Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 2
capítulo 2
a reação da nacionalidade
Erguido no Brasil em nome do constitucionalismo, Pedro I dissolveu a Constituinte, e deu à nação brasileira, em vez de corpos representativos que a organizassem, as célebres comissões militares, os multiplicados Niemayers e Andreas, que tiranizavam as províncias e arrancavam, à força, aplausos ao absolutismo. Num país nominalmente constitucionalizado desde o começo de 1824, e onde toda a vida pública estava por instituir, só em 1826 se reuniu a primeira assembleia legislativa, eleita pela nação. De fato, a constituição, centralizadora, ilusoriamente liberal, só foi doada para ser uma mentira, como a própria independência. Considerando explicitamente nisto é que Costa Carvalho (antes de ser Monte Alegre) chegou à formula: “Só é brasileiro aquele que é constitucional”. Com Pedro I se iniciou, no Brasil, o costume que já é tradição: de haver constituição – para não ser cumprida. Nunca o foi a do Império, como nunca o foi a da Republica, e nessa mentira essencial vive a nação brasileira. Num país cujo passado era, apenas, o espontâneo e o arbitrário da vida colonial; num país extenso e que possuía tradições de vida local, a constituição arranjada pelos marqueses de Pedro I era, sobretudo, um motivo de constrição irritante e amesquinhadora, sob a égide de um poder moderador, que era o despotismo prático e irremissível. Com os costumes que herdamos na política geral, dado o mandonismo em que nos formamos, isso deu em resultado a caligem asfixiante e o liberalismo corruptor do segundo Império.
§ 13 – O Brasil constitucional de Pedro I
Erguido no Brasil em nome do constitucionalismo, Pedro I dissolveu a Constituinte, e deu à nação brasileira, em vez de corpos representativos que a organizassem, as célebres comissões militares, os multiplicados Niemayers e Andreas, que tiranizavam as províncias e arrancavam, à força, aplausos ao absolutismo. Num país nominalmente constitucionalizado desde o começo de 1824, e onde toda a vida pública estava por instituir, só em 1826 se reuniu a primeira assembleia legislativa, eleita pela nação. De fato, a constituição, centralizadora, ilusoriamente liberal, só foi doada para ser uma mentira, como a própria independência. Considerando explicitamente nisto é que Costa Carvalho (antes de ser Monte Alegre) chegou à formula: “Só é brasileiro aquele que é constitucional”. Com Pedro I se iniciou, no Brasil, o costume que já é tradição: de haver constituição – para não ser cumprida. Nunca o foi a do Império, como nunca o foi a da Republica, e nessa mentira essencial vive a nação brasileira. Num país cujo passado era, apenas, o espontâneo e o arbitrário da vida colonial; num país extenso e que possuía tradições de vida local, a constituição arranjada pelos marqueses de Pedro I era, sobretudo, um motivo de constrição irritante e amesquinhadora, sob a égide de um poder moderador, que era o despotismo prático e irremissível. Com os costumes que herdamos na política geral, dado o mandonismo em que nos formamos, isso deu em resultado a caligem asfixiante e o liberalismo corruptor do segundo Império.
A primeira prova a que se submeteu o famoso constitucionalismo de 1824 foi o caso de Chapuis, jornalista aventuroso, e que, dentre o soporífico dos escrevedores brasileiros de então, teve a ideia de dizer banalíssimas verdades, quanto ao tratado de reconhecimento. Tudo se cifrou em mostrar que o tal tratado era desvantajoso para o Brasil e feria a constituição. No entanto, foi tão monstruoso o proceder do governo constitucional do Brasil, para com o jornalista, que Armitage sente cócegas no seu humour de inglês:
Hoje, sob a proclamada libérrima constituição republicana, fazem a mesma coisa com os pobres e honestos operários estrangeiros, escorraçados e perseguidos somente porque têm voz para mostrar a infame espoliação de que são vítimas os trabalhadores nacionais.
Estrangeiro no Rio de Janeiro, Chapuis havia formado a sua opinião política pela leitura da constituição, sem verificar se os seus artigos jamais haviam sido executados. Podese, porém, produzir como circunstância atenuante que o seu erro foi de pouca duração. Em menos de uma semana... sem nenhum processo anterior, foi lançado numa prisão, mandado a bordo de um navio, obrigado a sair do Império.71
Hoje, sob a proclamada libérrima constituição republicana, fazem a mesma coisa com os pobres e honestos operários estrangeiros, escorraçados e perseguidos somente porque têm voz para mostrar a infame espoliação de que são vítimas os trabalhadores nacionais.
