parábolas de uma professora
a fome que nunca passa
Ensaio 009A – 3ª.ed
baitasar e paulus e marko e kamilá
a cabayba não respondeu, saiu com seu melhor sorriso sem contentamento, Venci e não me importa, como é fácil imaginar vocês me olhando... adoro uma fofoca!
será?
quer contentar a si mesma, tenho certeza, pensei em dizer-lhe, mas não disse, nem mesmo tentei avisar que é impossível salvar-se sozinha, Esse é o combate que nos enfraquece, um mais um é dois, entendeu? A escaramuça das vaidades nos faz levar o erro ao limite da vingança, mas não lhe disse, isso também é um erro
a crença na estupidez da outra nos irrita tanto mais ela demonstra autoconservação com as próprias opiniões – sorri e diz solenemente, Um mais um sempre é três –, para mim, isso é apenas teimosia egoísta, presunçosa e estúpida, ela não está apaixonada e não quer se apaixonar pelo ato de educar, já decretou o fim da educação pública como uma ação contínua e permanente da cidadania, Essa gente esfomeada não vem à escola para aprender, elas vêm para comer. O ensino não é o valor buscado, todas vocês sabem que é assim. Sério que vocês não sabiam? Vamos parar de brincar de salvar o mundo.
será?
e se for?
não será justo buscar o alimento onde é possível buscá-lo?
não podemos esquecer – em nome dessas escaramuças levianas e presunçosas – que a dedicação e o empenho aumenta com a significação que damos ao objeto buscado. ninguém na escola faz a fome, ela existe. milhões de miseráveis vivem, moram e morrem com ela, mas gente como a cabayba diz que é uma tolice, Gente! Essa fome é claramente um disse me disse público secreto. É uma invencionice para justificar esse dinheiro todo gasto com tanta estupidez. Bolsa família é o mesmo que Bolsa vagabundo! Em vez de ensinar a pescar damos o peixe.
então, para gente como a cabayba não é lógico e humano pensar que o alimento para os que têm fome é o objeto a ser buscado
existe maior significação na vida de qualquer uma de nós que a fome de todo dia? queremos negar a fome constante e habitual em que muitas das nossas crianças vivem? em nome do que e de quem a cabayba nega a fome que existe e rouba de todas nós muito do tempo para pensar como educar, aprender e ensinar
uma fome que nunca passa
fechar os olhos a isto – e cruzar os braços – é o maior dano moral que nos causamos, convencidas da estupidez dos famintos nos irritamos com o valor que dão ao ato de comer, Esfomeados!
não percebemos – ou não queremos perceber – que repetimos as mesmas coisas porque a vida das pessoas que nos procuram com seus filhos não muda, vidas com mais da mesma coisa: uma mesma vida escondida, vidas invisíveis
vou ficando para trás, longe da realidade maquiada dos números oficiais, todas sabemos que é assim, mas nos repetimos a exaustão
o mesmo disse me disse dos números, desanimadas com a ingratidão dessa gente que só nos veem como comida, se a intenção oficial desses números fosse séria na vontade de conhecer, explicar e dignificar a rede dessa vida secreta dos miseráveis – se a nossa intenção na escola fosse séria –... o alimento resignificaria a educação pública com vivacidade, criatividade e amorosidade
números oficiais maquiados não são uma coisa séria, não são divertidos nem uma bobagem, e quanto disso já repetimos? números que não estão ligados aos fatos e que influenciam os fatos – também pelo nosso silêncio – determinam o nosso fracasso moral, o que está fora de nós nunca estará dentro
e nos acostumamos, Sempre foi assim...
