sábado, 9 de maio de 2020

histórias de avoinha: borboleta preta

mulheres descalças


borboleta preta
Ensaio 127By – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




o siô augusto tumbém carrega os seus sigilo mudo, teatrice das conversa qui tem com ele mesmo e a dona açunta, E quem não tem conversa sem soltar as palavras no vento? É por isso que faço o melhor uso dos seus serviços, dona Açunta. Gosto de saber que vosmecê está à minha disposição, mas esse é o nosso segredo, mirô as vista no corpo violão da muié, Ela não iria entender, Não, não iria fazer bom juízo de vosmecê, tava uma mistura de agradecido e reconhecido, aquele feitio de desenho já lhe encantô tanto, Por que dona Rosinha relaxou os cuidados com ela mesma, É assim mesmo, Eu sei, a mocidade se termina enquanto a brasa do charuto vai queimando e a fumaça vai subindo e sumindo. A brasa vai se despejando no chão, sujando os pés. Quando o charuto acaba não tem mais brasa nem fumaça e a guimba fica jogada no chão até ser espalhada e desaparecer. Perdeu o encanto e o uso, Isso quando o charuto não é largado de repente no chão, queimando sozinho, Vosmecê tem razão, a vida é um susto, colocô mais uma veiz as vista na muié debruçada na janela, gostava mais de resmungá duqui falá, Mas dona Rosinha não precisava ter perdido magreza arredondada que eu gostava tanto de apertar firme com as duas mãos. O traçado até que não perdeu muito, mas a firmeza se perdeu da formosura.

lá tava o capenga mirando o desenho macio de algodão doce da muié qui lhe encantô usóio duro como as pedra, comparava com as gravura da memória, pelo menos, as parte qui ele lembrava, O que foi que a dona Rosinha fez ou deixou de fazer? Parece que perdeu a disposição de manter a formosura da dianteira e da traseira, O sinhô Augusto já parou pra pensar que pode ser porque o sinhôinho parou de usar tanta formosura, É... pode ser, Açunta. Mas por que eu parei de usar tanta fartura? Uma belezura de mercadoria à minha disposição de graça e à vontade. Pensando bem, foi tempo perdido esse tempo que não foi aproveitado.

o siô augusto gonzaga cezar num sentia culpa nem nada parecido, num tinha sonho agitado nem tava nervoso, O que é que faltou na dona Rosinha para me manter interessado, continuava intrigado apenas com o desperdício de tanta gozadura própria

dona rosinha desimpedida e ociosa pra ele, Porcaria de vida! E não foi muito usada, e num adiantava rosná, logo os sino vai anunciá um trepidá cansado, enfarado e indiferente, o aviso da sua rendição e uqui num foi feito num vai sê feito, uqui num foi dito num vai mais sê dito, uqui num foi acarinhado num vai mais sê mimado, pelo menos, num pelo rendido da vida

nunca mais a janela, o piano, a praça ou as fartura da dona rosinha, tudo passa e enquanto vai se passando a vida vai escapando entre os dedo da açunta inté morrê como viveu: um espinho longo e verde murchando sem entusiasmo, nunca logrô esquecê qui viveu mancando, desanimado e desconfiado, Vivo cercado aqui na Villa por uma multidão de cochichos, fuxicos e risinhos. As mulheres não conseguem evitar nem os homens escapam das encenações ou insinuações de desprezo quando passo mancando. Poderia ter sido um príncipe, mas a vida é injusta com uns mais que com outros, comigo foi sempre injusta.