Curioso aspecto a notar: os panegiristas de Pedro I destacam, sempre, como qualidade característica dele, o que resulta de um temperamento impulsivo – arrebatado diz-se na fórmula de louvores. Ora, todos os momentos em que ele nos aparece assim – impetuoso, ao natural, por conseguinte, e em lances de arbítrio, é, politicamente, despótico, tirânico, pessoal, mau. Foi com esse príncipe que começou a tradição de mentira, apurada no segundo
reinado: uma monarquia constitucional, com efetivo governo pessoal. Em 1860, dizia-se correntemente – “... as violências e iniquidades do primeiro reinado”... (Medrado). Destarte, despejado de modos, vibrante dos ardores de Carlota Joaquina, ele leva o seu personalismo a formas de sultanismo; teve um gabinete de favoritos – o célebre gabinete secreto, dos Chalaças. E fazia timbre de nomear para altas funções criaturas ostensivamente absolutistas. Organizou o Senado como se fora uma extensão dos seus paços, com criaturas abertamente avessas às normas constitucionais – Cairú, Barbuda, Baependi, Vilela Barbosa... Assim, veio a encontrar-se na situação de soberano estrangeiro, a impor-se pelas armas dos seus mercenários. Um jornalista liberal (Badaró) é assassinado a mando de um juiz, e o crime se leva a sua conta; José Clemente intenta armar um exército clandestino, e a nação, já orientada pelos seus deputados, alarma-se, e impede o atentado; os batalhões de mercenários, alemães e irlandeses, revoltam-se, o povo arma-se para enfrentá-los, e, finalmente, domina-os. Pedro I sente-se desarmado e inculpa o ministro da guerra – que não soubera conservar-lhe os preciosos guarda-costas, pelo que Barroso Pereira é tratado como lacaio descuidado...
71 Op. cit., pág. 109.
reinado: uma monarquia constitucional, com efetivo governo pessoal. Em 1860, dizia-se correntemente – “... as violências e iniquidades do primeiro reinado”... (Medrado). Destarte, despejado de modos, vibrante dos ardores de Carlota Joaquina, ele leva o seu personalismo a formas de sultanismo; teve um gabinete de favoritos – o célebre gabinete secreto, dos Chalaças. E fazia timbre de nomear para altas funções criaturas ostensivamente absolutistas. Organizou o Senado como se fora uma extensão dos seus paços, com criaturas abertamente avessas às normas constitucionais – Cairú, Barbuda, Baependi, Vilela Barbosa... Assim, veio a encontrar-se na situação de soberano estrangeiro, a impor-se pelas armas dos seus mercenários. Um jornalista liberal (Badaró) é assassinado a mando de um juiz, e o crime se leva a sua conta; José Clemente intenta armar um exército clandestino, e a nação, já orientada pelos seus deputados, alarma-se, e impede o atentado; os batalhões de mercenários, alemães e irlandeses, revoltam-se, o povo arma-se para enfrentá-los, e, finalmente, domina-os. Pedro I sente-se desarmado e inculpa o ministro da guerra – que não soubera conservar-lhe os preciosos guarda-costas, pelo que Barroso Pereira é tratado como lacaio descuidado...
