Ópera do malandro
Ópera do malandro
PRIMEIRO ATO
CENA 2
A orquestra continua tocando o tango para que cada um dance uma vez com Teresinha
MAX
General!
GENERAL
Às ordens, capitão!
MAX
Teresinha, este é o General Electric. Trata-se de um dos meus braços mais direitos! (General dança com Teresinha) No dia em que ele se aposentar, a cidade amanhecerá sem música e anoitecerá sem luz. Ele trabalha com radiofones, gramofones, abajures, geladeiras, enfim, tudo aquilo que dá choque. . . Phillip!
PHILLIP
Sim, capitão.
MAX
JOHNNY
MAX
BEN
Em ponto, capitão.
MAX
Teresinha, Big Ben é o meu homem-relógio. (Ben dança com Teresinha) Aliás, não seria exagero dizer que ele é o despertador desta cidade, tamanho o seu volume de negócios. No dia em que ele parar, os banqueiros esquecerão de abrir seus bancos, os ministros faltarão à reunião em palácio e o chefe da nação vai dormir até o meio-dia. No dia em que ele parar, Teresinha, é capaz de nem amanhecer. A hora certa, Ben.
BEN
Plim. Exatamente doze horas e onze minutos.
MAX
Droga, por que será que o padrinho tá demorando tanto? E o juiz? E a Geni, onde é que anda a Geni?
BARRABÁS
Tá dando.
MAX
Ah, Teresinha, eu ia me esquecendo de apresentar o Barrabás.
BARRABÁS
Carece não, Max. Eu já conheço a menina.
MAX
Conhece a menina? Que intimidade é essa? Por acaso já dormiu com ela? Cospe esse chiclete nojento e beija a mão da madame, anda! (Barrabás obedece e dança com Teresinha) Barrabás é o meu homem-rã, Teresinha. É metido a folgado mas trabalha duro. Conhece os mistérios e os tesouros da baía de Guanabara. No dia em que Barrabás for liquidado, todos nós amanheceremos mais pobres. E os peixes, milionários.
GENI
(Entra correndo aos berros) O Tigrão! O Tigrão tá chegando aí! (Todos saem correndo, exceto Max; Max ainda consegue conter Teresinha e Geni, que também iam fugindo cada um para um lado)
MAX
Calma, calma, vocês ainda não foram apresentadas.
GENI
Me solta, Max, por favor!
MAX
Geni, esta aqui é a Teresinha, futura senhora Overseas.
GENI
Max, por favor, eu vim só te avisar que o Tigrão vem aí! Te denunciaram pro Tigrão! Eu não tenho nada com isso, Max, eu não quero ser preso, eu não quero apanhar!
MAX
Mas que falta de modos, Geni. Te apresento a minha noiva e você corre pro outro lado. . .
GENI
Genival, seu criado. Agora deixa eu ir!
MAX
Teresinha, esta aqui é a Geni. No dia em que a Gení for encontrada num quarto de pensão, nua, em decúbito ventral, um punhal nas costas, o crânio esfacelado, nesse dia a nossa sociedade vai despertar menos reluzente e menos perfumada.
GENI
Ahhhhhhhh! Olha o Tigrão aí! (Desvencilha-se de Max e vai se esconder entre os caixotes) Chaves entra seguido do juiz que traz um livro de registro
MAX
Olá, Tigreza!
CHAVES
Olá, Tião!
MAX
Dá aqui um abraço! (Abraçam-se forte e demoradamente)
TERESINHA
Quem é Tião? Você?
JUIZ
Não, senhorita, eu sou o juiz e estou apenas cumprindo ordens.
MAX
Eu pensei que você não viesse mais!
CHAVES
Pois é, eu fui parar na Marambaia, seu puto. Como é que tu muda pro Recreio dos Bandeirantes e nem me comunica? Mas, rapaz, tu não varia nada, hein? Sempre a mesma estampa!
