sábado, 23 de maio de 2020

Cinema: O Milagre da Cela 7

Uma conversa solitária sobre lágrimas, milagres e ditaduras



baitasar


Bom dia, hoje gostaria de conversar sobre um filme que assisti 3 vezes nesta quarentena. Não foi falta de opções, apenas desejo de rever o já visto, e nas três vezes, chorei e sorri com a Ova.

Mas não é sobre as minhas lágrimas olhando e revendo o Mistério da Cela 7, na Netflix, que quero continuar essa conversa, embora eu admita que elas vão estar presentes por uma ou muitas razões.

Recebi a indicação deste filme de uma amiga muito querida, e junto um aviso, Prepara os lenços de papel, tu não vai dar conta das lágrimas, depois deste terrorismo, decidi assistir sozinho.

Afinal, homem não chora e quando fraqueja que seja secretamente, Se vou chorar que assim seja, eu duvido, mas que ninguém me veja chorando. É desconfortável e muito mulherzinha chorar à toa.

Assisti, na primeira vez, decidido em permitir – quanta prepotência do grande macho protetor das próprias emoções – esse turbilhão previsível de lágrimas e surpresas me conduzir.

A primeira lágrima sequei com a manga do moleton.

E claro, muitos lenços de papel foram usados. Ali mesmo, entre aquelas lágrimas teimosas e incontroláveis, sabia que precisaria assistir, novamente, e talvez, sem aquela choradeira descontrolada. A menina Ova não havia me permitido a neutralidade de um mero e nem tão casual assistente.

Na segunda vez, estava decidido que aquela menina não iria mais fazer gato e sapato das minhas emoções – algo parecido com fez aquele menino que inventou o vento –, não consegui, é claro. E fui encontrando inúmeros caminhos e descaminhos da necessidade de uma terceira sessão daquele filme turco. Ou, tantas vezes, quantas fossem preciso para entender a boniteza e os desconfortos que experimentava com todos os milagres a partir da cela 7: a Ova que todos e todas temos em alguma medida afogada nas doses massacrantes da realidade e sua crueza.

O Milagre da Cela 7 é um filme turco de 2019, classificado como drama, a sinopse apenas nos diz que um homem com deficiência intelectual é separado da sua filha e precisa provar sua inocência ao ser preso pela morte da filha de um comandante militar.

Sinopse é o resumo que alguém por tarefa da profissão faz para promover, anunciar, informar sobre o objeto da apreciação, descrição – ou simplesmente seria a resenha de alguém que, por motivos bem pessoais, resolveu fazer sobre determinado filme, livro etc etc etc

Então, desisti de escrever qualquer resumo, mesmo que faça sentido dizer que estou inventariando sozinho algumas das leituras que fiz do filme, é uma conversa solitária.

Essa conversa não é sobre os atores e atrizes – gostei muito; afinal, nenhuma canastrona ou canastrão nos provoca tanta ternura, muita irritação, talvez. Também não é sobre a fotografia ou a música nem a direção ou o figurino do filme, mas sobre as perguntas que esses milagres podem ou deveriam provocar em nós.

Hum, a arte e suas significações perturbadoras.

Na terceira vez, quis me deter na pergunta que venho me fazendo por tanto tempo e que pensava – ingenuamente - que não precisaria de respostas tão urgentes.

Por que as pessoas reverenciam as ditaduras? E vamos combinar que existem ditaduras das mais variadas nuances, mas todas são garantidas e sustentadas pelos militares? Por que permitimos – e pedimos – que homens e mulheres em seus uniformes engomados e botas brilhantes com as solas manchadas de sangue decidam quem morre e quem vive? Essa gente me perturba, Se você, meu filho, obedece, não tem porque ser castigado. Faça o que eu quero e como eu quero que tudo ficará em paz. É assim que fui ensinado, é assim que se ensina. E você, minha filha, quando fizer a sua família e tiver os seus filhos... vai me agradecer.

Apenas obedeça, mesmo que fique claro o uso do uniforme e do posto de comandante para uso da sua vingança?

Qual o sentido disso tudo? Não sei. Estou me preparando para assistir outra vez esse filme, continuo em busca de respostas, mesmo que continue encontrando mais e mais perguntas.

Educar nossos filhos e nossas filhas sem castigos físicos ajudará a diminuírem as torturas policialescas? Ajudará a diminuir a violência doméstica? Mimar filhos e filhas com amor e não com presentes irá transformar a nós mesmos?

Então, qual o sentido da violência além da submissão?

As ditaduras se mantém a partir de relações hierárquicas de poder desiguais?

Qual o nosso papel nesse ciclo de violência? A submissão?


Assista e pense a sua lista de perguntas...

Já as respostas que tanto procuramos precisarão de muitas conversas mais... muitas mais.



maio de 2020.




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