Que valia o Brasil propriamente dito com um tal governo, nas vicissitudes que daí se geravam? Nem mesmo se sabia que regime prevalecia. Em 1824, as coisas estiveram tão afeitas ao absolutismo que jornais governamentais chegaram a pedir ostensivamente, em campanha evidentemente encomendada – que se desprezasse qualquer constituição: “Nas colunas do Diário Fluminense (jornal do ministério) pugnava-se pela legitimidade de D. Pedro, ao mesmo tempo que nenhuma palavra se dizia a respeito da sua unânime aclamação...”.72 Achavam-se no gabinete sectários da facção absolutista. Niemayer, por haver pedido que se adotasse o
absolutismo, foi agraciado com a placa do Cruzeiro;73 Chichorro, porque proclamara o governo absoluto em três vilas abandonadas à sua sabujice, teve agradecimentos especiais do Ministro, Conde de Valença, em nome de sua majestade; um Teixeira de Freitas escreve ao serviçal sabujo Ferreira França – exaltando o governo absoluto, e recebe, em agradecimento, o baronato da mesma Itaparica onde propagava o seu ideal. O aviltado cabido de Montevidéu requer ostensivamente uma monarquia absoluta, e recebem, todos os membros, comendas e hábitos de Cristo... Isto continua assim, e tanto que, em 1827, o Padre Custódio Dias, no seu habitual desassombro, fala, na Assembleia, e pede providências contra esses que abertamente “proclamam o absolutismo... recebendo prêmios, em vez de castigo, ficam impunes, e até descaradamente premiados”. Nesses dias, Vergueiro, no seu enfartado bom senso, provava que o governo imperial tinha sido, até então, ostensivamente pessoal: não havia direito que não tivesse sido desprezado, não havia liberdade constitucional que não tivesse sido violada... Varnhagem, querendo elogiar a Pedro I, transcreve a sua carta, de 1821, ao pai, onde o Príncipe Real era absolutamente contrário à ideia de aceitar-se uma constituição: “... é indecoroso... é vergonha certa...”
72 Armitage, op. cit., 97.
absolutismo, foi agraciado com a placa do Cruzeiro;73 Chichorro, porque proclamara o governo absoluto em três vilas abandonadas à sua sabujice, teve agradecimentos especiais do Ministro, Conde de Valença, em nome de sua majestade; um Teixeira de Freitas escreve ao serviçal sabujo Ferreira França – exaltando o governo absoluto, e recebe, em agradecimento, o baronato da mesma Itaparica onde propagava o seu ideal. O aviltado cabido de Montevidéu requer ostensivamente uma monarquia absoluta, e recebem, todos os membros, comendas e hábitos de Cristo... Isto continua assim, e tanto que, em 1827, o Padre Custódio Dias, no seu habitual desassombro, fala, na Assembleia, e pede providências contra esses que abertamente “proclamam o absolutismo... recebendo prêmios, em vez de castigo, ficam impunes, e até descaradamente premiados”. Nesses dias, Vergueiro, no seu enfartado bom senso, provava que o governo imperial tinha sido, até então, ostensivamente pessoal: não havia direito que não tivesse sido desprezado, não havia liberdade constitucional que não tivesse sido violada... Varnhagem, querendo elogiar a Pedro I, transcreve a sua carta, de 1821, ao pai, onde o Príncipe Real era absolutamente contrário à ideia de aceitar-se uma constituição: “... é indecoroso... é vergonha certa...”
Para bem compreender esta tenacidade no arcaísmo torvamente prepotente, é preciso considerar, uma vez, que os dois aspectos se fundiam – portuguesismo e anticonstitucionalismo. Quando começaram as transações para o tratado de reconhecimento, no intento de fazer o verdadeiro entendimento, o governo de Lisboa
mandou ao Rio de Janeiro, uma segunda missão Rio Maior: a de Soares Leal. Já estava Portugal restabelecido no absolutismo dos Braganças, e como havia em Lisboa, uma expedição militar destinada a dominar o Brasil, Soares Leal vinha oferecê-la a Pedro I, para “destruir a constituição e reunir os dois países, ficando D. João VI como imperador em geral, e D. Pedro como imperador regente do Brasil... Aceita a conciliação, o imperador regente podia, desde logo, empregar a marinha de Portugal, e uma força de 10.000 homens, para repelir qualquer dissidência nas províncias do Brasil...”74 A coisa não se fez assim porque, por si, D. Pedro não tinha coragem de enfrentar o Brasil, e todos o conhecem, também, porque a Inglaterra (que garantia Portugal) opôs-se, uma vez que tentaram fazer o acordo por fora dela. Foi motivo, até, para que o governo inglês exigisse a demissão do ministério português, que tentara o acordo. 75 No entanto, tal é o caráter da criatura, que tudo isto mudou quando lhe foi preciso, a Pedro I, em luta com D. Miguel, explorar o constitucionalismo, lá no reino de Portugal. Simples embuste, a maré de constitucionalismo durou pouco; em 1829, Pedro I volta à política de desbragado sultanismo, escolhendo, mesmo dentre os portugueses, os mais ostensivamente absolutistas. Depois, amedrontado com a oposição da Assembleia, voltou à aparência de constitucionalismo, na casca dos Barbacena e Calmon. Francisco Chalaça, que continua favorito, garante que dará o baque nos cinco crioulos (os cinco ministros brasileiros). De fato, não tarda que Barbacena seja despedido, com a insinuação de ladrão.
