Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
MANHÃ
Alta Alvorada. – Os últimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.
Da passarada os vôos condoreiros,
Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrídula batalha
De elementos contrários e altaneiros.
Vozes, trinados, vibrações, rumores
Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vão se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisível taça.
E como um rei num galeão do Oriente
E como um rei num galeão do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.
RIR!
Rir! Não parece ao século presente
RIR!
Rir! Não parece ao século presente
Que o rir traduza, sempre, uma alegria...
Rir! Mas não rir como essa pobre gente
Que ri sem arte e sem filosofia.
Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente
Rir! Mas com o rir atroz, o rir tremente
Com que André Gil eternamente ria. Rir!
Mas com o rir demolidor e quente
Duma profunda e trágica ironia.
Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Antes chorar! Mais fácil nos parece.
Porque o chorar nos ilumina e nos aquece
Nesta noite gelada do existir.
Antes chorar que rir de modo triste...
Antes chorar que rir de modo triste...
Pois que o difícil do rir bem consiste
Só em saber como Henri Heine rir!...
IDEAL COMUM
IDEAL COMUM
(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).
Dos cheirosos, silvestres ananases
Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, voluptuosa,
Os aromas recônditos, vivazes.
Lembras lírios, papoulas e lilases;
Lembras lírios, papoulas e lilases;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplende essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.
Astros, jardins, relâmpagos e luares
Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;
E teus seios, olímpicos, morenos,
E teus seios, olímpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São, como em brumas, solitários rios.
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXII - Símiles
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIV - Lirial
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXV - Visão Medieva
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVI - Vanda
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVII - Êxtase
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVIII - A Partida
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXX - Aspiração
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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