terça-feira, 26 de março de 2019

Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa: XLVIII - Anywhere Out Of The World

Baudelaire - Pequenos Poemas em Prosa



XLVIII

ANYWHERE OUT OF THE WORLD


Esta vida é um hospital em que cada doente é dominado pelo desejo de mudar de leito. Um desejaria sofrer em frente à estufa, outro julga que se restabeleceria junto à janela. 

Por mim, tenho a impressão de que estaria sempre bem onde não estou, e essa questão de mudança é uma das que discuto constantemente com minha alma.

— Alma, minha pobre alma enregelada, que diria se fôssemos morar em Lisboa? Lá, deve fazer calor, e ficarias esperta como uma lagartixa. É uma cidade à beira-mar. Dizem que é construída de mármore e que o povo odeia os vegetais, arrancando todas as árvores. É uma paisagem ao teu gosto, uma paisagem feita de luz e minerais, além do líquido para refrescá-los!

A alma não responde. 

— Se amas tanto o repouso, ante o espetáculo do movimento, queres ir morar na Holanda, essa terra abençoada? Talvez te divertisses nessa região cuja imagem tantas vezes admiraste nos museus. Que achas de Rotterdam, tu que aprecias as florestas de mastros e os navios atracados junto às casas? 

Minha alma continua silenciosa. 

— Talvez a Batávia te sorrisse mais. Além disso, encontraríamos lá o espírito da Europa casado com a beleza tropical. 

Nem uma palavra. Minha alma estaria morta? 

— Terás chegado a um tal estado de letargia que só estejas satisfeita com teu mal? Nesse caso, fujamos para os países que evocam a Morte. Assumo o compromisso, pobre alma! Arrumaremos as malas pra Tornéu. Ou vamos mais longe ainda, para os extremos confins do Báltico; mais longe ainda da vida, se for possível; instalemo-nos no polo. Lá, o sol apenas toca a terra obliquamente, e as lentas alternativas da luz e da noite suprimem a variedade e aumentam a monotonia, essa metade do nada. Lá, poderemos tomar longos banhos de trevas, ao mesmo tempo que, para divertir-nos, as auroras boreais nos enviarão de vez em quando os seus feixes róseos, como reflexos de um fogo de artifício do Inferno! 

Finalmente, minha alma intervém e exclama com sabedoria: — Não importa onde! Não importa o lugar! O essencial é que seja fora deste mundo!



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Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de abril de 1821 — Paris, 31 de agosto de 1867) foi um poeta boémio ou dandy ou flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas. Sua obra teórica também influenciou profundamente as artes plásticas do século XIX.
Nasceu em Paris a 9 de abril de 1821. Estudou no Colégio Real de Lyon e Lycée Louis-le-Grand (de onde foi expulso por não querer mostrar um bilhete que lhe foi passado por um colega).
Em 1840 foi enviado pelo padrasto, preocupado com sua vida desregrada, à Índia, mas nunca chegou ao destino. Pára na ilha da Reunião e retorna a Paris. Atingindo a maioridade, ganha posse da herança do pai. Por dois anos vive entre drogas e álcool na companhia de Jeanne Duval. Em 1844 sua mãe entra na justiça, acusando-o de pródigo, e então sua fortuna torna-se controlada por um notário.
Em 1857 é lançado As flores do mal contendo 100 poemas. O autor do livro é acusado, no mesmo ano, pela justiça, de ultrajar a moral pública. Os exemplares são apreendidos, pagando de multa o escritor 300 francos e a editora 100 francos.
Essa censura se deveu a apenas seis poemas do livro. Baudelaire aceita a sentença e escreve seis novos poemas, "mais belos que os suprimidos", segundo ele.
Mesmo depois disso, Baudelaire tenta ingressar na Academia Francesa. Há divergência, entre os estudiosos, sobre a principal razão pela qual Baudelaire tentou isso. Uns dizem que foi para se reabilitar aos olhos da mãe (que dessa forma lhe daria mais dinheiro), e outros dizem que ele queria se reabilitar com o público em geral, que via suas obras com maus olhos em função das duras críticas que ele recebia da burguesia.
Morreu prematuramente sem sequer conhecer a fama, em 1867, em Paris, e seu corpo está sepultado no Cemitério do Montparnasse, em Paris..


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