quinta-feira, 23 de junho de 2022

Moby Dick: 5 - Café-da-manhã

Moby Dick



Herman Melville




5 - Café-da-manhã


Segui depressa seu exemplo e, ao entrar no bar, aproximei-me com alegria do estalajadeiro sorridente. Não lhe guardava rancor, apesar de ele ter se divertido e não pouco à minha custa no caso de meu companheiro de cama.
No entanto, uma boa risada é algo poderoso, algo bom e raro; o que mais existe é de se lastimar. Por isso, quando um homem dá motivos para que os outros se riam, é melhor que não hesite, que permita agirem consigo desse modo e aja, por sua vez, com alegria. Se esse mesmo homem tiver algo de muito engraçado nele, é certo que vale mais do que se pensa.
O bar estava cheio de hóspedes que tinham chegado na noite anterior, e que eu ainda não havia observado atentamente. Eram quase todos baleeiros; imediatos, segundos-oficiais, terceiros-oficiais, carpinteiros navais, toneleiros navais, ferreiros navais, arpoadores e guardas; um grupo musculoso e bronzeado com barbas bastas; um bando hirsuto e desgrenhado, todos usando jaquetas de marinheiro no lugar de roupões matinais.
Você perceberia com facilidade há quanto tempo cada um deles desembarcara. O rosto saudável desse jovem trazia a cor de uma pera tostada ao sol e poderia estar cheirando quase que a almíscar; não devia fazer sequer três dias do desembarque de sua viagem para a Índia. O homem ao lado dele era uns poucos tons mais claro; você diria que havia nele um toque de pau-cetim. Na pele de um terceiro havia vestígios de um colorido tropical, mas um pouco desbotado; sem dúvida havia trabalhado semanas inteiras em terra. Mas quem podia mostrar um rosto como o de Queequeg – que, com suas barras de várias tonalidades, parecia a vertente ocidental dos Andes, exibindo em um mesmo plano climas dos mais antagônicos, zona por zona?
“Ô, comida!”, gritou o estalajadeiro, escancarando uma porta e convidando-nos a tomar café.
Dizem que os homens que viram o mundo, graças a tanto ficam muito à vontade, muito controlados quando em companhia. Mas não é sempre assim: Ledyard, o famoso viajante da Nova Inglaterra, e Mungo Park, o Escocês; de todos os homens, na sala de visitas esses possuíam a mais baixa autoconfiança. Mas talvez o fato de atravessar a Sibéria num trenó puxado por cachorros, como fez Ledyard, ou fazer uma longa caminhada solitária, com o estômago vazio, no coração negro da África, que foi o maior dos feitos do pobre Mungo – esse tipo de viagem, digo, pode não ser a melhor maneira de adquirir um grande traquejo social. Mas, na maioria dos casos, é algo que se obtém em qualquer lugar.
Estas reflexões surgiram porque, depois de estarmos todos sentados à mesa, e de eu ter me preparado para escutar algumas histórias interessantes sobre a pesca de baleias; para a minha não pequena surpresa, quase todos permaneceram em profundo silêncio. E não apenas isso, pois também pareciam acanhados. Sim, aqui havia um bando de lobos-do-mar; muitos deles, sem o menor acanhamento, abordavam grandes baleias em alto-mar – inteiramente estranhas a eles – e duelavam de morte com elas sem pestanejar; mas aqui sentados a esta mesa coletiva de café-da-manhã – todos com a mesma vocação, todos com gostos semelhantes – trocavam olhares tão envergonhados como se nunca tivessem saído de perto das ovelhas nas Green Mountains. Que espetáculo curioso; esses ursos tímidos, esses retraídos guerreiros baleeiros!
Mas quanto a Queequeg – que, por acaso, também estava sentado entre eles, à cabeceira –, este estava frio como uma estalactite. Claro que não posso falar muito a favor das suas maneiras. Seu maior admirador não teria conseguido justificar o fato de ele ter trazido e usado seu arpão no café-da-manhã sem cerimônia; cruzando a mesa, sem atentar para o iminente perigo às cabeças, e com ele espetando os bifes. Mas isso ele o fazia com muita calma, e todos sabem que, no gosto geral, os gestos feitos com calma são considerados sinais de elegância.
Não falemos aqui de todas as peculiaridades de Queequeg; de como recusou o café e os pãezinhos para se interessar exclusivamente pelos bifes malpassados. Basta acrescentar que, terminado o café, ele se retirou com os outros para o salão, acendeu o cachimbo-machadinha, ficando sentado lá tranquilamente, fazendo a digestão e fumando, sem tirar seu chapéu inseparável, enquanto eu saí para dar uma volta.



Continua na página 44...

Moby Dick: 3.2 - A Estalagem do Jato 
Moby Dick: 4 - A colcha
Moby Dick: 5 - Café-da-manhã
Moby Dick: 6 - A rua

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Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melville, sobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,


O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.

O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.

A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura. 


E você com o quê se identifica?


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