Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
ÊXTASE DE MÁRMORE
À grande atriz Apolônia
O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altíssimo e calado;
Essa pedra imortal – campo rasgado
À comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;
Se te visse o clarão que pelos ombros
Teus rola, cai, nos múltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;
O mármore feliz que é muito artista
Também – como tu és – à tua vista
De humildade e ciúme, coraria!
INVERNO
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.
Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.
Um sol pagão, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo,
Surge na frígida estação do inverno.
– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espírito moderno.
FALANDO AO CÉU
Falas ao Céu, Amor! Em vão tu falas!
Mas o céu, esse é velho, esse é velhinho,
Todo ele é branco, faz lembrar o linho
Dos leitos alvos onde tu te embalas.
A alma do céu é como velhas salas
Sem ar, sem luz, como lares sem vinho,
Sem água e pão, sem fogo e sem carinho,
Sem as mais toscas, as mais simples galas.
Sempre surdo, hoje o céu é mudo, é cego...
Jamais o coração ao céu entrego,
Eu que tão cego vou por entre abrolhos.
Mas se o queres tornar jovem e louro
Dá-lhe o bordão do teu amor um pouco,
Fala e vista, com a vida dos teus olhos...
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Leia também:
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XVIII
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