voltô as vista na dona rosinha, Já não basta que não é branca como deveria ser. Mas enfim, uma mestiça que o cabelo não nega e que conserva um ou outro traço ruim e que teve muito jeito para se balançar, a diabrura daquela vigilância parecia querê lhe arrastá inté a janela debruçada na dona rosinha

oiava e desôiava dona rosinha, oiava mais nas parte qui gostava de lembrá, depois desôiava e resmungava com pena dele mesmo qui a muié mudô muntu, num tava mais tão atrativa, O peito com as mamas já não está mais empinado, a barriga ficou arredondada e mole, respira como um defunto quase finado. A dona Rosinha precisa se enfeitar mais, está ficando corcunda. As suas bordas estão dançando com um sopro discreto do vento, mais uqui lhe desagradava mesmo era vê qui ela continuava com os pé mestiço descalço, Lá fora eu uso os calçados. Vosmecê pode ficar descansado, Por que só lá fora, ela oiô duro e firme pru siô augusto, num parecia indisposta, num parecia triste, abriu e fechô duas veiz a boca, antes de decidí uqui dizê, Porque eu não saio vestida de linho grosso e cru como as pretas descalçadas. E não vou fingir ter uma vida que se parece com a vida das pretas descalças, Tudo bem, eu entendo. Mas por que vosmecê não veste os pés nesta casa, me agradaria tanto. O Código de Posturas e as Leis da Villa não proíbem que escravas libertas usem calçados, Eu uso os calçados na rua por que caminhar nas ruas não é o mesmo costume que andar nas tábuas desta casa. Lá fora, pra mostrar diante da Villa toda sua condição de escravizadas, as negras e os negros são obrigados a caminharem descalçados por cima dos torrão da terra e dos espinho do mato. Eu não quero acostumar os meus pés com essa dor, novamente. Essa dormência dos branco é desumana como tudo mais na vida dos negros e das negras escravizadas, Eu não entendo, os minuto corria e ele num achava as alegações pru convencimento da dona rosinha escondê os pé no calçamento dos calçado

os pés da dona rosinha num tem cô nem desenho do lugá qui veio, é toda misturada, ele num pensava em querê gostá do feitio sem feitio daqueles pé – qui num era branco e num era do mesmo feitio dos pé duspretu –, nem sabia dizê do lugá qui eles veio, Tudo precisa ter um sentido. Eu não entendo vosmecê, pensô em se explicá, na verdade de verdade, num ia dizê nada disso, uqui atormentava o siô augusto era tê mais covardia qui a vontade de gostá de verdade da dona rosinha,Só quem passa fome entende a fome. E não é a fome de um dia que estou falando nem a fome de dois dias, mas da fome que não sabe o dia em que vai acabar nem se vai acabar. Eu estou falando da fome de hoje e dos dias pra trás e pra frente.  Quando eu era menina queria ser branca pra não passar fome. Então, o sinhô Augusto me viu, comprou e gostou dos meus serviços. Eu me dediquei. O sinhô gostou tanto que lá fora virei uma mestiça liberta, mas aqui, nesta casa, continuo a ser sua mucama.

Dona Rosinha, minha mãezinha, para com isso. Andar descalça é obrigação da escravaria, é coisa para ser feita pelas negras. Isso é obrigação da antônia, não é o seu caso, daqui pra frente as palavra qui num saiu só ficô nos pensamento do medo, as ideia trancada na cabeça num é bão pru topo dos cabelo, Vosmecê num tem o cabelo tão ruim, os pés é que não são nenhuma formosura. Então, se a dona Rosinha pode esconder os pés por que mostrar? Os seus sapatos não são do seu gosto? É só escolher o sapato que lhe agrada. A mãezinha aprendeu alisar o cabelo com tanto jeito e determinação que parece liso natural. A mãezinha não pode se comportar como se fosse uma negra qualquer.

mirava, desmirava e mirava no desenho do corpo da muié, Essa mulher já me encantou com esses traços arredondados e sólidos, matutava qui ela ainda conservava algum rabisco com os mesmo traço, pelo menos, as parte qui as lembrança acordava e pedia pela açunta

desviava e voltava as vista, parecia perdido duqui dizê ou fazê, a açunta desceu inté as virilha e num encontrô nada, usóio parecia querê mais qui a açunta podia acordá, num pode evitá de pruguntá, O que foi que me aconteceu que deixei de comer toda essa fartura da dona Rosinha? Além disso, vosmecê calçada é das mais bonita borboleta preta que já entrou na minha casa, sentiu a açunta gelada e um suô frio qui descia das canela inté os pé, nunca ia fazê ela mudá esse costume de ficá descalça, ia sê vontade dela

Venha até a janela, Paizinho...




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