quarta-feira, 20 de maio de 2020

Pedagogia do Oprimido - 3. A dialogicidade... As relações homem-mundo, os temas geradores

Paulo Freire






“educação como prática da liberdade”:

alfabetizar é conscientizar 



AOS ESFARRAPADOS DO MUNDO 
E AOS QUE NELES SE 
DESCOBREM E, ASSIM 
DESCOBRINDO-SE, COM ELES 
SOFREM, MAS, SOBRETUDO, 
COM ELES LUTAM. 



3. A dialogicidade – essência da educação 
como prática da liberdade




AS RELAÇÕES HOMENS-MUNDO, OS TEMAS
GERADORES E O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
DESTA EDUCAÇÃO




Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da situação ou da aço política, acrescentemos. 

O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no risível intelectual, mas no nível da aço. [1]

[1] Neste sentido, é tão contraditório que homens verdadeiramente humanistas usem a prática “bancária", quanto que homens de direita se empenhem num esforço de educação problematizadora. Estes são sempre mais coerentes – jamais aceitam uma pedagogia da problematização.

Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores. Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores. Temores de consciência oprimida.

Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto.


Por isto mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante.

É que a linguagem do educador ou do político (e cada vez nos convencemos mais de que este há de tornar-se também educador no sentido mais amplo da expressão) tanto quanto a linguagem do povo, não existe sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que se encontrem referidos. Desta forma, para que haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar e a linguagem do povo, dialeticamente, se constituem.

Daí também que o conteúdo programático para a ação, que é de ambos, não possa ser de exclusiva eleição daqueles, mas deles e do povo.


É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação.

O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento [2] em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores.


[2] Com a mesma conotação, usamos a expressão temática significativa.

Esta investigação implica, necessariamente, numa metodologia que não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora. Daí que seja igualmente dialógica. Daí que, conscientizadora também, proporcione, ao mesmo tempo, a apreensão dos “temas geradores” e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos.

Esta é a razão pela qual, (em coerência ainda com a finalidade libertadora da educação dialógica) não se trata de ter nos homens o objeto da investigação, de que o investigador seria o sujeito.

O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão do mundo, em que se encontram envolvidos seus “temas geradores”.

Antes de perguntar-nos o que é um “Tema Gerador”, cuja resposta nos aclarará o que é o “universo mínimo temático”, nos parece indispensável desenvolver algumas reflexões.

Em verdade, o conceito de “tema gerador” não é uma criação arbitrária, ou uma hipótese de trabalho que deva ser comprovada. Se o “tema gerador” fosse uma hipótese que devesse ser comprovada, a investigação, primeiramente, não seria em torno dele, mas de sua existência ou não.

Neste caso, antes de buscar apreendê -la em sua riqueza, em sua significação, em sua pluralidade, em seu devenir, em sua constituição histórica, teríamos que constatar, primeiramente, sua objetividade. Só depois, então, poderíamos tentar sua captação.

Ainda que esta postura – a de uma dúvida crítica – seja legítima, nos parece que a constatação do “tema gerador”, como uma concretização, é algo a que chegamos através, não só da própria experiência existencial, mas também de uma reflexão crítica sobre as relações homens-mundo e homens-homens, implícitas nas primeiras.

Detenhamo-nos neste ponto. Mesmo que possa parecer um lugar-comum, nunca será demasiado falar em torno dos homens como os únicos seres, entre os “inconclusos”, capazes de ter, não apenas sua própria atividade, mas a si mesmos, como objeto de sua consciência, o que os distingue do animal, incapaz de separar-se de sua atividade.

Nesta distinção, aparentemente superficial, vamos encontrar as linhas que demarcam os campos de uns e de outros, do ponto de vista da ação de ambos no espaço em que se encontram.

Ao não poder separar-se de sua atividade sobre a qual não pode exercer um ato reflexivo, o animal não consegue impregnar a transformação, que realiza no mundo, de uma significação que vá mais além de si mesmo.


Na medida em que sua atividade é uma aderência dele, os resultados da transformação operada através dela não o sobrepassam. Não se separam dele, tanto quanto sua atividade. Dai que ela careça de finalidades que sejam propostas por ele. De um lado, o animal não se separa de sua atividade, que a ele se encontra aderida; de outro, o ponto de decisão desta se acha fora dele: na espécie a que pertence. Pelo fato de que sua atividade seja ele e ele seja sua atividade, não podendo dela separar-se, enquanto seu ponto de decisão se acha em sua espécie e não nele, o animal se constitui, fundamentalmente, como um “ser fechado em si”.


