sábado, 4 de junho de 2022

O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (4)

 Simone de Beauvoir


02. A Experiência Vivida




O SEGUNDO SEXO
SlMONE DE BEAUVOIR




PRIMEIRA PARTE

FORMAÇÃO
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CAPÍTULO III
A   INICIAÇÃO SEXUAL




continuando...


Há, enfim, outro fator que dá muitas vezes ao homem uma fisionomia hostil e transforma o ato sexual em grave perigo: a ameaça do filho. Um filho. Um filho ilegítimo é, na maioria das civilizações, um tal handicap social e econômico para a mulher não casada, que há jovens que se suicidam em se sabendo grávidas, e mães solteiras que esganam o recém-nascido; semelhante risco constitui um freio sexual bastante forte para que muitas jovens observem a castidade pré-nupcial exigida pelos costumes. Quando o freio é insuficiente, a jovem, embora cedendo ao amante, apavora- se com o terrível perigo que este esconde em seus flancos. Stekel cita, entre outros casos, o de uma jovem que durante toda a duração do coito gritava: "Contanto que não aconteça nada!" Mesmo no casamento, a mulher amiúde não quer filhos, não tem bastante saúde ou o filho representaria para o jovem casal um encargo pesado demais. Amante ou marido, não tendo em seu parceiro uma confiança absoluta, ela terá seu erotismo paralisado pela prudência. Ou controlará inquietamente a conduta do homem, ou então, terminado o coito, terá de correr ao banheiro para escorraçar do ventre o germe vivo nele depositado contra sua vontade; essa operação higiênica contradiz brutalmente a magia sensual das carícias, realiza uma separação absoluta dos corpos que uma mesma alegria confundia; é então que o esperma masculino se apresenta como um germe nocivo, uma mácula; ela limpa-se como se limpa um vaso sujo, enquanto o homem repousa em seu leito em soberba integridade. Uma jovem divorciada contou-me seu horror quando, após uma noite nupcial de prazer discutível, lhe foi necessário fechar-se no banheiro enquanto o esposo acendia displicentemente um cigarro: é de crer que a partir desse instante a ruína do lar se achava consumada. A repugnância pela seringa de lavagem, o bidê, é uma das causas frequentes da frieza feminina. A existência de métodos anticoncepcionais mais seguros e discretos auxilia muito a libertação sexual da mulher; num país como os EUA, onde essas práticas são comuns, o número de moças que chegam virgens ao casamento é muito inferior ao que se verifica em França; elas permitem maior abandono durante o ato amoroso. Mas nesse caso também a jovem tem que superar repugnâncias antes de tratar o corpo como uma coisa; assim como não aceitava sem temor o fato de ser "transpassada" por um homem, não se resigna de bom grado a ser "tapada" para satisfazer os desejos de um homem. Mesmo mandando selar o útero, ou introduzindo na vagina algum tampão mortal para os espermatozoides, uma mulher consciente dos equívocos do corpo e do sexo sentir-se-á embaraçada por tão fria premeditação: há muitos homens que encaram com repugnância o uso de preservativos. É o conjunto do comportamento sexual que lhe justifica os diversos momentos: condutas que pareceriam repugnantes à análise, se afiguram naturais quando os corpos são transfigurados pelas virtudes eróticas de que se revestem; mas, inversamente, desde que se decomponham corpo e condutas em elementos privados de sentido, tais elementos tornam-se sujos, obscenos. A penetração que uma mulher apaixonada experimentará alegremente como união, como fusão com o homem amado, readquirirá o caráter cirúrgico e sujo que assume aos olhos da criança se realizada fora da perturbação sensual, do desejo, do prazer: é o que acontece com o uso concertado dos preservativos. De qualquer modo, tais precauções não estão ao alcance de todas as mulheres; muitas jovens não conhecem nenhuma defesa contra as ameaças da gravidez e sentem de maneira angustiada que sua sorte dependa da boa vontade do homem a quem se entregam.

