sábado, 25 de março de 2023

Memórias - 04 a sina de papá

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

04 – a sina de papá


papá conheceu mi madre em uma das suas idas à beira do rio-grande com suas águas nervosas e barulhentas, Gente diferente essa do litoral, siempre dispostas para a lida da pesca, de qualquer maneira ele precisava de una mujer para acalmar sus carnes y una madre para Blanca, Creo que va a ser mejor que embriagado por la bebida, por sorte, papá era mais mujerero que borracho

no meio dessa reunião de vontades e necessidades, eu nasci

não lembro de mamá 
 –  cómo hablava Blanca de su madre  – , mas me vagueiam lembranças de canções que acredito ouvir de su voz

mamá murió do nascimento de un hijo que não nasceu

sina de papá em não ter un varón, apenas hijas 

en ningún tiempo fez comentário de gosto ou desgosto

nossas vidas e mortes era apenas mais uma mancha vermelha de sangue nessa história de brancos na latinoamérica: médicos brancos e hospitais para brancos, mamá morreu sozinha com ayuda nenhuma para ela y su hijo, mi hermano uterino

mais adubo

nada se pierde en la Montaña

na roça todos repetiam el destino de papá es não experimentar el nacimiento de un hijo, destino cruel esse de mestiços reduzidos pela Montaña à dita da servidão, sina de injustiças e resignação

foi então que o cuerpo de papá cedeu e desistiu, não tinha mais as forças para lutar contra aquele destino hambriento, a boca emudeceu aberta, decidiu que a ferida ficaria para siempre uma rachadura exposta enfeitiçando la Montaña

un cuerpo sin voz, umedecido pela dor, pelo anoitecer sem gozo para engravidar la tierra, un cuerpo con la enfermedad del anhelo, uma condenação sem culpa, a aceitação da resignação como utilidade de sobrevivência

la Montaña não queria lhe devolver à vida, Traes de vuelta a mis hijos y sus madres, iria seguir seu alento até seu desmanchar em passos lentos feitos de tierra y arcilla, uma estrada que precisava caminhar sozinho, deixou de escutar la Montaña y mirar su sombra, todas as noites ele deita por lugares onde nunca andou con sus hijos, sonha com a morte para desviver de este cuerpo sin enfermadad y lleno de dolor

por aqueles dias, sabia que a mesma sina nos aguardava, não havia o que fazer, Blanca se tornou para mim... mi madre, uma menininha de pernas fininhas e cabelos negros até a cintura

adorava me aninhar aos seus aconchegos, como você em meu colo sua danadinha, nada melhor para una niña que ouvir as histórias de la Luna en la Montaña en un regazo seguro

ela até tentou encontrar e se oferecer para um outro destino quando o cabo Carbonel apareceu na vila, perdido da tropa militar, pensei em gritar

¡Hijo de puta! El demonio, señora! El demonio!

o exército – a pedido do senhor Moravia, agora dono de la Montaña, del maíz y de nuestras vidas – subia regularmente até a vila, e caso fosse necessário, até a roça para acalmar os exaltados e inconformados com a resignação do destino de adubo, um exército de mestizos comandados por brancos para deter los mestizos

nunca vi necessidades, mas eles, vez ou outra, apareciam e usavam da persuasão que lhes ocorria ser necessária, à servidão natural restava esperar, rezar y seguir viviendo

não lembro nada contra esse deus branco, só acho que ele não deveria se omitir diante de tanta matança


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