sábado, 27 de maio de 2023

Memórias - 12 as memórias nos empurram

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

12 – as memórias nos empurram

antes de continuarmos essa contação precisamos do consentimento dos antigos espíritos, mas não desassossegue, depois de queimar esse incenso e pedir para que os espíritos nos prestem zelo, faço o pedido de concordância para prosseguir contando minhas memórias de la Montaña e que nos cuidem com amorosidade, desde que cheguei, nesta terra de sol e praias quentes, nunca fiz outra coisa que pensar em meus queridos e queridas, as raízes ficaram lá, en la Montaña de maíz, espalhadas pelo chão em pequenas covas, as travessuras de papá con sus mujeres, a voz agridoce de Blanca, as mãos do Juanito en mi boca, a doce Plantera

nada volta de verdade, mas nada se deslembra nem por gosto nem por desgosto, as memórias nos empurram pelo caminho, precisamos prosseguir deslumbradas com as lembranças enquanto a vida vai se tecendo à frente, gulosa por nossas carnes, geniosa e alucinada pelo tempo que inventamos para nos consumir, ela exige como obrigação nossa reinvenção a cada passo dado, nenhum é igual ao outro, não se repetem, não tornamos a fazer do mesmo jeito, somos o passado, o presente e o futuro de nós mesmas a cada passo, outras que restamos de nós mesmas, uma implacável construção que devora desejos e sonhos e vomita pesadelos

enfio as mãos em um pequeno saco de linho branco, pego alguns tocos e raízes, trouxe essas plantas com a recomendação de um dia abrir esta cerimônia, purificando meu corpo, minha memória, alcançando a visão das coisas e das pessoas, como antes, e que tudo corra bem, Espíritos me permitam lembrar...

enquanto o incenso queima e o rastro do perfume envolve os espíritos antigos, nuvens brancas de mistérios dançam à nossa volta, passando com suavidade por carnes e ossos

reencontro-me

abro os olhos e a mente para o meu passado, um labirinto de recordações doces, suaves e infames, a união do céu con la tierra através de alianças, traições, impaciências e erros

desde siempre, vivemos en la Montaña, campesinos e milho, gente e plantas, propriedades do colonizador assassino e misterioso

todo chacinador é invisível, não quer ser visto, é um espírito desalmado, frio e impiedoso que anda sobre todos os outros, um fantasma, uma caveira que nunca morre, fica mais forte a cada dia, chegou empobrecido e tomou las tierras, riqueza, hombres y mujeres, queria ter mais e mais, foram mortos muitos com sua selvageria e dominação, dizimou vomitando sua cultura, língua e o paraíso da sua religião, el paraíso después de la muerte

somos milhares de espigas de milho subindo la Montaña, por um lado, descemos do mesmo modo, pelas suas costas, até as águas salgadas, lá embaixo, na parte alisada, fica o povoado da Areia, con sus chozas organizadas na volta de la plaza y Dios, o encantamento brota com os rumores das águas descidas no córrego de las Piedras Altas, atravessa la plaza com seus bancos de troncos caídos e largados

um mundo desconfortável e manco

é fácil reconhecer aquela pobreza mesmo quando não saímos para olhar e cheirar outros mundos, gente simples e espontânea brotado do chão em que pisam, sem complicações levianas, prontas para lutarem guiadas pela voz de la tierra arreganhada, adubada com suas entranhas até nascer o alimento

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