Ao não ter este ponto de decisão em si, ao não poder objetivar- se nem à sua atividade, ao carecer de finalidades que se proponha, e que proponha, ao viver “imerso” no “mundo” a que não consegue dar sentido, ao não ter um amanhã nem um hoje, por viver num presente esmagador, o animal é a-histórico. Sua vida a-histórica se dá, não no mundo tomado em sentido rigoroso, pois que o mundo não se constitui em um “não-eu” para ele, que seja capaz de constituí-lo como eu.

O mundo humano, que é histórico, se faz, para o “ser fechado em si” mero suporte. Seu contorno não lhe é problemático, mas estimulante. Sua vida não é um correr riscos, uma vez que não os sabe correndo. Estes, porque não são desafios perceptíveis reflexivamente, mas puramente “notados” pelos sinais que os apontam, não exigem respostas que impliquem em ações decisórias. O animal, por isto mesmo, não pode comprometer-se. Sua condição de a-histórico não lhe permite assumir a vida, e, porque não a assume, não pode construí-la. E, se não constrói, não pode transformar o seu contorno. Não pode, tampouco, saber-se destruído em vida, pois não consegue alongar seu suporte, onde ela se dá, em um mundo significativo e simbólico, o mundo compreensivo da cultura e da história. Esta é a razão pela qual o animal não animaliza seu contorno para animalizar-se, nem tampouco se desanimaliza. No bosque, como no zoológico, continua um “ser fechado em si” – tão animal aqui, como lá.


Os homens, pelo contrário, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem separar- se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica.
 

Se a vida do animal se dá em um suporte atemporal, plano, igual, a existência dos homens se dá no mundo que eles recriam e transformam incessantemente. Se, na vida do animal, o aqui não é mais que um “habitat” ao qual ele “contata”, na existência dos homens o aqui não é somente um espaço físico, mas também um espaço histórico.

Para o animal, rigorosamente, não há um aqui, um agora, um ali, um amanhã, um ontem, porque, carecendo da consciência de si, seu dever é uma determinação total. Não é possível ao animal sobrepassar os limites impostos pelo aqui, pelo agora ou pelo ali.


Os homens, pelo contrário, porque são consciência de si e, assim, consciência do mundo, porque são um “corpo consciente”, vivem uma relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade.

Ao se separarem do mundo, que objetivam, ao separarem sua atividade de si mesmos, ao terem o ponto de decisão de sua atividade em si, em suas relações com o mundo e com os outros, os homens ultrapassam as “situações-limites”, que não devem ser tomadas como se fossem barreiras insuperáveis, mais além das quais nada existisse [3] . No momento mesmo em que os homens as apreendem como freios, em que elas se configuram com obstáculos à sua libertação, se transformam em “percebidos destacados” em sua “visão de fundo”. Revelam-se, assim, como realmente são: dimensões concretas e históricas de uma dada realidade. Dimensões desafiadoras dos homens, que incidem sobre elas através de ações que Vieira Pinto chama de “atos-limites” – aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar de implicarem na sua aceitação dócil e passiva.


[3] O Prof. Álvaro Vieira Pinto analisa, com bastante lucidez, o problema das “situações-limites", cujo conceito aproveita, esvaziando-o, porém, da dimensão pessimista que se encontra originariamente em Jaspers. Para Vieira Pinto, as “situações-limites” não são “o contorno infranqueável onde terminam as possibilidades, mas a margem real onde começam todas as possibilidades”; não são “a fronteira entre o ser e o nada, mas a fronteira entre o ser e o ser mais" (mais ser). Álvaro Vieira Pinto, Consciência e Realidade Nacional. Rio de Janeiro, ISEB, 1960, vol. II, p. 284.

Esta é a razão pela qual não são as “situações limites”, em si mesmas, geradoras de um clima de desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem ultrapassar. No momento em que a percepção critica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se na superação das “situações-limites”.

Esta superação, que não existe fora das relações homens-mundo, somente pode verificar-se através da ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as “situações-limites”. Superadas estas, com a transformação da realidade, novas surgirão, provocando outros “atos-limites” dos homens.

Desta forma, o próprio dos homens é estar, como consciência de si e do mundo, em relação de enfrentamento com sua realidade em que, historicamente, se dão as “situações-limites”. E este enfrentamento com a realidade para a superação dos obstáculos só pode ser feito historicamente, como historicamente se objetivam as “situações-limites”.

No “mundo” do animal, que não sendo rigorosamente mundo, mas suporte em que está, não há “situações-limites” pelo caráter a-histórico do segundo, que se estende ao primeiro.

Não sendo o animal um “ser para si”, lhe falta o poder de exercer “atos-limites”, que implicam numa postura decisória frente ao mundo, do qual o ser se “separa”, e, objetivando-o, o transforma com sua ação. Preso organicamente a seu suporte, o animal não se distingue dele.

