas, entre outros. Graças a todas estas possibilidades oferecidas pelas histórias do autor, foi possível tornar realidade muita da ficção descrita, que hoje em dia representam as tecnologias modernas.

No livro “Viagem ao Centro da Terra”, Verne descreve uma expedição científica ao núcleo da Terra, um sonho de muitos geólogos e cientistas. O mesmo aconteceu em “Da Terra à Lua”, uma continuação do livro “À Volta da Lua”, em que o escritor prevê a viagem à Lua pelo Homem.

A criatividade de Júlio Verne está igualmente presente em “A Ilha Misteriosa” e “Vinte Mil Léguas Submarinas”, romance onde um carismático Capitão Nemo profetizava a pirataria submarina alemã na Segunda Guerra Mundial.

Em 1871 instalou-se em Amiens onde, em 1886, sobreviveu a uma tentativa de homicídio por parte do sobrinho. Foi atingido numa perna e ficou coxo para o resto da sua vida. Morre a 24 de Março de 1905.

Conhecido como o pai da ficção científica, Júlio Verne foi autor de obras conhecidas universalmente. Escreveu histórias de aventura, onde descrevia tecnologias e descobertas científicas. Antecipou o que hoje é o mundo atualmente, nomeadamente, as viagens ao espaço, no livro “Da Terra à Lua” (1869), e a invenção do submarino, no livro “Vinte mil léguas submarinas” (1870).

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