quarta-feira, 6 de maio de 2020

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXIII - Como se afastam os aduladores

O PRÍNCIPE

Maquiavel


AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI






CAPÍTULO XXIII



COMO SE AFASTAM OS ADULADORES
(QUOMODO ADULATORES SINT FUGIENDI)




Não quero deixar de tratar de um ponto importante, de um erro do qual os príncipes só com muita dificuldade se defendem, se não são de extrema prudência ou se não fazem boa escolha. Refiro-me aos aduladores, dos quais as cortes estão repletas, dado que os homens se comprazem tanto nas suas coisas próprias e de tal modo se iludem, que com dificuldade se defendem desta peste e, querendo defender-se, há o perigo de tornar-se menosprezado. Não há outro meio de guardar-se da adulação, a não ser fazendo com que os homens entendam que não te ofendem dizendo a verdade; mas, quando todos podem dizer-te a verdade, passam a faltar-te com a reverência. 

Portanto, um príncipe prudente deve proceder por uma terceira maneira, escolhendo em seu Estado homens sábios e somente a eles deve dar a liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais. Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões; depois, de liberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas opiniões. Fora aqueles, não querer ouvir ninguém, seguir a deliberação adotada e ser obstinado nas suas decisões. Quem procede por outra forma, ou é precipitado pelos aduladores, ou muda freqüentemente de opinião pela variedade dos pareceres; daí resulta a sua desestima. 

Quero, a este propósito, aduzir um exemplo atual. Pe. Lucas, homem do atual Imperador Maximiliano, falando de Sua Majestade, disse que ele não se aconselhava com ninguém e não fazia nada a seu modo; isso resultava de ter costume contrário ao acima exposto. Porque o Imperador é homem discreto, não comunica a ninguém os seus desígnios, não pede parecer; mas, como ao serem postos em prática começam a ser conhecidos e descobertos, começam, a ser contrariados por aqueles que o cercam, e ele, como é homem de opinião fraca, os desfaz. Dai resulta que as coisas que faz num dia são destruídas no outro e que não se entenda nunca o que ele quer ou o que deseja fazer, não podendo pessoa alguma basear-se em suas deliberações. 

Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre, mas quando ele queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir. Mas deve ser grande perguntador e, depois, acerca das coisas perguntadas, paciente ouvinte da verdade; antes, notando que alguém por algum respeito não lhe diga a verdade, deve mostrar aborrecimento. Há muitos que entendem que o príncipe que dá de si opinião de prudente, seja assim considerado não pela sua natureza, mas pelos bons conselhos que o rodeiam, porém, sem dúvida alguma, estão enganados, eis que esta é uma regra geral que nunca falha: um príncipe que não seja sábio por si mesmo, não pode ser bem aconselhado, a menos que por acaso confiasse em um só que de todo o governasse e fosse homem de extrema prudência. Este caso poderia bem acontecer, mas duraria pouco, porque aquele que efetivamente governasse, em pouco tempo lhe tomaria o Estado; mas, aconselhando-se com mais de um, um príncipe que não seja sábio, não terá nunca os conselhos uniformes e não saberá por si mesmo harmonizá-los. Cada conselheiro pensará por si e ele não saberá corrigi-los nem inteirar-se do assunto. E não é possível encontrar conselheiros diferentes, porque os homens sempre serão maus se por uma necessidade não forem tornados bons. Consequentemente se conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem nascer da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos bons conselhos.





______________________


Brevíssima biografia de Nicolau Maquiavel

Nicolau Maquiavel
Filósofo político e escritor italiano
Por Dilva Frazão



Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um filósofo político, historiador, diplomata e escritor italiano, autor da obra-prima "O Príncipe". Foi profundo conhecedor da política da época, estudou-a em suas diferentes obras. Viveu durante o governo de Lourenço de Médici. Realista e patriota definiu os meios para erguer a Itália.

Nicolau Maquiavel nasceu em Florença, Itália, no dia 3 de maio de 1469. Sua família de origem Toscana participou dos cargos públicos por mais de três séculos. Filho de Bernardo Maquiavel, jurista e tesoureiro da província de Marca de Ancona e de Bartolomea Nelli, que era ligada às mais ilustres família de Florença.

Interessado pelos problemas de seu tempo, Maquiavel participou ativamente da política de Florença. Com 29 anos, tornou-se secretário da Segunda Chancelaria durante o governo de Piero Soderim. Tinha a seu cargo questões militares de ordem interna como a redação de documentos oficiais. Ocasionalmente, realizou missões diplomáticas envolvendo a França, Alemanha, os Estados papais e diversas cidades italianas, como Milão, Pisa e Veneza...

... A obra “O Príncipe”, escrita por Maquiavel em 1513, e publicada postumamente em 1532, se transformou em sua obra-prima. O livro, um manual sobre a arte de governar, foi inspirado no estilo político de César Bórgia um dos mais ambiciosos comandantes italianos, que ficou conhecido por seu poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Maquiavel viu nele o modelo para os demais governantes da época.

A obra revela a preocupação de Maquiavel com o momento histórico da Itália, fragilizada pela falta de unidade nacional e alvo de invasões e intrigas diplomáticas. Indignado com a decadência política e moral da Itália, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, com o único objetivo de unificar a Itália e criar uma nação moderna e poderosa.

Para Maquiavel, o importante era realizar o desejo projetado, mesmo sob qualquer forma de governo – monarquia ou república, e por qualquer meio, inclusive a violência. Considerava os fatores morais, religiosos e econômicos, que operavam na sociedade como forças que um governante hábil poderia e deveria utilizar para construir um estado nacional forte. Assim, o príncipe com seu exército nacional que substituísse as precárias forças mercenárias, deveria ser capaz de estender seu domínio sobre todas as cidades italianas, acabando com a discórdia.


___________________

Leia também:

Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXIV - Por que os Príncipes da Itália perderam seus Estados
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXII - Dos Secretários Que os Príncipes Têm Junto de Si
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XXI - O Que Convém a um Príncipe Para Ser Estimado
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XX - Se as fortalezas e muitas outras coisas... são úteis ou não
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIX - De como se deva evitar o ser desprezado e odiado
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVIII - De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVII - Da Crueldade e da Piedade
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XVI - Da Liberalidade e da Parcimônia
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XV - Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIV - O Que Compete a Um Príncipe Acerca da Milícia (Tropa)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XIII - Dos Soldados Auxiliares, Mistos e Próprios
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XII - De Quantas Espécies São as Milícias, e dos Soldados Mercenários
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos XI - Dos Principados Eclesiásticos
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos X - Como se deve medir as forças de todos os Principados
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos IX - Do Principado Civil
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VIII - Dos que chegaram ao Principado por Meio de Crimes
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VII - Dos Principados novos que se conquistam com as armas e fortuna...(2)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VII - Dos Principados novos que se conquistam com as armas e fortuna...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos VI - Dos Principados novos que se conquistam com as armas...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos V - De que modo se deve governar as cidades...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos IV Por Que o Reino de Dario, Ocupado por Alexandre, Não se Rebelou...
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos III Dos Principados Mistos (conclusão)
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos II Dos Principados Mistos
Maquiavel - O Príncipe: Capítulos I e II e resenha crítica




Nicolau Maquiavel: Religião e Política se discute sim!





Nenhum comentário:

Postar um comentário