Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
CHUVA DE OURO
A Rainha desceu do Capitólio
Agora mesmo – vede-lhe o regaço...
Como tem flores, como traz o braço
Farto de joias, como pisa o sólio
Triunfantemente, numa unção, num óleo
Mais santo e doce que essa luz do espaço...
E como desce com bravura de aço...
Pois se a Rainha, como um rico espólio,
O seu brioso coração foi dando
Aos pobrezinhos, que inda estão gozando
Bênçãos mais puras qu’os clarões diurnos,
Por certo que há de vir descendo a escada
Do Capitólio da virtude – olhada
Pelos Albergues infantis, noturnos!
PRIMAVERA A FORA
Escute, excelentíssima: – Que aragens
Traz do arvoredo a fresca ramaria;
Como este sol é rubro de alegria,
Que tons de luz nas límpidas paisagens.
Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.
Deixe lá fora estrangular-se o mundo...
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.
Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce música sincera,
Cante a balada eterna dos amores...
25 DE MARÇO
(Recife, 1885)
Em Pernambuco para o Ceará
A província do Ceará, sendo o berço de Alencar e Francisco
Nascimento – o dragão do mar – é consequentemente
a mãe da literatura e a mãe da humanidade.
Bem como uma cabeça inteiramente nua
De sonhos e pensar, de arroubos e de luzes,
O sol de surpreso esconde-se, recua,
Na órbita traçada – de fogo dos obuzes.
Da enérgica batalha estoica do Direito
Desaba a escravatura – a lei de cujos fossos
Se ergue a consciência – e a onda em mil destroços
Resvala e tomba e cai o branco preconceito.
E o Novo Continente, ao largo e grande esforço
De gerações de heróis – presentes pelo dorso
À rubra luz da glória – enquanto voa e zumbe
O inseto do terror, a treva que amortalha,
As lágrimas do Rei e os bravos da canalha,
O velho escravagismo estéril que sucumbe.
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Leia também:
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos X
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XII
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XIII
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XIV
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XVI
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