segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O Brasil nação - v1: § 19 – Incompatibilidade – entre o Império e a nação - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil nação volume 1





PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS



capítulo 2
a reação da nacionalidade






§ 19 – Incompatibilidade – entre o Império e a nação




Tudo isso, feito contra o governo de Pedro I, teve o efeito de malquistá-lo definitivamente com a nação: a Assembleia de 1826 cortou todos os laços entre o imperador e o Brasil. Não se dizia revolucionaria, mas procedia com um tal desassombro, que, reeleita em maioria, esteve pronta a apresentar e discutir um projeto – considerando Pedro I incapaz de governar o Brasil. Não era revolucionária, pois que lutava sobretudo pela realidade da constituição, e, no entanto, servia de voz aos que precipitaram a queda do governo imperial. A oposição republicana batia-se abertamente pela federação; era ideia vencedora entre os liberais, mesmo aqueles que ainda confiavam na monarquia constitucional; isto é, ao lado dos que pediam intransigentemente a república, havia a corrente intermediária – dos que pretendiam resolver a crise com o Império federado. Como todas as soluções de transigência, essa monarquia sobre províncias autônomas seria monstruosa: o Império, com os Braganças, só podia substituir na forma centralizada, expressão do poder imperial sobre a nação. A federação erguia um outro poder, dos governos locais, fórmula de liberdade e de democracia, que tornaria absolutamente dispensável a ossatura férrea da dinastia hereditária. Com isso, porém, a Assembleia, onde se refletiam tais aspirações, e que, condensando-as, lhes dava novo alento; a Assembleia teve a significação de revolucionária. Note-se, ainda, que alguns dos deputados eram francamente republicanos. Por tudo isso, era a propaganda federalista a que mais feria e ofendia os zelos do Império de Pedro I. No vértice da crise – quando buscou o amparo dos mineiros, falando-lhes, lá deixou a nota de inquietação: “...Escrevem sem rebuço, e concitam os povos à federação...” O insucesso, patenteado na frieza e no pouco caso com que foi recebido e tratado, firmaram, então, a resolução de abdicar, coisa que, desde há muito, ele, o imperador, admitia como solução única da situação em que se encontrava. Ora, praticamente, quem é que o levou a essa forma de decisão? Quem eram os seus adversários patentes, e com meios de ação capazes de fazê-lo renunciar ao domínio do Brasil?.. A atitude dos mineiros foi o último, cronologicamente, dos motivos da decisão: 

... Regressou ao Rio de Janeiro, desabusado, desgostoso, e de ânimo abatido. A frieza e falta de respeito com que foi recebido em toda parte, juntas ao mau êxito que tivera a sua proclamação (aos mineiros), completamente o desenganaram, de sorte que várias vezes, no decurso da volta, falou na intenção em que estava de abdicar em favor do filho, e de retirar-se para sempre do Brasil.

Tais são os termos de Armitage, presente no Rio de Janeiro, e que confirmam o êxito definitivo da oposição, condensada na Assembleia dos deputados. Noutra página, esse historiador ainda insiste no fato de que Pedro I já estava disposto, antes de 7 de abril, a retirar-se. É quando refere (sublinhando o verbo), que Barbacena, ex-íntimo e sócio do imperador, dissera aos revolucionários: “Sei que D. Pedro facilmente será induzido a abdicar...” 

Não para simples amostra de erudição, mas para acentuar o valor da ação política desenvolvida na Assembleia dos legítimos representantes do Brasil: torna-se indispensável verificar esse trecho de verdade, porque, posteriormente, os douradores dos Braganças entenderam empanar a vitória de 7 de abril, transformando a confessada derrota e retirada do príncipe estrangeiro em grandeza de alma, e penhor do seu amor a esta pátria. Então, a abdicação teria sido o gesto de magnanimidade de quem se sacrifica para evitar uma luta civil: Othon em face das tropas de Vitellius... É desse teor, entre outros, o biografista Sr. Macedo, e o panegirista Monsenhor Pinto de Campos. O primeiro é o historiador que só conta para elogiar, e para quem todo biografado deve ser um herói. Nessa facilidade de critério, ele investe contra a verdade, contra a própria lógica, e afirma: “... se o imperador quisesse a 6 de abril resistir à revolução, e combatê-la, teria do seu lado pelo menos uma parte dos corpos militares...” Pinto de Campos, constrói a sua história baseando-se num contaram-me:


... que o major Luiz de Lima e Silva, referindo ao imperador o estado de indisciplina das tropas, ofereceu-se para debelar a revolução iminente com o batalhão do imperador e o corpo de artilharia montada; mas Pedro I repeliu a oferta, com a afirmação de que não queria, de modo algum, que por sua causa se derramasse sangue brasileiro...