fico mais para trás ainda, as vozes sumindo, eu me aceito – ressumindo reaparecendo resumindo desaparecendo – na luz vigilante dos anjos. estariam no meio de nós? qual o sentido dos anjos se não podemos escutar sua mensagem? eles falam sozinhos quando nos visitam? gostaria de perguntar se eles estão se divertindo aqui conosco, gostaria muito de acreditar que os anjos dos esfomeados sentem fome, sei lá, às vezes acho que acredito, preciso acreditar mais
estou sumindo num sonho de verão, ficando para trás, os meus sonhos e a realidade sempre inacabada, incessantemente inconclusa, nego o amor ilógico em nome da segura solidão compartilhada, lógica e interessada, vou da contemplação depurada do desejo ao caos das minhas emoções infindas, me complico, foi sempre assim a minha vida toda, e sou tão simples de entender e amar, as pessoas acham mais fácil me odiar, tenho ficado mais em silêncio, cansei de ser odiada
quero falar, mas não devo querer – isso é ser muito altruísta
queria ter sido fecundada com a vida de uma filha, não sei por que não me dei essa vida diante das idas e vindas da vida, só devo pensar que nunca tive a intenção
quem sabe uma neta? que ela me olhe com atenção e espanto e carinho e me sinta engraçada – e eu me sinta abraçada –, ninguém me olha como uma mulher engraçada, tenho fome de sorrir, uma fome que nunca passa, quero contar histórias, quem sabe para uma neta
sou uma mulher frágil, oculta pela altura das árvores que plantei
não sou boazinha nem bruxinha
queria amanhecer agarrada aos teus cabelos, não se esqueça de mim onde estiver, o tempo passa muito rápido e os dias ficam velhos e perdem o uso cheios de lacunas, negligências, esquecimentos e arrependimentos
estou assustada com o último cigarro que fumei, estou decidindo parar
mas não será hoje
talvez
quem sabe a práxis possa me fecundar outra mulher, outra filha, sinto saudades do meu pai
não quero morrer, quero te amar
aproveitar comovida nossa pele macia sem as rugas que chegarão, sentir as lambidas da tua língua molhada e quente, debruçada ou ao teu alcance, sem voz alguma
escuto lasciva os avisos para ter cautela, pouco me interessam
o teu corpo inclinado e vigoroso e teso aprendendo o meu, sumindo e ressumindo e renascendo de mim, ressumindo em mim, tudo isso e mais, quero mais do amor, uma noite de estrelas
secretamente penso em nossos encontros e perco o juízo, quero matar minha sede, como tudo que vive também tenho sede
sei que não quero morrer, sinto você tão perto de mim, quero te amar, maldito cigarro, maldito você que não me pede para parar
delícia
adoro a sinfonia dos teus amares, amo muito tudo isso
a tua boca me faz querer os teus beijos, fico olhando e sinto crescendo aquela vontade de te devorar, mas se eu te procuro na aurora só vou te encontrar no crepúsculo e se te procuro no crepúsculo talvez te encontre na aurora
adoro o reapaixonamento do reencontro
quero teu colo
hoje, mais indigente e miserável me sinto, preciso te perguntar: por que nunca diz eu te amo? nada vai te acontecer, só preciso escutar
queria que o amor fosse a obra-prima da minha vida – uma fome que nunca passa
As ações na escola não têm esse alcance...
pronto, pulei das nuvens do encantamento calada, sempre em silêncio, olho à minha volta, continuo em pé com a garrafa térmica nas mãos, procuro a cuia com o chimarrão, já está voltando de mão em mão
... histórico, Camila. Não temos esse alcance, ainda bem que não temos, porque estaríamos formando jovens sem iniciativa crítica, criativa e humana, grandes ecos vazios, abarrotados com declinações, códigos gramaticais, fórmulas matemáticas. Por graça – ou desgraça, sabe-se lá –, conseguimos sobreviver às inquietações críticas do cotidiano repetindo mais do mesmo sem contentamento.
a cabayba retorna para o abrigo, pega o copo de iogurte vazio e coloca na lixeira, é perceptível que ela não duvida que a essência de tudo está em seu coração
sinceramente, eu espero que não – do ponto de vista da vida solidária e coletiva com amorosidade
__________________
Leia também:
parábolas: ensaio 001A / Camarada, Ofélia!
parábolas: ensaio 002A / o coração livre para voar
parábolas: ensaio 003A / macho, branco e dono de tudo
parábolas: ensaio 004A / uma carreta de bois
parábolas: ensaio 005A / amar para se deliciar junto
parábolas: ensaio 006A / civismo cínico
parábolas: ensaio 007A / o compromisso
parábolas: ensaio 008A / minicontos de natal
a fome que nunca passa
Ensaio 009A – 3ª.ed
baitasar e paulus e marko e kamilá
a cabayba não respondeu, saiu com seu melhor sorriso sem contentamento, Venci e não me importa, como é fácil imaginar vocês me olhando... adoro uma fofoca!
