sexta-feira, 6 de março de 2020

Poesia Africana: Aguinaldo Fonseca (Cabo Verde)

Poesia Africana - 18





A mãe negra embala o filho.
Canta, canta para o céu
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...







mãe negra


A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
—Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade...





canção dos rapazes da ilha


Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...
sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.






herança


O meu avô escravo
legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.

As ilhas
por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.

Agora
aqui vivo eu
e aqui hei-de morrer.

Meus sonhos
de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.

Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.

Como tu
também tenho a esmola do luar
e por amante

essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.







Canção dos Rapazes da Ilha


Eu sei que fico.
Mas o meu sonho irá
Levado pelo vento, pelas nuvens, pelas asas.

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...
Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos frutos, nos colares
E nas fotografias da terra,
Comprados por turistas estrangeiros
Felizes e sorridentes.
Eu sei que fico mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Metido na garrafa bem rolhada
Que um dia hei de atirar ao mar.

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá ...

Eu sei que fico
Mas o meu sonho irá
Nos veleiros que desenho na parede.



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Aguinaldo Brito Fonseca - nasceu em Mindelo, Cabo Verde, em 22 de setembro de 1922. Sua poesia é muito difundida na web e em obras coletivas em diversos países. Morreu em Lisboa, 24 de janeiro de 2014. Foi um poeta cabo-verdiano. ... Aguinaldo Fonseca instalou-se em Lisboa em 1945, residindo na Casa dos Estudantes do Império. Viu os seus poemas publicados em vários jornais portugueses de então
Ficou conhecido como "o poeta esquecido", mesmo depois de ter publicado a coleção Linha do Horizonte, em 1951, e de, sete anos mais tarde, ter reunido uma seleção dos poemas no Suplemento Cultural ao Cabo Verde - Boletim de Propaganda e Informação.
A sua poesia, que é bastante difundida na internet e em obras colectivas editadas diversos países, retrata o ardor cívico e expõe firmemente as injustiças sociais.












Círculo


Nascemos, morremos,
Tornamos a nascer em cada sonho, cada ideia, cada gesto.
Cada dia que chega é flor que se abre ao sol
Com novo cheiro, nova cor, nova beleza.
Nossos desejos são asas que se elevam
Cruzando o céu da vida em voo largo
Mas nunca chega, nunca páram
Enquanto corre o sangue e a vida cresce e rola.
O fim de um sonho é o começo de outro
Cada horizonte outro horizonte aponta,
E uma esperança morta outra esperança aquece.
Há magoas, alegrias, desesperos
E a gente insatisfeita
Enquanto ri ou chora
Ou canta ou fica triste
Vai nascendo, morrendo e renascendo
Cada dia, cada hora, cada instante
Noutra vida, noutro sonho, noutra esperança.






Outra terra dentro da nossa terra




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