Compreende-se que uma experiência vivida através de tantas resistências, revestida de um sentido tão pesado, crie amiúde terríveis traumatismos. Acontece muitas vezes que uma demência precoce latente seja revelada pela primeira aventura. Stekel dá vários exemplos disso:



A senhorita M. G., de 19 anos, foi subitamente atacada de delírio agudo. Vi-a no quarto gritando e repetindo sempre: "Não quero! Não, não quero!" Arrancava as vestes e queria correr nua no corredor. . . Foi preciso levá-la para urna clinica psiquiátrica. Aí o delírio serenou e transformou-se em estado catatônico. Essa jovem era estenodatilógrafa e estava apaixonada pelo gerente da firma em que trabalhava. Partira para o campo com uma amiga e dois colegas. Um deles pediu-lhe para passar a noite no quarto dela dizendo-lhe que seria apenas "uma brincadeira". Tê-la-ia acariciado durante três noites seguidas sem atentar contra a virgindade. . . Ela teria ficado "fria como o focinho de um cão" e teria declarado que era uma porcaria. Durante alguns minutos, ter-se-ia perturbado e gritado: Alfredo, Alfredo! (nome do gerente). Tivera remorsos (que diria minha mãe, se soubesse). De volta à casa, pusera-se na cama queixando-se de enxaqueca.

A senhorita L. X., muito deprimida, chorava amiúde, não comia, não dormia; começara a ter alucinações e não reconhecera mais as pessoas que a cercavam. Saltara ao peitoril da janela para atirar-se na rua. Mandaram-na para uma casa de saúde. "Encontrei essa moça de 23 anos sentada na cama; não se deu conta de minha chegada. . . O rosto exprimia angústia e terror; as mãos projetavam-se para a frente como para se defender, as pernas estavam cruzadas e remexiam-se convulsamente. Gritou: "Não, não! Bruto! -Deviam prender gente assim. Dói! Ah!" A seguir, disse palavras incompreensíveis. De repente, seu rosto mudou de expressão, os olhos brilhavam, a boca esboçou um beijo, as pernas acalmaram-se e descruzaram-se insensivelmente, pronunciou palavras que pareciam exprimir volúpia. . . O ataque terminou com uma crise de lágrimas silenciosas e contínuas. . . A doente puxava a camisa como para se cobrir e repetia sempre: "Não!" Soube-se que um colega casado a fora visitar muitas vezes quando doente, que a princípio ela se mostrara contente, mas depois tivera alucinações com tentativa de suicídio. Curou-se, mas nunca mais deixou um homem aproximar-se dela e recusou um pedido sério de casamento.


Em outros casos, a doença assim iniciada é menos grave. Eis um exemplo em que a saudade da virgindade perdida desempenha o papel principal nas perturbações consecutivas ao primeiro coito:


Uma jovem de 23 anos sofre de diferentes fobias. A doença começou em Franzensbad por temor de ficar grávida em virtude de um beijo ou de contágio numa latrina. . . Um homem talvez tivesse deixado um pouco de esperma na água após a masturbação; exigia que a banheira fosse limpa três vezes em sua presença e não ousava defecar em posição normal. Tempos depois desenvolveu-se uma fobia de perfuração do hímen e ela não ousava dançar, saltar ou pular uma barreira nem andar senão a passos miúdos; se divisava um poste temia ser deflorada num movimento desastrado e dava uma grande volta tremendo. Tinha outra fobia, a de que em um trem ou no meio da multidão um homem pudesse introduzir-lhe o membro por trás, deflorá-la e engravida- la... Durante o último período da doença, temia encontrar na cama ou na camisa alfinetes que poderiam entrar na vagina. Todas as noites a doente ficava nua no meio do quarto enquanto sua infeliz mãe era forçada a entregar-se a um pequeno exame da roupa. . . Ela sempre afirmava que amava o noivo. A análise descobriu que ela não era mais virgem e que adiava o casamento com receio de constatações funestas do noivo. Confessou-lhe afinal ter sido seduzida por um tenor, casou e curou-se (Cf. A Mulher Fria).


Em outro caso foi o remorso não compensado por uma satisfação voluptuosa que provocou as perturbações psíquicas:


A senhorita H. B., de 20 anos, apresenta-se com grave depressão após uma viagem à Itália com uma amiga. Recusa-se a sair do quarto e não pronuncia uma só palavra. Levam-na para uma casa de saúde onde seu estado se agrava. Ouvia vozes que a injuriavam, todos zombavam dela etc. Conduzem-na de volta à casa dos pais onde fica num canto sem se mexer. De uma feita pergunta ao médico: "Por que não vim antes que o crime fosse cometido?" Estava morta. Tudo se apagara, tudo fora destruído. Ela estava suja. Não poderia mais cantar uma só nota, interrompidas todas as comunicações com o mundo. . . O noivo confessou tê-la encontrado em Roma, onde ela se entregara a ele após demorada resistência, com crises de lágrimas. . . Ela confessou que nunca tivera prazer com o noivo. Curou-se quando achou um amante que a satisfez e com o qual casou.