MAX
Deixa eu te apresentar a Teresinha. Este é o inspetor Chaves, meu amor, o nosso padrinho.
TERESINHA
Max fala muito no senhor. . .
CHAVES
Senhor? Tá querendo me ofender? Pra teu governo, eu sou mais moço que o sacana do teu futuro esposo.
MAX
Exatamente um mês mais moço.
CHAVES
Viu só? Então, se a boneca quiser mudar de projeto, ainda dá tempo. O papai aqui é viúvo e é doido por uma falsa magra.
MAX
Olha aí, continua o mesmo. Ele sempre deu em cima das minhas garotas, Teresinha. Mas essa não, Tigreza, essa eu vi primeiro.
CHAVES
É, mas tu tem uma velha divida aqui com o degas. Lembra da Clotilde, minha primeira namorada?
MAX
Tem dívida nenhuma. A Clotilde, você trocou comigo por três bolas de gude. E ainda acho que fiz mau negócio. A orquestra ataca um chorinho que sublinha o diálogo
CHAVES
E a Lili?
MAX
E a Maria da Glória?
CHAVES
E a Guiomar Sardenta?
MAX
E a dona Odete?
CHAVES
A professora? Ah, aquilo foi um tremenda traição!
MAX
Que traição?
CHAVES
Quem viu as coxas de dona Odete fui eu. Tu não tinha direito à punheta. A punheta era minha. Max e Chaves cantam "Doze Anos"
Ai que saudades que eu tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca
Ai que saudades que eu tenho
Duma travessura
O futebol de rua
Sair pulando muro
Olhando fechadura
E vendo mulher nua
Comendo fruta no pé
Chupando picolé
Pé-de-moleque, paçoca
E disputando troféu
Guerra de pipa no céu
Concurso de piroca
continua pág 45...
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NOTA
O texto da "Ópera do Malandro" ê baseado na "Ópera dos Mendigos" (1728), de John Gay, e na "Ópera dos Três Vinténs" (1928), de Bertolt Brecht e Kurt Weill. O trabalho partiu de uma análise dessas duas peças conduzida por Luís Antônio Martinez Corrêa e que contou com a colaboração de Maurício Sette, Marieta Severo, Rita Murtinho, Carlos Gregório e, posteriormente, Maurício Arraes. A equipe também cooperou na realização do texto final através de leituras, críticas e sugestões. Nessa etapa do trabalho, muito nos valeram os filmes "Ópera dos Três Vinténs", de Pabst, e "Getúlio Vargas", de Ana Carolina, os estudos de Bernard Dort ("O Teatro e Sua Realidade"), as memórias de Madame Satã, bem como a amizade e o testemunho de Grande Otelo. Contamos ainda com a orientação do prof. Manoel Maurício de Albuquerque para uma melhor percepção dos diferentes momentos históricos em que se passam as três "óperas". E o prof. Luiz Werneck Vianna contribuiu com observações muito esclarecedoras. Esta peça é dedicada à lembrança de Paulo Pontes.
Chico Buarque Rio, junho de 1978
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Leia também:
Chico Buarque - Ópera do Malandro (prefácio e nota)
Chico Buarque - Ópera do Malandro (introdução)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 1 (1a)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 1 (1b)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 2 (2a)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 2 (2b)
Chico Buarque - Ópera do Malandro / Primeiro Ato - Cena 2 (2c)
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Chico Buarque - foi musicando o poema "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto, encenado pelo grupo universitário TUCA, que Chico Buarque se revelou como compositor, dois anos antes do sucesso de "A Banda", "Roda Viva", sua primeira peça, teve uma carreira tumultuada: estreou no Rio, em 1967, com um sucesso que desgostou a muita gente; em São Paulo, os atores foram espancados durante o espetáculo e, em Porto Alegre, sequestraram a atriz Elizabeth Gasper. A peça acabou proibida pela censura.
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