terça-feira, 17 de março de 2020

Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Cenas da Vida Privada: Memórias de duas jovens esposas (16)

 Honoré de Balzac - A Comédia Humana / Vol 1


1
Estudos de Costumes 
- Cenas da Vida Privada



Memórias de duas jovens esposas





PRIMEIRA PARTE




XVI – DA MESMA PARA A MESMA



Março


Estou toda de branco: tenho camélias brancas nos cabelos e na mão uma camélia branca; minha mãe tem-nas vermelhas: se quiser, eu lhe tomarei uma. Há em mim não sei que vontade de lhe vender sua camélia vermelha por um pouco de hesitação e de não me decidir senão no momento. Estou bem bonita! Griffith pediu-me para que a deixasse contemplar-me um momento. A solenidade desta noite e o drama desse consentimento secreto deram-me cores: em cada face tenho uma camélia vermelha desabrochada sobre uma camélia branca.



Uma hora

Todos me admiraram, somente um sabia adorar-me. Ao ver-me com uma camélia branca na mão, baixou a cabeça, e vi-o empalidecer e ficar branco como a flor que eu segurava, quando tomei uma vermelha das de minha mãe. Vir com as duas flores podia ser obra do acaso, mas aquele ato era uma resposta. Assinei, pois, minha confissão! Levavam Romeu e Julieta, e, como não sabes o que é o dueto de amantes, não podes compreender a felicidade de dois neófitos em amor ao ouvir aquela divina expressão da ternura. Deitei-me ouvindo passos sobre o terreno sonoro da alameda lateral. Oh! Agora, meu anjo, tenho fogo no coração, fogo na cabeça. Que estará ele fazendo? Que pensa? Terá ele um pensamento, um único que me seja estranho? Será sempre o escravo às ordens que me declarou ser? Como verificá-lo? Sentirá ele na alma a mais leve suspeita de que minha aceitação encerra uma censura, um qualquer arrependimento, um agradecimento? Estou entregue a todas as argúcias minuciosas das mulheres de Cyrus e da Astrée,[130] às sutilezas das cortes de amor. Saberá ele que em amor os mais insignificantes atos das mulheres são a terminação de um mundo de reflexões, de combates interiores, de vitórias perdidas? Em que estará ele pensando neste momento? Como ordenar-lhe que me escreva à noite os detalhes do seu dia? Ele é meu escravo, devo ocupá-lo e vou sobrecarregá-lo de trabalhos.



Domingo, pela manhã

Dormi muito pouco, e só agora de manhã. É meio-dia. A meu pedido, Griffith acaba de escrever a seguinte carta:


Ao senhor barão de Macumer

A senhorita de Chaulieu encarregou-me, senhor barão, de lhe pedir a cópia de uma carta que lhe escreveu uma de suas amigas, escrita com sua letra, e que o senhor levou.

Queira receber etc.

Minha querida Griffith saiu, foi à rue Hillerin-Bertin e fez entregar esse bilhete ao meu escravo, que me restituiu fechado num envelope o meu programa, molhado de lágrimas. Obedeceu. Oh! Minha querida, como ele devia prezá-lo! Mas o sarraceno foi o que prometera ser: obedeceu. Estou comovida a ponto de chorar.




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Honoré de Balzac (Tours, 20 de maio de 1799 — Paris, 18 de agosto de 1850) foi um produtivo escritor francês, notável por suas agudas observações psicológicas. É considerado o fundador do Realismo na literatura moderna.[1][2] Sua magnum opus, A Comédia Humana, consiste de 95 romances, novelas e contos que procuram retratar todos os níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão Bonaparte em 1815.

Entre seus romances mais famosos destacam-se A Mulher de Trinta Anos (1831-32), Eugènie Grandet (1833), O Pai Goriot (1834), O Lírio do Vale (1835), As Ilusões Perdidas (1839), A Prima Bette (1846) e O Primo Pons (1847). Desde Le Dernier Chouan (1829), que depois se transformaria em Les Chouans (1829, na tradução brasileira A Bretanha), Balzac denunciou ou abordou os problemas do dinheiro, da usura, da hipocrisia familiar, da constituição dos verdadeiros poderes na França liberal burguesa e, ainda que o meio operário não apareça diretamente em suas obras, discorreu sobre fenômenos sociais a partir da pintura dos ambientes rurais, como em Os Camponeses, de 1844.[1] Além de romances, escreveu também "estudos filosóficos" (como A Procura do Absoluto, 1834) e estudos analíticos (como a Fisiologia do Casamento, que causou escândalo ao ser publicado em 1829).

Balzac tinha uma enorme capacidade de trabalho, usada sobretudo para cobrir as dívidas que acumulava.[1] De certo modo, suas despesas foram a razão pela qual, desde 1832 até sua morte, se dedicou incansavelmente à literatura. Sua extensa obra influenciou nomes como Proust, Zola, Dickens, Dostoyevsky, Flaubert, Henry James, Machado de Assis, Castelo Branco e Ítalo Calvino, e é constantemente adaptada para o cinema. Participante da vida mundana parisiense, teve vários relacionamentos, entre eles um célebre caso amoroso, desde 1832, com a polonesa Ewelina Hańska, com quem veio a se casar pouco antes de morrer.


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Balzac, Honoré de, 1799-1850. 
          A comédia humana: estudos de costumes: cenas da vida privada / Honoré de Balzac;                            orientação, introduções e notas de Paulo Rónai; tradução de Vidal de Oliveira; 3. ed. – São                  Paulo: Globo, 2012. 

          (A comédia humana; v. 1) Título original: La comédie humaine ISBN 978-85-250-5333-1                    0.000 kb; ePUB 

1. Romance francês i. Rónai, Paulo. ii. Título. iii. Série. 

12-13086                                                                               cdd-843 

Índices para catálogo sistemático: 
1. Romances: Literatura francesa 843

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[130] Todas as argúcias minuciosas das mulheres de Cyrus e da Astrée: trata-se de Le Grand Cyrus, romance À clef heroico-precioso, da srta. de Scudéry (1608-1701), e Astrée, romance pastoral de Honoré d’Urfé (1568-1625), obras que nos parecem hoje frívolas e de um gosto bastante duvidoso, cheias de minúcias psicológicas e de infinitas complicações sentimentais.

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Leia também:

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A comédia humana
- Glória Carneiro do Amaral






Introdução: Lendo a Comédia Humana





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