Moby Dick
Herman Melville
6 - A Capela
Nesta mesma New Bedford há uma Capela dos Baleeiros, e são poucos os pescadores soturnos que, estando de partida para o oceano Índico ou Pacífico, deixam de fazer uma visita ao local num domingo. O certo é que não foi meu caso.
Ao voltar de meu primeiro passeio matinal, outra vez saí num arroubo com esta missão especial. O céu tinha mudado do aberto, frio ensolarado, para um nublado com neve e chuva. Embrulhado em minha capa feita da chamada pele de urso, abri caminho contra o furioso temporal. Entrando, encontrei uma pequena congregação de marinheiros e de esposas e viúvas de marinheiros. Reinava um silêncio abafado, quebrado de quando em quando pelo uivo do temporal. Cada devoto silencioso parecia estar sentado propositalmente distante do outro, como se cada aflição calada fosse isolada e incomunicável. O capelão ainda não tinha chegado; e ali aquelas ilhas silentes de homens e mulheres permaneciam sentadas, com os olhos presos às lápides de mármore, as bordas pretas, elaboradas na parede dos dois lados do púlpito. Três delas traziam, mais ou menos assim, as seguintes inscrições, que não vou fingir citar:
Oh, vós, cujos mortos jazem enterrados sob a grama verde; que em meio a flores podeis dizer – aqui, aqui jaz o meu amado; vós não sabeis a desolação que habita estes nossos peitos. Que vazio amargo esse dos mármores enegrecidos que não cobrem cinza alguma! Que desespero esse das inscrições irremovíveis! Que vácuo mortífero, que indesejada infidelidade daquelas linhas que parecem minar toda a Fé e recusam a ressurreição a seres que no deslugar pereceram sem ter túmulo. Aquelas lápides poderiam estar tanto na caverna de Elefanta como aqui.
Em que recenseamento de seres vivos estão incluídos os mortos da humanidade; por que há um provérbio que afirma que os mortos não falam, embora saibam mais segredos que Goodwin Sands; como se explica que, ao nome daquele que partiu ontem para outro mundo, nós associemos uma palavra tão significativa e inverídica, e no entanto não a associemos a ele, que parte para as Índias mais remotas; por que as companhias de seguro pagam pela morte de imortais; em que paralisação eterna e imóvel, e transe mortífero e desesperado, jaz o antigo Adão, morto há sessenta séculos; como é possível que ainda não encontremos consolo pela perda daqueles que afirmamos estar na mais completa bem-aventurança; por que todos os vivos se esforçam tanto para não mencionar os mortos; por que motivo um simples ruído num túmulo assusta uma cidade inteira? Todas essas coisas têm seu significado.
Mas a Fé, como um chacal, se alimenta por entre os túmulos, e mesmo dessas dúvidas mortais recolhe sua esperança mais vital.
É desnecessário descrever os sentimentos com que olhei para aquelas lápides de mármore, na véspera de uma viagem a Nantucket, lendo na penumbra daquele dia escuro e triste o destino dos baleeiros que haviam partido antes de mim. É, Ishmael, podes ter o mesmo destino. Mas, não sei como, senti-me de novo alegre. Estímulos agradáveis para embarcar, boas chances de promoção, parece que sim – um navio naufragado fará de mim um imortal por carta de mercê. Pois é, existe a morte neste negócio baleeiro – um modo caótico, rápido e sem palavrório de empacotar o homem para a Eternidade. Mas e daí? Parece-me que estamos profundamente equivocados a respeito dessa história de Vida e Morte. Parece-me que, olhando para as coisas espirituais, somos como ostras observando o sol através da água e achando que a água espessa é o ar mais sutil. Parece-me que meu corpo é a parte mais insignificante do meu ser. A bem dizer, levem meu corpo, levem-no, não sou eu. E então, três vivas para Nantucket; que venha um navio naufragado e um corpo naufragado, pois naufragar minha alma, o próprio Jove não pode.
Continua na página 49...
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Leia também:
Moby Dick: Etimologia, Excertos, Citações
Moby Dick: 1 - Miragens
Moby Dick: 2 - O saco de viagem
Moby Dick: 3.1 - A Estalagem do Jato
Moby Dick: 4 - A colcha
Moby Dick: 5 - Café-da-manhã
Moby Dick: 6 - A rua
Moby Dick: 7 - A Capela
Moby Dick: 8 - O Púlpito
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O livro foi revolucionário para a época, com descrições intrincadas e imaginativas do personagem-narrador, suas reflexões pessoais e grandes trechos de não-ficção, sobre variados assuntos, como baleias, métodos de caça a elas, arpões, a cor do animal, detalhes sobre as embarcações, funcionamentos e armazenamento de produtos extraídos das baleias.
O romance foi inspirado no naufrágio do navio Essex, comandado pelo capitão George Pollard, que perseguiu teimosamente uma baleia e ao tentar destruí-la, afundou. Outra fonte de inspiração foi o cachalote albino Mocha Dick, supostamente morta na década de 1830 ao largo da ilha chilena de Mocha, que se defendia dos navios que a perturbavam.
A obra foi inicialmente mal recebida pelos críticos, assim como pelo público por ser a visão unicamente destrutiva do ser humano contra os seres marinhos. O sabor da amarga aventura e o quanto o homem pode ser mortal por razões tolas como o instinto animal, sendo capaz de criar seus fantasmas justamente por sua pretensão e soberba, pode valer a leitura.
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