73 Niemayer é o mesmo que, desapiedadamente, meteu mais de 1.000 recrutas cearenses num navio, que não comportava nem metade, e, assim, os remeteu para o Rio de Janeiro. Metade morreu, no caminho – de fome, sede e maus tratos. Depois do desembarque, ainda morreu um quarto dos restantes, em consequência da viagem. Ele havia sido mandado para proteger o espírito de liberdade, manifestado ali, em 1824. O próprio P. da Silva, o chama de duro, cruel, arbitrário... (Segundo Período, pág. 12).
mandou ao Rio de Janeiro, uma segunda missão Rio Maior: a de Soares Leal. Já estava Portugal restabelecido no absolutismo dos Braganças, e como havia em Lisboa, uma expedição militar destinada a dominar o Brasil, Soares Leal vinha oferecê-la a Pedro I, para “destruir a constituição e reunir os dois países, ficando D. João VI como imperador em geral, e D. Pedro como imperador regente do Brasil... Aceita a conciliação, o imperador regente podia, desde logo, empregar a marinha de Portugal, e uma força de 10.000 homens, para repelir qualquer dissidência nas províncias do Brasil...”74 A coisa não se fez assim porque, por si, D. Pedro não tinha coragem de enfrentar o Brasil, e todos o conhecem, também, porque a Inglaterra (que garantia Portugal) opôs-se, uma vez que tentaram fazer o acordo por fora dela. Foi motivo, até, para que o governo inglês exigisse a demissão do ministério português, que tentara o acordo. 75 No entanto, tal é o caráter da criatura, que tudo isto mudou quando lhe foi preciso, a Pedro I, em luta com D. Miguel, explorar o constitucionalismo, lá no reino de Portugal. Simples embuste, a maré de constitucionalismo durou pouco; em 1829, Pedro I volta à política de desbragado sultanismo, escolhendo, mesmo dentre os portugueses, os mais ostensivamente absolutistas. Depois, amedrontado com a oposição da Assembleia, voltou à aparência de constitucionalismo, na casca dos Barbacena e Calmon. Francisco Chalaça, que continua favorito, garante que dará o baque nos cinco crioulos (os cinco ministros brasileiros). De fato, não tarda que Barbacena seja despedido, com a insinuação de ladrão.
É quando, numa fala do trono, Pedro I se atira a xingar a Assembleia. Ledo, sempre Ledo, incumbido de dar a sua retórica alambicada para a resposta, não quis levantar o desaforo; mas
74 Biker, Tratados, t. XXIII, 114; XXII, 388.
75 Idem..
a Assembleia bem se referiu ao fato, na voz dos seus grandes homens, e, apesar de tudo, a resposta fala em Temor incutido na nação pela volta ao absolutismo. Nesse tempo mesmo, é Pernambuco violentamente afrontado pelos sicários do trono, que se erguem nas célebres Colunas... destinadas a garantir o absolutismo e abater os republicanos. Enquanto isto, abandonada a nação brasileira, atacada e perseguida nos seus homens representativos, via-se reduzida a esse estado de miséria, que se pinta nas próprias palavras da fala do trono, de 1828: “O estado miserável a que se acha reduzido o tesouro... a calamidade existente... as desgraçadas circunstâncias do Império...” A calamidade vinha de que, de fins de 1824 a começo de 27, tinham sido esbanjadas 3.683.200 libras esterlinas. Pereira da Silva inadvertidamente indica a causa da calamidade: “A administração geral e particular continuava péssima, não por falta de leis, mas, pelo pessoal...”76
76 Fundação, II, pág. 26. Do ministério que lhe sucedeu, dizia José Bonifácio: “Ministério venal e imbecil...” (Cartas, pág. 80).
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 12 – O partido português - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: § 14 – Os marqueses e o respectivo senado - Manoel Bomfim
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