Desta forma, em lugar de “situações-limites”, que são históricas, é o suporte mesmo, maciçamente, que o limita. O próprio do animal, portanto, não é estar em relação com seu suporte – se estivesse, o suporte seria mundo – mas adaptado a ele. Daí que, como um “ser fechado” em si, ao “produzir” um ninho, uma colmeia, um oco onde viva, não esteja realmente criando produtos que tivessem sido o resultado de “atos-limites” – respostas transformadoras. Sua atividade produtora está submetida à satisfação de uma necessidade física, puramente estimulante e não desafiadora. Daí que seus produtos, fora de dúvida, “pertençam diretamente a seus corpos físicos, enquanto o homem é livre frente a seu produto”. [4]


[4] Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos.

Somente na medida em que os produtos que resultam da atividade do ser “não pertençam a seus corpos físicos”, ainda que recebam o seu selo, darão surgimento à dimensão significativa do contexto que, assim, se faz mundo.

Daí em diante, este ser, que desta forma atua e que, necessariamente, é um ser consciência de si, um ser “para si”, não poderia ser, se não estivesse sendo, no mundo com o qual está, como também este mundo não existiria, se este ser não existisse.

A diferença entre os dois, entre o animal, de cuja atividade, porque não constitui “atos-limites”, não resulta uma produção mais além de si e os homens que, através de sua ação sobre o mundo, criam o domínio da cultura e da história, está em que somente estes são seres da práxis. Somente estes são práxis. Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação. Com efeito, enquanto a atividade animal, realizada sem práxis, não implica em criação, a transformação exercida pelos homens a implica.

E é como seres transformadores e criadores que os homens, em suas permanentes relações com a realidade, produzem, não somente os bens materiais, as coisas sensíveis, os objetos, mas também as instituições sociais, suas ideias, suas concepções. [5]


[5] A propósito deste aspecto, ver Karel Kosik, Dialética do Concreto Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, 3ª edição.

Através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais.

Porque, ao contrário do animal, os homens podem tridimensionalizar o tempo (passado-presente-futuro) que, contudo, não são departamentos estanques. Sua história, em função de suas mesmas criações vai se desenvolvendo em permanente devenir, em que se concretizam suas unidades epocais. Estas, como o ontem, o hoje e o amanhã, não são como se fossem seções fechadas e intercomunicáveis do tempo, que ficassem petrificadas e nas quais os homens estivessem enclausurados. Se assim fosse, desapareceria uma condição fundamental da historia: sua continuidade. As unidades epocais, pelo contrário, estão em relação umas com as outras [6] na dinâmica da continuidade histórica. 


[6] Em torno de épocas históricas, ver Hans Freyer: Teoria de la É poca Actual, México, Fondo de Cultura.

Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de ideias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de muitas destas ideias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época.

Estes, não somente implicam em outros que são seus contrários, às vezes antagônicos, mas também indicam tarefas a ser realizadas e cumpridas. Desta forma, não há, como surpreender os temas históricos isolados, soltos, desconectados, coisificados, parados, mas em relação dialética com outros, seus opostos. Como também não há outro lugar para encontrá-los que não seja nas relações homens-mundo. O conjunto dos temas em interação constitui o “universo temático” da época.

Frente a este “universo” de temas que dialeticamente se contradizem, os homens tornam suas posições também contraditórias, realizando tarefas em favor, uns, da manutenção das estruturas, outros, da mudança.

Na medida em que se aprofunda o antagonismo entre os temas que são a expressão da realidade, há uma tendência para a mitificação da temática e da realidade mesma, o que, de modo geral, instaura um clima de “irracionalismo” e de sectarismo.

Este clima ameaça esgotar os temas de sua significação mais profunda, pela possibilidade de retirar-lhes a conotação dinâmica que os caracteriza.

No momento em que uma sociedade vive uma época assim, o próprio irracionalismo mitificador passa a constituir um de seus temas fundamentais, que terá, como seu oposto combatente, a visão crítica e dinâmica da realidade que, empenhando-se em favor do seu desvelamento, desmascara sua mitificação e busca a plena realização da tarefa humana: a permanente transformação da realidade para a libertação dos homens.


Os temas [7] se encontram, em última análise, de um lado, envolvidos, de outro, envolvendo as “situações- limites”, enquanto as tarefas em que eles implicam, quando cumpridas, constituem os “atos-limites” aos quais nos referimos.


[7] Estes temas se chamam geradores porque, qualquer que seja a natureza de sua compreensão como a ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem ser cumpridas.

