Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
ILUSÕES MORTAS
A Virgílio Várzea
Os meus amores vão-se mar em fora,
E vão-se mar em fora os meus amores,
A murchar, a murchar, como essas flores
Sem mais orvalho e a doce luz da aurora.
E os meus amores não virão agora,
Não baterão as asas multicores,
Como aves mansas – dentre os esplendores
Do meu prazer, do meu prazer de outrora.
Tudo emigrou, rasgando a esfera branca
Das ilusões, – tudo em revoada franca
Partiu – deixando um bem-estar saudoso
No fundo ideal de toda a minha vida,
Qual numa taça a gota indefinida
De um bom licor antigo e saboroso.
O SONHO DO ASTRÓLOGO
As fulgurosas, rútilas estrelas
Como mundos de mundos seculares,
Formando uns arquipélagos, uns mares
De luz – como eu deslumbro o olhar ao vê-las.
Ah! se como eu sei compreendê-las,
Sentir-lhes os seus filtros salutares,
Pudesse, da amplidão fria dos ares,
Arrancá-las, na mão sempre trazê-las;
Que vagalhões de assombros palpitantes
Não me viriam perpassar, faiscantes,
Dentro do ser, nuns doutos murmúrios.
Eu saberia muito mais a causa
Da evolução que nunca teve pausa,
Que é uma audácia transbordando em rios.
CRISTO
Cristo morreu, ó tristes criaturas,
Era matéria como vós, morreu;
E quando à noite sepulcral desceu
Gelou com ele o oceano das ternuras.
Nunca outro sol de irradiações mais puras
Subiu tão alto e tanto resplendeu,
Nunca ninguém tão firme combateu
Da humanidade todas as torturas.
Morreu, que se ele, o Deus, ressuscitasse,
Limpa de sangue e lágrimas a face,
Os seus olhos tranquilos, virginais,
Dons inefáveis corações piedosos,
Tinham de abrir-se muito dolorosos,
Também chorando quando vós chorais!
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Leia também:
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XX - Eterno sonho
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