Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
A PARTIDA
Partimos muito cedo – a madrugada
Clara, serena, vaporosa e fresca,
Tinha as nuances de mulher tudesca
De fina carne esplêndida e rosada.
Seguimos sempre afora pela estrada
Seguimos sempre afora pela estrada
Franca, poeirenta, alegre e pitoresca,
Dentre o frescor e a luz madrigalesca
Da natureza aos poucos acordada.
Depois, no fim lá de algum tempo – quando
Depois, no fim lá de algum tempo – quando
Chegamos nós ao termo da viagem,
Ambos joviais, a rir, cantarolando,
Da mesma parte do levante, de onde
Da mesma parte do levante, de onde
Saímos, pois, faiscava na paisagem
O sol, radioso e altivo como um conde.
CANÇÃO DE ABRIL
Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
CANÇÃO DE ABRIL
Vejo-te, enfim, alegre e satisfeita.
Ora bem, ora bem! – Vamos embora
Por estes campos e rosais afora
De onde a tribo das aves nos espreita.
Deixa que eu faça a matinal colheita
Deixa que eu faça a matinal colheita
Dos teus sonhos azuis em cada aurora,
Agora que este abril nos canta, agora,
A florida canção que nos deleita.
Solta essa fulva cabeleira de ouro
Solta essa fulva cabeleira de ouro
E vem, subjuga com teu busto louro
O sol que os mundos vai radiando e abrindo.
E verás, ao raiar dessa beleza,
E verás, ao raiar dessa beleza,
Nesse esplendor da virgem natureza,
Astros e flores palpitando e rindo.
O MAR
Que Nostalgia vem das tuas vagas,
Que Nostalgia vem das tuas vagas,
O velho mar, ó lutador Oceano!
Tu de saudades íntimas alagas
O mais profundo coração humano.
Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Do teu gemer nas desoladas plagas
Sai o quer que é, rude sultão ufano,
Que abre nos peitos verdadeiras chagas.
Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Tu tens em ti o gérmen do lirismo,
És um poeta lírico demais.
E eu para rir com humor das tuas
E eu para rir com humor das tuas
Nevroses colossais, bastam-me as luas
Quando fazem luzir os seus metais...
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXII - Símiles
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIV - Lirial
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXV - Visão Medieva
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVI - Vanda
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVII - Êxtase
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIX - Manhã
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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