quarta-feira, 22 de junho de 2022

O Brasil Nação - V2: § 90 – Por Fim (2) - Manoel Bomfim

Manoel Bomfim



O Brasil Nação volume 2



SEGUNDA PARTE 
TRADIÇÕES



À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução


POR FIM...


(2)

Que não se afrontem os ânimos livres e justos, com esses reclamos em nome da pátria. Velhos e desumanos preconceitos têm pervertido a ideia, aliando-a a tiranias e injustiças. Tal acontece para as nações guerreiras e conquistadoras, onde a tradição nacional inclui a glória de um passado guerreiro, invocando-se a pátria em pretexto de novas guerras e mais injustiças. Então, a classe dirigente se torna bem representativa dessa pátria agressiva e inumana. Não é esse o caso da nação brasileira, cuja legítima tradição se definiu em oposição aos dirigentes, representativos, bem explicitamente, de interesses e motivos adversos à nacionalidade que surgia. E como a política dirigente é a mesma, o sentimento de nacionalidade, aqui, define-se como afirmação e defesa da pátria brasileira. Sim: a verdadeira tradição nacional, e toda a nossa razão de ser no seio da humanidade, é a história desses milhões de ingênuos, explorados pela política bragantina, persistentes, apesar de tudo, esses infelizes, cujas dores construíram o Brasil. Explorados, subjugados, escravizados, aviltados, espoliados de tudo, eles deram feição e tom ao povo brasileiro, dominado, pária na sua pátria, reduzido à condição de não existir em consciência de nacionalidade, ou de resgatar a pátria, de que carece para o pleno sentimento de humanidade, pois que a nação existe, apenas, como serventia de uma política de feitores, em que se continuam as fórmulas da metrópole. E, já agora, há que purificar a pátria brasileira desses três séculos de incorrigível bragantismo.

Não há humanidade abstrata. Como socialização imediata, existimos numa tradição nacional; e é nas suas perspectivas que compreendemos a solidariedade humana, de que participarão os nossos destinos. Incluídos nesse concreto de relações sociais, aproximados na afinidade das consciências, reconhecemo-nos na ideia nacional, e sentimos patrioticamente, pois que somos humanos. Não há que sair daí. Nem os mais desabusados comunistas, a baterem-se contra os preconceitos em que se degradou a ideia de pátria, negam a realidade e legitimidade dos sentimentos que nos ligam à tradição da pátria donde viemos.

A ouvi-los hoje, os comunistas franceses dizem-se os legítimos continuadores dos convencionais de 1893, que internacionalizavam os seus esforços pela liberdade, e, nesse mesmo empenho, lembram que aqueles revolucionários diziam-se patriotas, por isso que lutavam por libertar a sua pátria. De fato, patriotismo é o sentimento próprio para movimentos daquela intensidade. Fórmula afetiva de defesa e solidariedade nacional, ele só é explícito na consciência com as crises, da mesma defesa, e os transes de reivindicação da pátria, condição de vida para o grupo. Fora daí, o patriotismo é, apenas, a surdina de instintos de conservação geral, uma sorte de sentido coenestésico, pronto a valer na consciência quando se rompe o equilíbrio – saúde, como quando ameaça falhar a adaptação social às condições do meio e da tradição. E isto nos dá a medida da insinceridade dos políticos quando se justificam no patriotismo, e por ele explicam a ação e o poder do Estado. Nos melhores casos, será o sentimento do dever, a dedicação à justiça, a honestidade e dignidade pessoal, corrigindo a ambição, a conduzir a sequência de esforços do estadista, que, sistemático, calmo e lúcido, não poderia inspirar-se, orientar-se e estimular-se no patriotismo, essencialmente explosivo e conjuntural. Então, há a distinguir, no caso: emoção patriótica, que é a explosão defensiva de conservação nacional, e adaptação pátria, que é o ajuste necessário do indivíduo social ao meio, à tradição e à organização nacional, condição indispensável para a plenitude de consciência. Tudo isto assenta no instinto de conservação social, e o patriotismo explícito, emotivo, é sempre a convulsão que assegura ao grupo essas condições indispensáveis a sua plena realização humana.

Na refração do nosso caso, temos de conquistar ainda a pátria, até agora conspurcada, aviltada em usufruto de políticos vivedores, exonerados de todos os escrúpulos, sem hesitações de pudor, alastrados sobre a nação, em maligna pertinácia, invencível aos processos normais de regeneração. Há que arrancar violentamente todo o tegumento em câncer, e os veios de contaminação: é a conclusão que se impõe, após a longa verificação de onde viemos. E, por que temer dos termos?... Para ter ação na realidade da vida, temos de encará-la de face, superior aos preconceitos que conturbam e desviam as soluções indispensáveis. Só deste modo teremos a franca e desenvolvida significação dos seus motivos, para justiça e eficácia da ação. O termo dos sucessos não os escolhemos, nem mesmo a forma necessária das soluções. Longos desenvolvimentos de que participamos, tomamos conhecimento deles, e já é muito se lhes discernirmos o sentido, para inferir o dever em que nos alistamos, sem direito de tentar desviar destinos e iludir soluções. Ora, não tem sido a política dos nossos mesquinhos dirigentes: dilatar os prazos do destino para onde gravitamos, iludir as crises que esse retardamento tem produzido. Não compreendem, sequer, que fatalmente chegará o momento em que Sansão não quererá mais trabalhar para os filisteus... Nem há lucidez sincera que admita possam as formas da nossa política tradicional manterem-se indefinidamente. Postam-se na soberania, que são os seus próprios interesses; dizem-se governantes, que devem persistir em nome da ordem, e, assim, privilegiam- -se em donos do Brasil.

Governar, conduzir é construir a própria estrada por onde se conduza a nação. Pensemos, agora, nos engenheiros da obra, o material com que trabalham, os lineamentos apontados na construção: tudo falho, ou impróprio, e já podre... Pois há de esta pátria realizar-se numa tal construção?... O valor dos seus dirigentes, profusamente demonstrado na essencial incapacidade, é a própria insuficiência em que nos apresentamos ao mundo. Sim: este Brasil tem sido deles, e aparece no que eles têm feito. Com quanto têm contribuído para a vida moderna? O povo, tranquilo, bom, educável, assimilador, não oferece dificuldades a quem saiba e queira conduzi-lo para o progresso; no entanto, somos como o rebotalho da América, tanto nos mantemos num passado que, em todo o seu peso de morte, só lembra opressão e miséria. Já não velem contra eles os processos da política normal e corriqueira, pois que nunca fomos um país de opinião, e os políticos profissionais, cada vez mais desbriados, não têm nenhumas reservas na espoliação opressiva como governam. Então, já não se trata de conservar um regime, e zelar pelo passado de instituições outrora fecundas, mas de intensificar a ceva em que se decompôs a já degradada política tradicional.



continua pág 319...

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"Manoel Bomfim morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."

Cecília Costa Junqueira
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Bomfim, Manoel, 1868-1932  
                O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).


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nunca é demais pensar...


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