sábado, 6 de julho de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXXI - Pássaro Marinho

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







PÁSSARO MARINHO


Manhã de Maio, rosas pelo prado, 
Gorjeios, pelas matas verdurosas 
E a luz cantando o idílio de um noivado 
Por entre as matas e por entre as rosas.

Uma toilette matinal que o alado 
Corpo te enflora em graças vaporosas, 
Mergulhas, como um pássaro rosado, 
Nas cristalinas águas murmurosas.

Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho 
E das águas salgadas ao marulho 
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.

Trazes na carne um reflorir de vinhas, 
Auroras, virgens músicas marinhas, 
Acres aromas de algas e sargaços!



A FREIRA MORTA 
                 (Desterro)


Muda, espectral, entrando as arcarias 
Da cripta onde ela jaz eternamente 
No austero claustro silencioso – a gente 
Desce com as impressões das cinzas frias...

Pelas negras abóbadas sombrias 
Donde pende uma lâmpada fulgente, 
Por entre a frouxa luz triste e dormente 
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro após se estende... 
E no luar da lâmpada que pende 
Brilham clarões de amores condenados...

Como que vem do túmulo da morta 
Um gemido de dor que os ares corta, 
Atravessando os mármores sagrados!





CLARO E ESCURO


Dentro – os cristais dos tempos fulgurantes, 
Músicas, pompas, fartos esplendores, 
Luzes, radiando em prismas multicores, 
Jarras formosas, lustres coruscantes,

Púrpuras ricas, galas flamejantes, 
Cintilações e cânticos e flores; 
Promiscuamente férvidos odores, 
Mórbidos, quentes, finos, penetrantes.

Por entre o incenso, em límpida cascata, 
Dos siderais turíbulos de prata, 
Das sedas raras das mulheres nobres;

Clara explosão fantástica de aurora, 
Deslumbramentos, nos altares! – Fora, 
Uma falange intérmina de pobres.




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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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