É muita coragem, no ataque à verdade! O corriqueiro na história, até em Pereira da Silva e equivalentes, é que: falhando o último recurso – do apelo a Vergueiro, abandonado por todos, inclusive, e muito explicitamente pelo seu batalhão; atormentado, irritado, fatigado, Pedro I se decidiu a realizar a velha resolução de último caso, e escreveu a curta e vazia abdicação, que, em pranto, entregou ao Major Frias. Abreu Lima, caramuru insuspeitíssimo, por isso mesmo tanto se irrita contra o exército revoltado, e vocifera, em referência geral: “... Esse mesmo, que o imperador havia mantido com tamanho prejuízo da sua popularidade, e sobre o qual havia depositado mais confiança do que no povo, estava destinado a traí-lo”. O mesmo conceito, com menos dureza, encontra-se em Armitage: “Uma sedição militar... abandonado por todos...”” 

Quanto à manifestação de Luiz de Lima, a mentira foi prontamente repelida, por todos os Limas, inclusive o Luiz: orgulharam-se em afirmar-se realizadores do 7 de Abril. Nem se compreende que fosse de outro modo: naquele momento, os muitos Limas estavam, todos, em posições eminentes sobre a guarnição do Rio de Janeiro; a revolução teve a aquiescência ativa de guarnição militar, que a garantiu, para que não pudesse haver nem tentativa de resistência. E tudo isto se fez sob a influência ostensiva da família Lima e Silva. O próprio Luiz de Lima negou o fato que lhe imputavam, pois que a verdade era toda outra. Empenhados em salvar o trono, mesmo evitando o movimento, os moderados mandaram Francisco de Lima a São Cristóvão para obter que o imperador restabelecesse o ministério parlamentar. Repelindo a insinuação, Pedro I, ordenou a remessa de mais dois batalhões para garanti-lo. Foi quando Lima lhe disse a verdade quanto ao espírito da tropa, quase toda já em marcha para o Campo, e ele caiu no desânimo em que assinou o papel que entregou a Miguel de Frias. Lembremo-nos de que o chefe da família, general comandante das armas de Pedro I, Lima e Silva, foi, desde logo, membro da regência provisória, donde passou para a regência definitiva; ao passo que não se conservavam os companheiros, na regência permanente, ele foi, de fato, o permanente, quando Bráulio e Costa Carvalho desanimaram e abandonaram o posto. Isto é a prova absoluta de que ele fora o chefe militar da revolução. Macedo, ao biografar D. Pedro de Alcântara, julgou legítimo liberalizar-lhe elogios, com sacrifício da verdade; mas, mesmo na sua pena, a realidade transparece, e ele refere fatos e circunstâncias que patenteiam a decisão de abdicar, antes de 7 de abril. Baseado em informações da família Lima e Silva, o biografista garante que, depois de já estar à frente das tropas revoltadas, Francisco Lima e Silva, veio a São Cristóvão para concitar o imperador a que cedesse às exigências do povo e da tropa. Nessa ocasião, Pedro I disse estar decidido a abdicar; Lima e Silva fez protestos de sentimentos monárquicos, e o imperador lhe entregou a sorte dos filhos... O comandante das armas voltou, então, para o Campo de Sant’Ana. Na biografia de Manuel Antônio Galvão, vem referido um incidente em contraprova disto mesmo:


... homem de consciência sã, incapaz de faltar à verdade, Galvão dizia que indo tomar posse da presidência de Minas, encontrara o imperador, que voltava dessa província, desgostoso e meditabundo, e que este confidencialmente lhe dissera, que estava resolvido a abdicar a coroa imperial do Brasil.


Feijó, com o intenso interesse que dava às coisas políticas, e o grande amor à verdade, não hesita em afirmar:


No Brasil o monarca abdicou espontaneamente, porque os remorsos o ralavam: a opinião pública o abandonou: não viu mais meios de conservar-se; descoroçoou, e teve razão. A reunião de 6 de abril no campo de honra apressou talvez somente de alguns dias a abdicação: ela já havia muito estava projetada, segundo afirmam testemunhas auriculares.100

O primeiro imperador foi expelido do Brasil; saiu repudiado pela nação, que, ingênua, foi facilmente iludida e traída. Depois, na reação natural, em vista de decepções e cansaço, pode haver um partido restaurador, sem força efetiva, apesar de revigorado no facciosismo dos Andradas. Depois ainda, esse mesmo cansaço, que já era esgotamento e recaída na infecção, com a forma de uma longa depressão, permitiu o segundo reinado. Nada disto, porém, altera a significação de 7 de Abril: foi uma legítima reivindicação nacional. Sem a vitória de então, se Pedro I tivesse levado a termo natural as suas pretensões, o Brasil teria deixado, inteiramente, de ser expressão do seu passado, e não restaria esperança de que ressuscitássemos as tradições de 1817 e 24. Da mesma sorte: se a revolução de 1831 não tivesse sido frustrada; se fosse levada aos seus desenvolvimentos necessários, é de crer que tivéssemos: alcançado os destinos prenunciados para a nacionalidade que, nos meados do século XVII, se achava vitoriosa sobre a Holanda, e senhora exuberante dos caminhos para o interior do continente.


100 Diogo Feijó, Eugenio Egas, II, 188.



_______________________



"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira



_______________________


O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).


_______________________

Download Acesse:

http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-i-manoel-bonfim/


_______________________




O Brasil nação - v1: § 20 – O novo malogro - Manoel Bomfim


Nenhum comentário:

Postar um comentário