sábado, 13 de julho de 2019

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XI - Dos Principados Eclesiásticos

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO XI




DOS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS 
(DE PRINCIPATIBUS ECLESIASTICIS)







Resta-nos somente, agora, falar dos principados eclesiásticos, nos quais todas as dificuldades existem antes que se os possuam, eis que são adquiridos ou pela virtude ou pela fortuna, e sem uma e outra se conservam, porque são sustentados pelas ordens de há muito estabelecidas na religião; estas tornam-se tão fortes e de tal natureza que mantêm os seus príncipes sempre no poder, seja qual for o modo por que procedam e vivam. Só estes possuem Estados e não os defendem; súditos, e não os governam; os Estados, por serem indefesos, não lhes são tomados; os súditos, por não serem governados, não se preocupam, não pensam e nem podem separar-se deles. Somente estes principados, pois, são seguros e felizes. Mas, sendo eles dirigidos por razão superior, à qual a mente humana não atinge, deixarei de falar a seu respeito, mesmo porque, sendo engrandecidos e mantidos por Deus, seria obra de homem presunçoso e temerário dissertar a seu respeito. Contudo, se alguém me perguntar donde provém que a Igreja, no poder temporal, tenha chegado a tanta grandeza, pois que antes de Alexandre os potentados italianos, e não apenas aqueles que eram ditos "potentados" mas qualquer barão e senhor, mesmo que sem importância, pouco valor davam ao poder temporal da Igreja, e agora um rei de França treme, ela pode expulsá-lo da Itália e ainda logra arruinar os venezianos, apontarei fatos que, a despeito de conhecidos, não me parece supérfluo reavivar em parte na memória.

Antes que Carlos, rei da França, invadisse a Itália, esta província encontrava-se sob o domínio do Papa, dos venezianos, do rei de Nápoles, do duque de Milão e dos florentinos. Estes potentados tinham de se haver com dois cuidados principais: um, que nenhum estrangeiro entrasse na Itália com tropas; o outro, que nenhum deles ocupasse mais Estado. Aqueles dos quais se tinha mais receio eram o Papa e os venezianos. Para conter os venezianos tornou-se necessária a união de todos os demais, como ocorreu na defesa de Ferrara; para deter o Papa, serviam-se dos barões de Roma, eis que. estando divididos em duas facções, Orsíni e Colonna, sempre existia motivo de discórdia entre eles e, estando de arma em punho sob os olhos do pontífice, mantinham o pontificado fraco e inseguro. Se bem surgisse, vez por outra, um Papa animoso, como foi Xisto, nem a sua fortuna nem o seu saber puderam livrá-lo desses inconvenientes. A brevidade da vida dos pontífices era a causa dessa situação, porque, nos dez anos que, em média, vivia um Papa, somente com muita dificuldade podia ele enfraquecer uma das facções; se, por exemplo, um deles tivesse quase extinguindo os collonessi surgia um outro, inimigo dos Orsíni, que os fazia ressurgir sem que tivesse tempo de liquidar os Orsíni. Isto tornava o poder temporal do Papa pouco considerado na Itália.

Surgiu depois Alexandre VI que, de todos os pontífices que já existiram, foi o que mostrou o quanto um Papa podia, com o dinheiro e as tropas, para adquirir maior poder; e fez, com o uso do Duque Valentino como instrumento e com a oportunidade da invasão dos franceses, todas aquelas coisas que relatei acima com relação às ações do duque. Se bem seu intento não fosse o de tornar grande a Igreja mas sim o duque, não obstante, tudo o que fez reverteu em favor da grandeza da Igreja, a qual, após a sua morte, extinto o duque, se tornou herdeira de sua obra. Veio depois o Papa Júlio e encontrou a Igreja grande, possuindo toda a Romanha, reduzidos à impotência os barões de Roma e, pelas perseguições de Alexandre, anuladas aquelas facções; encontrou, ainda, o caminho aberto para acumular dinheiro, o que jamais havia sido feito antes de Alexandre.

Júlio não só seguiu tais práticas, como as ampliou; pensou em conquistar Bolonha, extinguir os venezianos e expulsar os franceses da Itália: todos esses empreendimentos lhe saíram bem, e com tanto maior louvor quanto realizou tudo isso para engrandecer a Igreja e não para favorecer algum cidadão particular. Conservou, ainda, os partidos dos Orsíni e dos Colonna nas mesmas condições em que os encontrara e, se bem entre eles houvesse algum chefe capaz de fazer mudar a situação, duas coisas os mantiveram quietos: uma, a grandeza da Igreja, que os atemorizava; a outra, não terem eles cardeais, os quais são os causadores dos tumultos entre as facções. Nem em tempo algum ficarão quietas essas partes, desde que possuam cardeais, pois estes sustentam os partidos dentro e fora de Roma e os barões são forçados a defendê-los; assim, da ambição dos prelados, nascem as discórdias e os tumultos entre os barões. Sua Santidade, o Papa Leão, encontrou o pontificado potentíssimo e, espera-se, se aqueles que referimos o fizeram grande pelas armas, este o fará ainda maior e mais venerado pela bondade e suas outras infinitas virtudes.


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Breve biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


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