será?
quer contentar a si mesma, tenho certeza, pensei em dizer-lhe, mas não disse, nem mesmo tentei avisar que é impossível salvar-se sozinha, Esse é o combate que nos enfraquece, um mais um é dois, entendeu? A escaramuça das vaidades nos faz levar o erro ao limite da vingança, mas não lhe disse, isso também é um erro
a crença na estupidez da outra nos irrita tanto mais ela demonstra autoconservação com as próprias opiniões – sorri e diz solenemente, Um mais um sempre é três –, para mim, isso é apenas teimosia egoísta, presunçosa e estúpida, ela não está apaixonada e não quer se apaixonar pelo ato de educar, já decretou o fim da educação pública como uma ação contínua e permanente da cidadania, Essa gente esfomeada não vem à escola para aprender, elas vêm para comer. O ensino não é o valor buscado, todas vocês sabem que é assim. Sério que vocês não sabiam? Vamos parar de brincar de salvar o mundo.
será?
e se for?
não será justo buscar o alimento onde é possível buscá-lo?
não podemos esquecer – em nome dessas escaramuças levianas e presunçosas – que a dedicação e o empenho aumenta com a significação que damos ao objeto buscado. ninguém na escola faz a fome, ela existe. milhões de miseráveis vivem, moram e morrem com ela, mas gente como a cabayba diz que é uma tolice, Gente! Essa fome é claramente um disse me disse público secreto. É uma invencionice para justificar esse dinheiro todo gasto com tanta estupidez. Bolsa família é o mesmo que Bolsa vagabundo! Em vez de ensinar a pescar damos o peixe.
então, para gente como a cabayba não é lógico e humano pensar que o alimento para os que têm fome é o objeto a ser buscado
existe maior significação na vida de qualquer uma de nós que a fome de todo dia? queremos negar a fome constante e habitual em que muitas das nossas crianças vivem? em nome do que e de quem a cabayba nega a fome que existe e rouba de todas nós muito do tempo para pensar como educar, aprender e ensinar
uma fome que nunca passa
fechar os olhos a isto – e cruzar os braços – é o maior dano moral que nos causamos, convencidas da estupidez dos famintos nos irritamos com o valor que dão ao ato de comer, Esfomeados!
não percebemos – ou não queremos perceber – que repetimos as mesmas coisas porque a vida das pessoas que nos procuram com seus filhos não muda, vidas com mais da mesma coisa: uma mesma vida escondida, vidas invisíveis
vou ficando para trás, longe da realidade maquiada dos números oficiais, todas sabemos que é assim, mas nos repetimos a exaustão
o mesmo disse me disse dos números, desanimadas com a ingratidão dessa gente que só nos veem como comida, se a intenção oficial desses números fosse séria na vontade de conhecer, explicar e dignificar a rede dessa vida secreta dos miseráveis – se a nossa intenção na escola fosse séria –... o alimento resignificaria a educação pública com vivacidade, criatividade e amorosidade
números oficiais maquiados não são uma coisa séria, não são divertidos nem uma bobagem, e quanto disso já repetimos? números que não estão ligados aos fatos e que influenciam os fatos – também pelo nosso silêncio – determinam o nosso fracasso moral, o que está fora de nós nunca estará dentro
e nos acostumamos, Sempre foi assim...