A graciosa vienense cujas confissões infantis já resumi, faz também um relato minucioso de suas primeiras experiências de adulta. Ver-se-á que, apesar de ter ido muito longe em aventuras anteriores, sua "iniciação" não deixou de apresentar um aspecto absolutamente novo.


"Com 16 1/2 anos fui trabalhar num escritório. Aos 17 1/2 tive minhas primeiras férias; foi uma bela época para mim. Faziam-me a corte de todos os lados... Gostava de um jovem colega do escritório . . . Fomos a um parque. Foi a 15 'de abril de 1909. Ele me fez sentar a seu lado num banco. Beijava-me suplicando: "Abre os lábios", mas eu os fechava convulsamente. Em seguida ele começou a desabotoar minha blusa. Gostaria de permitir-lhe mas lembrei-me de que não tinha seios; renunciei à sensação voluptuosa que poderia ter se ele me tocasse. . . No dia 17 de abril, um colega convidou-me para ir a uma exposição com ele. Bebemos vinho no jantar e perdi um pouco de minha reserva e comecei a contar algumas histórias equívocas. Apesar de minhas súplicas ele chamou um carro, empurrou-me para dentro e, mal os cavalos principiaram a andar, me beijou. Ia-se tornando cada vez mais íntimo, avançava cada vez mais a mão; eu me defendia com todas as minhas forças e não recordo se ele alcançou o fim. No dia seguinte fui para o escritório bastante perturbada. Ele mostrou-me as mãos cobertas de arranhões que eu lhe fizera. .. Pediu- me que fosse visitá-lo mais amiúde... Cedi não muito à vontade mas cheia de curiosidade. . . Sempre que ele se aproximava de meu sexo eu me afastava para voltar a meu lugar, mas uma vez, mais esperto do que eu, dominou-me e provavelmente introduziu o dedo em minha vagina. Chorava de dor. Era no mês de junho de 1909 e saí de férias. Fiz uma excursão com minha amiga. Dois turistas surgiram e convidaram-nos a acompanhá-los. Meu companheiro quis beijar minha amiga, ela deu-lhe um soco. Ele veio para meu lado, pegou- -me por trás, dobrou-me e beijou-me. Não resisti. . . Convidou-me para ir com ele. Dei-lhe a mão e descemos para a floresta. Beijou-me, beijou meu sexo com grande indignação minha. Dizia-lhe: "Como pode fazer semelhante porcaria?" Ele colocou o membro em minha mão . .. eu o acariciava. Subitamente, ele arrancou 'minha mão e pôs um lenço em cima para me impedir de ver o que acontecia. . . Dois dias depois, fomos juntos a Liesing. Num prado isolado, ele retirou de repente o sobretudo para estendê-lo na relva. . . Jogou-me ao chão de tal maneira que uma de suas pernas se colocava entre as minhas. Eu não acreditava ainda na seriedade da situação. Supliquei-lhe que me matasse mas não roubasse minha "mais linda joia". Ele tornou-se muito grosseiro, disse palavrões e ameaçou-me com a polícia. Tapou- -me a boca com a mão e introduziu o pênis. Pensei que minha última hora tivesse chegado. Tinha a sensação de que meu estômago revirava. Quando acabou, enfim, comecei a achá-lo suportável. Ele foi obrigado a levantar-me, porque eu continuava deitada. Cobriu-me os olhos e o rosto de beijos. Eu não via nem ouvia mais nada. Se ele não me tivesse retido eu ter-me-ia enfiado embaixo de algum automóvel. . . Estávamos sós num compartimento de segunda classe, ele desabotoou a calça para me pegar novamente. Dei um grito e corri através do vagão até o estribo. Finalmente, ele me deixou com um riso brutal e estridente que nunca esquecerei, chamando-me de pata estúpida que não sabe o que é bom. Deixou-me voltar sozinha para Viena. Chegando a Viena fui depressa ao W. C. porque sentira uma coisa quente a escorrer- me pelas coxas. Assustada vi manchas de sangue. Como o dissimular em casa? Deitei-me o mais cedo possível para chorar durante horas. Continuava a sentir a pressão no estômago provocada pela penetração do pênis. Minha atitude estranha e minha falta de apetite indicaram a minha mãe que tinha havido alguma coisa. Confessei-lhe tudo. Ela não achou tão terrível assim. . . Meu colega fazia o que podia para me consolar. Aproveitou-se das tardes escuras para passear comigo no parque e acariciar-me por baixo da saia. Eu deixava; só que logo que sentia minha vagina úmida, afastava-me porque tinha vergonha."

