sábado, 22 de junho de 2019

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXX - Aspiração

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




OUTROS SONETOS 







ASPIRAÇÃO


Quisera ser a serpe astuciosa 
Que te dá medo e faz-te pesadelos 
Para esconder-me, ó flor luxuriosa, 
Na floresta ideal dos teus cabelos.

Quisera ser a serpe venenosa 
Para enroscar-me em múltiplos novelos, 
Para saltar-te aos seios cor-de-rosa, 
E bajulá-los e depois mordê-los.

Talvez que o sangue impuro e rutilante 
Do teu divino corpo de bacante, 
Sangue febril como um licor do Reno

Completamente se purificasse 
Pois que um veneno orgânico e vorace 
Para ser morto é bom outro veneno.





SENSIBILIDADE


Como os audazes, ruivos argonautas, 
Intrépidos, viris e corajosos 
Que voltam dos orientes fantasiosos, 
Dos países de Núbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas, 
Regressam dos oceanos borrascosos, 
Indo encontrar nos lares harmoniosos 
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece 
A tua imagem, canta e resplandece, 
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco, 
As lágrimas me correm pouco a pouco, 
Como o champanhe virginal dos olhos...




GLÓRIAS ANTIGAS


Rubras como gauleses arruivados, 
Voltam da guerra as hostes triunfantes, 
Trazem nas lanças d’aço lampejantes, 
Os louros das batalhas pendurados.

Os escudos e arneses dos soldados 
Rutilam como lascas de diamantes 
E na armadura os músculos vibrantes, 
Rijos palpitam, batem nervurados.

Dentre estandartes, flâmulas de cores, 
Trazem dos olhos rufos de tambores, 
Ruídos de alegria estranha e louca.

Chegam por fim, à pátria vitoriosa... 
E então, da ardente glória belicosa, 
Há um grito vermelho em cada boca!




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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.



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