parábolas de uma professora
o patriotismo de fachada
Ensaio 020B – 3ª.ed
baitasar e paulus e marko e kamilá
Rachel, por favor...
a altíssima não reconheceu de imediato quem a chamava, gostava de se elogiar, nos encontros das quatro escudeiras pelos pubs da cidade alegre, da sua habilidade de reconhecer colegas pela voz, Nossa, Rachel, O que foi, Você é vigiadora e controladora, Bem capaz, gurias, O mito da grande mãe, Podem parar, Mas é verdade, você está sempre atenta e vigilante, Isso mesmo, querendo saber de tudo, Vocês acham, gurias, Peito de mulher poderosa, As obrigações não podem engolir nossas percepções, as três riram, O que foi, No seu caso, as obrigações aumentam seu percebimento, Não entendi, estamos aqui para vocês falarem de mim, É um elogio, Rachel, Brindemos a isso, A nós, Uma por todas, E todas...
Um momento, professora Agnes, a Antônia está organizando às inscrições, será o papel da burocracia defender os fracos que ninguém quer defender? não sei, mas para o burocrata é irresistivelmente vitorioso – uma razão para fazer pose – acreditar que emana dele esse arreganhar de dentes caducos que fará mudar o curso da história, acredito que dá para viver sem ele ou, pelo menos, sem a sua dominância, para isso, precisamos de uma outra vida, uma outra anarquia que ainda não aguentamos
Está bem, Rachel, ela empurra o olhar até Antônia com seu lápis 8b inseparável, apontador duplo ao lado do borrachão deformado e manchado de apagões, na sua frente, na fórmica verde, seu caderno de apontamentos com capa dura, já temos alguma inscrição, Antônia?
Não, professora Agnes, responde sem nenhum papelório na voz
Posso, Rachel?
somos pessoas comuns com uma infinidade de virtudes, mas algumas de nós – será que estou sendo boazinha? – não conhecem direito o trabalho, ainda acreditam que basta ensinar ler, escrever, contar sem os dedos e decorar os números da tabuada, nossa jornada está enfraquecida por erros, movimentos inseguros, pensamentos confusos em uma névoa de discussões intermináveis, um cotidiano rachado de falsas premissas nos fragiliza e fragmenta, mas, de alguma maneira precisamos fortalecer o coletivo para não sucumbirmos em bate-bocas e desentendimentos periféricos, Cruzes, eu rindo de mim mesma, pensa sério, Anita... desentendimentos periféricos? também não resisto ao teatro verbal enquanto o espetáculo do cinismo e da hipocrisia segue em frente: escolas privadas – e bem pagas –proporcionam estudos filosóficos, cartesianos, artísticos, laborais, psicofísicos, com muitos encantamentos e convencimentos; escolas públicas caducas, desconfortáveis e tristes com seu português e matemática laboral, a decomposição do prazer de aprender, indiferença com desejar o conhecimento
Por favor, Agnes, continue.
Como já disse, não sou uma grande entendida em Rui Barbosa, concordo em parte com o professor Rodolfo, mas de fato Rui Barbosa estaria se revirando no túmulo? Também não sou especialista em biografias, mas considero um anacronismo dizer que Rui Barbosa não concordaria com as disciplinas de OSPB, Moral e Cívica, e também, com a ditadura cívico-militar a partir de 1964. Ele não viveu esse tempo, mas a partir da vida dele, de quem ele foi e o que ele defendeu, muito provavelmente, e por ter sido oposição a um governo militar, ele faria oposição à ditadura cívico-militar de 64, e a estas disciplinas. Então, professor, no meu modo de ver, não faz sentido os seus argumentos se apoiarem em Rui Barbosa.
Mas então, deixe-me ver se entendi, Agnes... com quais argumentos do professor Rodolfo você concorda, nos surpreenderíamos muito se pudéssemos ver o filme sobre a multidão de personagens que representamos ao falar ou fazer qualquer coisa, somos um almoxarifado de arranjos e exibições desarranjadas
Na verdade, eu não concordo em nada. Talvez, Rui Barbosa se entusiasmasse com o patriotismo verde-amarelo, não esse patriotismo de fachada, excludente e discriminador. Mas qual Rui Barbosa o professor cita e enaltece? O homem Águia de Haia ou o ministro de Deodoro que mandou destruir parte da documentação histórica relacionada ao tráfico escravizador? Estamos falando de um dos intelectuais mais conhecido do seu tempo, coautor da Constituição da Primeira República ou do opositor da vacinação como possível condutora da moléstia e da morte?
a vida e as contradições de tempo histórico
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