Ela vai por vezes a um hotel com o companheiro, mas sem dormir com ele. Fica conhecendo um rapaz muito rico com quem gostaria de casar. Dorme com ele mas sem nada sentir e com certo nojo. Reata relações com o colega, mas tem saudade do outro, começa a ficar vesga, a emagrecer. Mandam-na para um sanatório onde quase chega a dormir com um jovem russo, expulsando-o da cama no último momento. Esboça aventuras com um médico e um oficial mas sem consentir em relações sexuais completas. É então que cai doente moralmente e resolve tratar-se. Depois da cura consentiu em se entregar a um homem que a amava e que mais tarde a desposou. Com o casamento, sua frigidez desapareceu.


Nestes exemplos, escolhidos entre muitos outros análogos, a brutalidade do parceiro, ou a ocorrência repentina do ato são os fatores que determinam traumatismo e nojo. O caso mais favorável a uma iniciação sexual é aquele em que, sem violência nem surpresa, sem ordem precisa nem prazo fixado, a jovem aprende lentamente a superar o pudor, a familiarizar-se com o parceiro, a gostar de suas carícias. Neste sentido, só podemos aprovar a liberdade de costumes de que gozam as jovens norte-americanas e que as francesas tendem hoje a conquistar. Elas deslizam quase sem o perceber do necking e do petting às relações sexuais completas. A iniciação é tanto mais fácil quanto menos se reveste de um caráter de tabu, sentindo-se a jovem mais livre em relação ao parceiro, em quem o caráter dominador do macho se apaga. Se o amante é jovem também, noviço, tímido, um igual, as resistências da moça são menos fortes; mas sua metamorfose em mulher será também menos profunda. Assim, em Blé en herbe, a Vinca, de Colette, no dia seguinte a um defloramento assaz brutal, demonstra uma placidez que surpreende seu colega Phil: ela não se sentiu "possuída", pôs ao contrário seu orgulho em se libertar da virgindade. Não experimentou um desvario transtornante e em verdade Phil não tem razão de se espantar, sua amiga não conheceu o macho. Claudine era menos indene após uma dança nos braços de Renaud. Disseram-me de uma ginasiana francesa, ainda no estágio do "fruto verde", que, tendo passado uma noite com um colega, acorrera pela manhã à casa de uma amiga para anunciar: "Dormi com C.; foi muito divertido". Um professor de colégio norte-americano dizia-me que suas alunas deixavam de ser virgens muito antes de se tornarem mulheres; seus parceiros respeitam-nas demais para ferir-lhes o pudor; são eles próprios demasiado jovens ou demasiado pudibundos para despertar nelas um demônio qualquer. Há jovens que se entregam a experiências eróticas e as multiplicam a fim de fugir à angústia sexual; esperam libertar-se assim de sua curiosidade e de suas obsessões; mas muitas vezes seus atos conservam um caráter teórico que os torna tão irreais quanto os fantasmas através dos quais outras antecipam o futuro. Entregar-se por desafio, por temor, por racionalismo puritano, não é realizar uma autêntica experiência erótica: atinge-se somente um sucedâneo sem perigo nem sabor; o ato sexual não se acompanha de vergonha nem de angústia porque a perturbação permaneceu superficial e o prazer não invadiu a carne. Essas virgens defloradas continuam moças e é provável que no dia em que se encontrarem em face de um homem sensual e imperioso lhe oporão resistências virginais. Enquanto isso não ocorre, elas permanecem ainda numa espécie de idade ingrata; as carícias fazem-lhes cócegas, os beijos por vezes provocam-lhes risos, encaram o amor físico como um jogo e, se não se sentem dispostas a divertir-se com isso, as exigências do amante logo lhes parecem importunas e grosseiras; elas conservam repugnâncias, fobias e um pudor de adolescente. Se nunca superam esse estádio — o que é, segundo dizem os ianques, o caso de muitas mulheres norte-americanas — passarão a vida num estado de semi-frigidez. Só há verdadeira maturidade sexual na mulher que consente em se fazer carne na comoção e no prazer.



continua página 131...

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Leia também:


O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo II - A Moça (1)
O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (9)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (8)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (7)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (6)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (5)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (4)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (3)O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo I - Infância (2)
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O Segundo Sexo - 02. A Experiência Vivida: Capítulo III - A Iniciação Sexual (4)



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As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.


"O que é uma mulher?"


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