Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
DISPERSAS
BEIJOS
Nesta Tebaida infinita
Da vida, na sombra oculto,
Eu gosto de olhar o vulto
De uma criança bonita.
Porque afinal as crianças,
Como eu deslumbro-me ao vê-las,
Cintilam como as estrelas,
Florescem como esperanças.
Dentro de mim se projeta
A luz cambiante dos prismas
E batem asas as cismas
Qual passarada irrequieta.
E batem asas e ruflam,
Pelas artísticas plagas,
As auras que as grandes vagas
Dos fundos mares insuflam.
E digo, ó mães, se uma aurora
Fosse a minh’alma sincera,
Os clarões todos eu dera
A uma criança que chora.
Porque se a luz fortalece
Arbustos e as andorinhas,
Também por certo às criancinhas
Conforta, avigora, aquece.
E eu que aplaudo e que rimo
Tudo isso que à luz se regre,
Na vibração mais alegre
As criancinhas estimo.
Portanto, assim, sem refolhos
Beijando a Olga, beijando
Meus sonhos vão, irradiando,
Se derramar em seus olhos!
QUESTÃO BROCARDO
Triolé fura essa pança
Do Delegado – és um russo,
Revolução nesta dança...
Triolé fura essa pança,
Fura, fura como a lança
Ou como no boi um chuço;
Triolé fura essa pança
Do Delegado – és um russo.
[Zat.]
[PINTO, PINTA]
Pinto, pinta – ponta a ponta
Tanta ponta, Pinto pinta
Que pinta se pinta a pinta
Pinto – pinta – ponta a ponta.
Pinto é ponto mas não ponta
Mas se pinta por um pinto
E já que o Pinto se pinta
Eu pinto-lhe a pinta ao Pinto.
[Zat.]
PIRUETAS
Finou-se um tal inglês
Gastrônomo e patife
Que tanto – de uma vez
Comeu, comeu e esparramou-se em bife;
Que um dia de jejum,
Pela pança rotunda e quixotesca,
Teve um parto... comum,
Um feto original... de carne fresca.
[Zat.]
AS DEVOTAS
I
Enquanto o sino bimbalha,
Bimbalha, bimbalha e tine,
Lançai do olhar a migalha
– Enquanto o sino bimbalha –
À raça que se amortalha
No horror que não se define...
Enquanto o sino bimbalha
Bimbalha, bimbalha e tine.
II
Perto da Igreja a senzala,
O Cristo junto aos escravos
E, pois, deveis visitá-la,
Perto da Igreja, a senzala
E procurar transformá-la
Da luz às palmas, aos bravo!...
Perto da Igreja a senzala,
O Cristo junto aos escravos.
III
E tão-somente por isto
Enquanto o sino bimbalha,
Bem antes de terdes visto
– E tão-somente por isto –
Todo o martírio do Cristo,
O vosso amor que lhes valha,
E tão-somente por isto,
Enquanto o sino bimbalha.
[Zat.]
continua pág. 205
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Leia também:
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLII - À Pátria Livre
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLIII - A Volta
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLIV - Lágrimas
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLV - [Deixemo-nos Ficar...]
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLVI - A Piedade
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLVII - Mães
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Campesinas XLVIII - Ao Ar Livre
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Campesinas XLIX - Renascimento
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLVI - A Piedade
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XLVII - Mães
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Campesinas XLVIII - Ao Ar Livre
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Campesinas XLIX - Renascimento
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LIX - Beijos
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
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Projeto Gráfico, Editoração e Capa
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PROF. Dr. LAURO JUNKES
Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm
FICHA CATALOGRÁFICA
Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o Sousa, Cruz e, 1861-1898
Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
v. 1 (612 p.)
Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
Junkes, Lauro. II. Titulo.
CDU: 869.0(816.4)-1
"A gente só tem saída na poesia."
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