No se puede hacer la revolucion sin las mujeres
Livro Um
baitasar
Memórias
01 – a lua cheia
Minha querida, o que rouba o sono dos teus olhos, movia a
cabeça para um lado e outro, atenta e acomodada, Tens medo da morte dormindo? Bobagem,
que bela morte terias, sem medos, sem dores, sem despedidas, sem submissão às
incapacidades de governar-se, dormir e não acordar mais a tua sombra, esfriar o
corpo até tirar o peso de tanto sofrimento
calma, minha querida
dorme e escuta meus sussurros, não é uma despedida, eu acho, não tem como saber, de qualquer modo, partindo ou ficando mais um pouco, o céu – ora amarelento e sufocante do
sol rachando, ora acinzentado das tempestades, ora brilhante e leitoso na via láctea, ora chorando suas águas – é testemunha das histórias que tenho para contar, as memórias de la Montaña
e suas roças de milho e punhais, vidas e muertes, hombres
sinceros e sublimes, mujeres duras vivendo entre escombros, inimigos
brutais e infames, mariposas e abelhas voando, formigas e cobras rastejando,
bebendo as lágrimas doces do arroyo manso dos olhos do povo, da roça e dos rios
não confiaria em mais ninguém, deposito-me na tua discrição e
desassombro com a agitação desta obsoleta e desusada velha. venha, isso mesmo,
te acomoda em meu colo. aborrecem-me palavras soltas, sem destino, preciso da
tua atenção de redoma, profunda e cega
desde siempre vivi en la Montaña, uma besta
assassina misteriosa, siempre viva, milhares de milhos nasciam,
encompridavam e amarelavam nas suas costas até a beirada do rio
éramos tres, naquela cabaña de barro e palha:
eu, papá y Blanca, minha irmã encantada, a lua que me iluminava em
noites de escuridão e espanto medroso, siempre tive problemas com os espíritos que rondavam e
rodeavam meu pequeno corpo procurando um abraço de reconciliação com a vida,
ela os afastava para os milharais com suas cantorias
filhas do mesmo padre, madres sortidas, as duas
já muertas, adubando as terras de plantar maíz, sina da
mestiçagem
la madre de Blanca, dizia papá, antes de emudecer, foi uma índia
voluntariosa, cheia de apetites, espumas e águas dos rios. durante o dia, com as
tranças escondidas, apertava el maíz até quebrar em farelo amarelento
enquanto cantarolava para Blanca com su voz de carícias
as tortillas não surgiam por encantamento
sentada em seu banco de piedra, o chão de tierra,
os pés descalços, o fogo acesso no centro de tudo esquentava a chapa, cozinhava
a massa depois de bem amarrotada e esticada
ela refrescava as mãos na vasilha de água antes de mergulhar
uma delas no jarro com a massa de milho, arrancava outro punhado para ser amassado
e achatado com pequenas batidinhas, afinava mais e mais, depois de afinada no
seu gosto e aparência, a massa era jogada na quentura da chapa, primeiro um lado,
depois o outro, virava de novo e revirava, assava aos poucos, sem afobação, sem
alvoroço, um pouquinho de cada lado
empilhava las tortillas assadas
na mesma chapa fritava as cebolas, os alhos picadinhos,
juntava o louro, o feijão cozido e amassado, os tomates, a pimenta, tudo
refogado e pronto para ser enrolado na massa assada
à noite, saiam de seus ojos o brilho prateado e úmido
dos lábios rosados que envolviam papá até o seu gozo de hombre,
foi num desses encantamentos que ela arredondou a barriga de nuevo
as noites passaram a ser iluminadas por sua lua cheia
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Leia também:
Memórias - 01 a lua cheia
Memórias - 02 a servidão natural
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