Machado de Assis
CAPÍTULO C / O caso provável
Se esse mundo não fosse uma região de espíritos desatentos, era escusado lembrar ao leitor que eu só afirmo certas leis quando as possuo deveras; em relação a outras restrinjo-me à admissão da probabilidade. Um exemplo da segunda classe constitui o presente capítulo, cuja leitura recomendo a todas as pessoas que amam o estudo dos fenômenos sociais. Segundo parece, e não é improvável, existe entre os fatos da vida pública e os da vida particular uma certa ação recíproca, regular, e talvez periódica, — ou, para usar de uma imagem, há alguma coisa semelhante às marés da Praia do Flamengo e de outras igualmente marulhosas. Com efeito, quando a onda investe a praia, alaga-a muitos palmos a dentro; mas esta mesma água tornar ao mar, com variável força, e vai engrossar a onda que há de vir, e que terá de torna como a primeira. Esta é a imagem; vejamos a aplicação.
Deixei dito noutra página que o Lobo Neves, nomeado presidente da província, recusou a nomeação por motivo da data do decreto, que era 13; ato grave, cuja consequência foi separar do ministério o marido da Virgília. Assim, o fato particular da ojeriza de um número produziu o fenômeno da dissidência política. Resta ver como, tempos depois, um ato político determinou na vida particular uma cessação de movimento. Não convindo ao método deste livro descrever imediatamente esse outro fenômeno, limito-me a dizer por ora que o Lobo Neves, quatro meses depois de nosso encontro no teatro, reconciliou-se com o ministério; fato que o leitor não deve perder de vista, se quiser penetrar a sutileza do meu pensamento.
______________________
Leia também:
Capítulo LXII / O travesseiro
Capítulo LXX / Dona Plácida
Capítulo LXXX / De secretário
Capítulo XC / O velho colóquio de Adão e Caim
Capítulo XCI / Uma carta extraordinária
Capítulo XCII / Um homem extraordinário
Capítulo C / O caso provável
Nenhum comentário:
Postar um comentário