Enquanto os temas não são percebidos como tais, envolvidos e envolvendo as "situações-limites”, as tarefas referidas a eles, que são as respostas dos homens através de sua ação histórica, não se dão em termos autênticos ou críticos.

Neste caso, os temas se encontram encobertos pelas “situações-limites” que se apresentam aos homens como se fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face das quais não lhes cabe outra alternativa, senão adaptar-se. Desta forma, os homens não chegam a transcender as “situações-limites” e a descobrir ou a divisar, mais além delas e em relação com elas, o “inédito viável”.

Em síntese, as “situações-limites” implicam na existência daqueles a quem direta ou indiretamente “servem” e daqueles a quem “negam” e “freiam”.


No momento em que estes as percebem não mais como uma “fronteira entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais ser”, se fazem cada vez mais críticos na sua ação, ligada àquela percepção. Percepção em que está implícito o inédito viável como algo definido, a cuja concretização se dirigirá, sua ação. [8]


[8] A Libertação desafia, de forma dialeticamente antagônica, a oprimidos e a opressores. Assim, enquanto é, para os primeiros, seu "inédito viável”, que precisam concretizar, se constitui, para os segundos, como “situação- limite", que necessitam evitar.

A tendência então, dos primeiros, é vislumbrar no inédito viável, ainda como inédito viável, uma “situação-limite” ameaçadora que, por isto mesmo, precisa não concretizar-se. Dai que atuem no sentido de manterem a “situação-limite” que lhes é favorável
.

Desta forma, se impõe à aço libertadora, que é histórica, sobre um contexto, também histórico, a exigência de que esteja em relação de correspondência, não só com os “temas geradores”, mas com a percepção que deles estejam tendo os homens. Esta exigência necessariamente se alonga noutra: a da investigação da temática significativa.

Os “temas geradores” podem ser localizados em círculos concêntricos, que partem do mais geral ao mais particular.

Temas de caráter universal, contidos na unidade epocal mais ampla, que abarca toda uma gama de unidades e subunidades, continentais, regionais, nacionais, etc., diversificadas entre si. Como tema fundamental desta unidade mais ampla, que poderemos chamar “nossa época”, se encontra, a nosso ver, o da libertação, que indica o seu contrário, o tema da dominação. É este tema angustiante que vem dando à nossa época o caráter antropológico a que fizemos referência anteriormente.

Para alcançar a meta da humanização, que não se consegue sem o desaparecimento da opressão desumanizante, é imprescindível a superação das “situações-limites” em que os homens se acham quase coisificados”.

Em círculos menos amplos, nos deparamos com temas e “situações-limites”, características de sociedades de um mesmo continente ou de continentes distintos, que têm nestes temas e nestas “situações-limites” similitudes históricas.

A “situação-limite” do subdesenvolvimento, ao qual está ligado o problema da dependência, é a fundamental característica do “terceiro mundo”. A tarefa de superar tal situação, que é uma totalidade, por outra, a do desenvolvimento, é, por sua vez, o imperativo básico do Terceiro Mundo.

Se olhamos, agora, uma sociedade determinada em sua unidade epocal, vamos perceber que, além desta temática universal, continental ou de um mundo específico de semelhanças históricas, ela vive seus temas próprios, suas “situações-limites”.

Em círculo mais restrito, observaremos diversificações temáticas, dentro de uma mesma sociedade, em áreas e subáreas em que se divide, todas, contudo, em relação com o todo de que participam. São áreas e sub-áreas que constituem subunidades epocais. Em uma unidade nacional mesma, encontramos a contradição da “contemporaneidade do não coetâneo”.

Nas subunidades referidas, os temas de caráter nacional podem ser ou deixar de ser captados em sua verdadeira significação, ou simplesmente podem ser sentidos. Às vezes, sem sequer são sentidos.

O impossível, porém, é a inexistência de temas nestas subunidades epocais. O fato de que indivíduos de uma área não captem um "tema gerador”, só aparentemente oculto ou o fato de captá-la de forma distorcida, pode significar, já, a existência de uma “situação-limite” de opressão em que os homens se encontram mais imersos que emersos.





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PAULO FREIRE

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

23ª Reimpressão

PAZ E TERRA


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© Paulo Freire, 1970
Capa
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Revisão
Maria Luiza Simões e Jonas Pereira dos Santos
(Preparação pelo Centro de Catalogação -na-fonte do
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ)


Freire, Paulo
F934p Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987
(O mundo, hoje, v.21)


1. Alfabetizaço – Métodos 2. Alfabetizaço – Teoria I. Título II. Série
CDD-374.012
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Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; e Pedagogia do Oprimido




"Quem atua sobre os homens para, doutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores." 




Pedagogia do Oprimido - Paulo Freire





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