segunda-feira, 1 de maio de 2023

Moby Dick: 14 - Nantucket

Moby Dick


Herman Melville



14 - NANTUCKET


Não aconteceu mais nada digno de nota durante a viagem; depois de uma boa travessia, chegamos a salvo a Nantucket.
 
Nantucket! Pegue seu mapa e dê uma olhada. Veja que fim de mundo ela ocupa; como se encontra afastada do continente, mais isolada do que o farol de Eddystone. Repare – um simples outeiro, com um cotovelo de areia; inteira de praia, sem nada ao fundo. Lá existe mais areia do que se usaria no lugar do mataborrão durante vinte anos. As pessoas brincam dizendo que é necessário plantar ervas daninhas, porque nem elas crescem naturalmente ali; que importam cardos do Canadá; que são obrigadas a atravessar os mares para comprar uma rolha para consertar o vazamento de um tonel de óleo; que levam pedaços de madeira em Nantucket como partes da cruz verdadeira em Roma; que as pessoas plantam cogumelos venenosos na frente das suas casas para ter um pouco de sombra no verão; que uma folha de grama é um oásis, e três folhas em um dia de passeio, uma pradaria; que usam sapatos para areia movediça, parecidos com os sapatos para a neve dos lapões; que o mar os rodeia, cerca, enclausura e fecha de tal modo que às vezes pequenos moluscos são encontrados presos em cadeiras e mesas, como são encontrados nos cascos das tartarugas marinhas. Mas estas extravagâncias apenas vêm demonstrar que Nantucket não é Illinois.

Escute agora a história admirável, que a tradição conta, de como a ilha foi colonizada pelos peles-vermelhas. Eis a lenda. Outrora uma águia atacou a costa da Nova Inglaterra e levou uma criança índia em suas garras. Em meio a lamentos, os pais viram seu filho sumir no horizonte sobre o vasto mar. E resolveram seguir na mesma direção. Partindo em suas canoas, depois de perigosa travessia descobriram a ilha, e lá encontraram uma caixinha de marfim vazia – o esqueleto do indiozinho.

Não é de se admirar, portanto, que os nativos de Nantucket, nascidos numa praia, procurem no mar seu ganha-pão! Primeiro apanharam caranguejos e mexilhões na areia; com mais coragem, pescaram cavalas com redes; com mais experiência, saíram em botes e capturaram bacalhaus; por fim, lançando uma frota de grandes navios ao mar, exploraram a região aquática do mundo; cingiram-no com um cinturão de incessante circunavegação; perscrutaram o Estreito de Bering; e em todas as estações e todos os oceanos declararam guerra eterna à mais formidável massa animal que sobreviveu ao dilúvio; a mais monstruosa e mais montanhosa! Aquele Himalaia em forma de Mastodonte marinho, investido de uma portentosa força inconsciente, cujo terror é mais temido do que seus ataques mais audazes e malignos!

E assim esses Nantucketenses despidos, esses ermitões marinhos, saindo de seus formigueiros em direção ao mar, tomaram e conquistaram a região de águas do mundo como outros tantos Alexandres; partilharam entre si o oceano Atlântico, Pacífico e Índico, como as três potências piratas fizeram com a Polônia. Que os Estados Unidos juntem o México ao Texas e coloquem Cuba sobre o Canadá; que enxames de ingleses se multipliquem por toda a Índia e coloquem sua bandeira reluzindo ao sol; dois terços deste globo terrestre são do Nantucketense. Pois dele é o oceano; ele o possui, como Imperadores possuem impérios; outros homens do mar têm apenas o direito de passagem. Navios mercantes são apenas pontes; navios de guerra, apenas fortes flutuantes; mesmo piratas e corsários, embora usem o mar como os ladrões usam as estradas, esses apenas saqueiam outros navios, outros fragmentos de terra como eles próprios, sem buscar arrancar seu meio de vida da própria profundeza sem fim. Só o Nantucketense mora e descansa no mar; só ele, na linguagem da Bíblia, desce ao mar em navios, arando de lá para cá como se fosse uma plantação especial. Lá é sua casa; lá está seu negócio, que o dilúvio de Noé não poderia interromper, mesmo afogando milhões na China. Ele vive no mar, como os galos da campina nas campinas; esconde-se nas ondas e nelas sobe como os caçadores de camurça nos Alpes. Fica anos sem ver terra; quando por fim regressa, sente nela um cheiro estranho, mais estranho do que sentiria um homem na Lua. Como a gaivota marinha que ao pôr-do-sol fecha as asas e embala seu sono entre as ondas; assim, ao cair da noite, o Nantucketense dobra as velas em mar alto e se deita para descansar, enquanto sob o travesseiro correm manadas de morsas e baleias.

Continua na página 73...

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Moby Dick: 14 - Nantucket
Moby Dick: 15 - Caldeirada
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Moby Dick é um romance do escritor estadunidense Herman Melville, sobre um cachalote (grande animal marinho) de cor branca que foi perseguido, e mesmo ferido várias vezes por baleeiros, conseguiu se defender e destruí-los, nas aventuras narradas pelo marinheiro Ishmael junto com o Capitão Ahab e o primeiro imediato Starbuck a bordo do baleeiro Pequod. Originalmente foi publicado em três fascículos com o título "Moby-Dick, A Baleia" em Londres e em Nova York em 1851,


O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.

O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.

A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura. 


E você com o quê se identifica?

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