terça-feira, 8 de março de 2022

Sarau... Mulheres: Os Negrores e os Sóis (Eduardo Galeano)

Mulheres




Eduardo Galeano


08.

OS NEGRORES E OS SÓIS



Uma mulher e um homem celebram, em Buenos Aires, trinta anos de casados. Convidam outros casais daqueles tempos, gente que não se via há anos, e sobre a toalha amarelenta, bordada para o casamento, todos comem, riem, brindam, bebem. Esvaziam umas quantas garrafas, contam piadas picantes, engasgam de tanto comer e rir e trocar tapinhas nas costas. Em algum momento, passada a meia-noite, chega o silêncio. O silêncio entra, se instala; vence. Não há frase que chegue até a metade, nem gargalhada que não soe como se estivesse fora do lugar. Ninguém se atreve a ir embora. Então, não se sabe como, começa o jogo. Os convidados brincam de quem leva mais anos morto. Perguntam-se entre si quantos anos faz que você está morto: não, não, se dizem, vinte anos não: você está diminuindo. Você leva vinte e cinco anos morto. E é isso.

Alguém me contou, na revista, esta estória de velhices e vinganças ocorridas em sua casa na noite anterior. Eu terminava de escutá-la quando tocou o telefone. Era uma companheira uruguaia que me conhecia pouco. De vez em quando vinha me ver para passar informação política, ou para ver o que se podia fazer por outros exilados sem teto nem trabalho. Mas agora não me telefonava para isso. Esta vez telefonava para me contar que estava apaixonada. Disse-me que finalmente tinha encontrado o que havia estado buscando sem saber que buscava e que precisava contar para alguém e que desculpasse o incômodo e que ela tinha descoberto que era possível dividir as coisas mais profundas e queria contar porque é uma boa notícia, não? e não tenho a quem contá-la e pensei.

Contou-me que tinham ido juntos ao hipódromo pela primeira vez na vida e ficaram deslumbrados pelo brilho dos cavalos e dos blusões de seda. Tinham uns poucos pesos e apostavam tudo, certos de que ganhariam, porque era a primeira vez, e tinham apostado nos cavalos mais simpáticos ou nos nomes mais engraçados. Perderam tudo e voltaram a pé e absolutamente felizes pela beleza dos animais e a emoção das corridas e porque eles também eram jovens e belos e capazes de tudo. Agora mesmo, me disse ela, morro de vontade de ir na rua, tocar corneta, abraçar as pessoas, gritar que eu amo e que nascer é uma sorte.



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Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série.


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Las invisibles



Mandaba la tradición que los ombligos de las recién nacidas fueran enterrados bajo la ceniza de la cocina, para que temprano aprendieran cuál es el lugar de la mujer, y que de allí no se sale.

Cuando estalló la revolución mexicana, muchas salieron, pero llevando la cocina a cuestas. Por las buenas o por las malas, por secuestro o por ganas, siguieron a los hombres de batalla en batalla. Llevaban el bebé prendido a la teta y a la espalda las ollas y las cazuelas. Y las municiones: ellas se ocupaban de que no faltaran tortillas en las bocas ni balas en los fusiles. Y cuando el hombre caía, empuñaban el arma.

En los trenes, los hombres y los caballos ocupaban los vagones. Ellas viajaban en los techos, rogando a Dios que no lloviera.

Sin ellas, soldaderas, cucarachas, adelitas, vivanderas, galletas, juanas, pelonas, guachas, esa revolución no hubiera existido.

A ninguna se le pagó pensión.



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