fico mais para trás ainda, as vozes sumindo, eu me aceito – ressumindo reaparecendo resumindo desaparecendo – na luz vigilante dos anjos. estariam no meio de nós? qual o sentido dos anjos se não podemos escutar sua mensagem? eles falam sozinhos quando nos visitam? gostaria de perguntar se eles estão se divertindo aqui conosco, gostaria muito de acreditar que os anjos dos esfomeados sentem fome, sei lá, às vezes acho que acredito, preciso acreditar mais
estou sumindo num sonho de verão, ficando para trás, os meus sonhos e a realidade sempre inacabada, incessantemente inconclusa, nego o amor ilógico em nome da segura solidão compartilhada, lógica e interessada, vou da contemplação depurada do desejo ao caos das minhas emoções infindas, me complico, foi sempre assim a minha vida toda, e sou tão simples de entender e amar, as pessoas acham mais fácil me odiar, tenho ficado mais em silêncio, cansei de ser odiada
quero falar, mas não devo querer – isso é ser muito altruísta
queria ter sido fecundada com a vida de uma filha, não sei por que não me dei essa vida diante das idas e vindas da vida, só devo pensar que nunca tive a intenção
quem sabe uma neta? que ela me olhe com atenção e espanto e carinho e me sinta engraçada – e eu me sinta abraçada –, ninguém me olha como uma mulher engraçada, tenho fome de sorrir, uma fome que nunca passa, quero contar histórias, quem sabe para uma neta
sou uma mulher frágil, oculta pela altura das árvores que plantei
não sou boazinha nem bruxinha
queria amanhecer agarrada aos teus cabelos, não se esqueça de mim onde estiver, o tempo passa muito rápido e os dias ficam velhos e perdem o uso cheios de lacunas, negligências, esquecimentos e arrependimentos
estou assustada com o último cigarro que fumei, estou decidindo parar
mas não será hoje
talvez
quem sabe a práxis possa me fecundar outra mulher, outra filha, sinto saudades do meu pai
não quero morrer, quero te amar
aproveitar comovida nossa pele macia sem as rugas que chegarão, sentir as lambidas da tua língua molhada e quente, debruçada ou ao teu alcance, sem voz alguma
escuto lasciva os avisos para ter cautela, pouco me interessam
o teu corpo inclinado e vigoroso e teso aprendendo o meu, sumindo e ressumindo e renascendo de mim, ressumindo em mim, tudo isso e mais, quero mais do amor, uma noite de estrelas
secretamente penso em nossos encontros e perco o juízo, quero matar minha sede, como tudo que vive também tenho sede
sei que não quero morrer, sinto você tão perto de mim, quero te amar, maldito cigarro, maldito você que não me pede para parar
delícia
adoro a sinfonia dos teus amares, amo muito tudo isso
a tua boca me faz querer os teus beijos, fico olhando e sinto crescendo aquela vontade de te devorar, mas se eu te procuro na aurora só vou te encontrar no crepúsculo e se te procuro no crepúsculo talvez te encontre na aurora
adoro o reapaixonamento do reencontro
quero teu colo
hoje, mais indigente e miserável me sinto, preciso te perguntar: por que nunca diz eu te amo? nada vai te acontecer, só preciso escutar
queria que o amor fosse a obra-prima da minha vida – uma fome que nunca passa
As ações na escola não têm esse alcance...
pronto, pulei das nuvens do encantamento calada, sempre em silêncio, olho à minha volta, continuo em pé com a garrafa térmica nas mãos, procuro a cuia com o chimarrão, já está voltando de mão em mão
... histórico, Camila. Não temos esse alcance, ainda bem que não temos, porque estaríamos formando jovens sem iniciativa crítica, criativa e humana, grandes ecos vazios, abarrotados com declinações, códigos gramaticais, fórmulas matemáticas. Por graça – ou desgraça, sabe-se lá –, conseguimos sobreviver às inquietações críticas do cotidiano repetindo mais do mesmo sem contentamento.
a cabayba retorna para o abrigo, pega o copo de iogurte vazio e coloca na lixeira, é perceptível que ela não duvida que a essência de tudo está em seu coração
sinceramente, eu espero que não – do ponto de vista da vida solidária e coletiva com amorosidade
__________________
Leia também:
parábolas: ensaio 001A / Camarada, Ofélia!
parábolas: ensaio 002A / o coração livre para voar
parábolas: ensaio 003A / macho, branco e dono de tudo
parábolas: ensaio 004A / uma carreta de bois
parábolas: ensaio 005A / amar para se deliciar junto
parábolas: ensaio 006A / civismo cínico
parábolas: ensaio 007A / o compromisso
parábolas: ensaio 008A / minicontos de natal
parábolas: ensaio 009A / a fome que nunca passa
parábolas: ensaio 010A /o medo no cardápio pedagógico
parábolas: ensaio 010A /o medo no cardápio pedagógico
Nenhum comentário:
Postar um comentário