Simone de Beauvoir
02. A Experiência Vivida
O SEGUNDO SEXO
SlMONE DE BEAUVOIR
SlMONE DE BEAUVOIR
continuando...
Muitos meninos, assustados com a dura independência a que são condenados, almejam então ser meninas; nos tempos em que no início os vestiam como elas, era muitas vezes com lágrimas que abandonavam o vestido pelas calças, e viam cortar-lhes os cachos. Alguns escolhem obstinadamente a feminilidade, o que é uma das maneiras de se orientar para o homossexualismo: "Desejei apaixonadamente ser menina, e levei a inconsciência da grandeza de ser homem até pretender urinar sentado", conta Maurice Sachs em Le Sabbat. Entretanto, se o menino se apresenta a princípio como menos favorecido do que as irmãs, é que lhe reservam maiores desígnios. As exigências a que o submetem implicam imediatamente uma valorização. Em suas recordações, Maurras conta que tinha ciúmes de um caçula que a mãe e a avó tratavam com mais carinho: o pai pegou-o pela mão e levou-o para fora do quarto; "Nós somos homens; deixemos aí essas mulheres", disse-lhe. Persuadem a criança de que é por causa da superioridade dos meninos que exigem mais dela; para encorajá-la no caminho difícil que é o seu, insuflam-lhe o orgulho da virilidade; essa noção abstrata reveste para ele um aspecto concreto: encarna-se no pênis; não é espontaneamente que sente orgulho de seu pequeno sexo indolente; sente-o através da atitude dos que o cercam. Mães e amas perpetuam a tradição que assimila o falo à ideia de macho; seja porque lhe reconhecem o prestígio na gratidão amorosa ou na submissão, seja porque constitua para elas um revide reencontrá-lo na criança sob uma forma humilhada, o fato é que tratam o pênis infantil com uma complacência singular. Rabelais diz-nos dos folguedos das amas de Gargântua [1]; a história registrou os das amas de Luís XIII. Mulheres menos impudentes dão entretanto um apelido gentil ao sexo do menino a falam-lhe dele como de uma pequena pessoa que é a um tempo ele próprio e um outro; fazem desse sexo, segundo a expressão já citada, "um alter ego geralmente mais esperto, mais inteligente e mais hábil do que o indivíduo" [2]. Anatomicamente, o pênis presta-se muito bem a esse papel; separado do corpo, apresenta-se como um pequeno brinquedo natural, uma espécie de boneca. Valorizam portanto a criança valorizando-lhe o duplo. Um pai contava-me que um de seus filhos com a idade de três anos ainda urinava sentado; cercado de irmãs e primas, era uma criança tímida e triste; um dia o pai levou-o ao W. C. dizendo-lhe: "Vou te mostrar como fazem os homens". A partir de então o menino, orgulhoso de urinar em pé, desprezou as meninas "que mijam por um buraco"; seu desdém provinha originalmente, não do fato de carecerem de um órgão, mas sim pelo de não terem sido distinguidas e iniciadas pelo pai. Assim, longe de o pênis ser descoberto como um privilégio imediato de que o menino tiraria um sentimento de superioridade, sua valorização surge, ao contrário, como uma compensação — inventada pelos adultos e ardorosamente aceita pela criança — para as durezas da última desmama; deste modo, ela se acha defendida contra a saudade de não ser mais uma criança de peito, de não ser uma menina. Posteriormente, o menino encarnará em seu sexo sua transcendência e sua soberania orgulhosa [3].
(1) ". . . E já começava a exercitar a piroca que todos os dias suas governantas enfeitavam com lindos ramalhetes, fitas bonitas, belas flores, vistosas borlas, passando o tempo a alisá-la como se fosse um tudo de unguento e arrebentando de rir quando ela endurecia, como se a brincadeira lhes agradasse. Uma a chamava de meu batoquinho, outra de meu pinhão, outra de meu tronco de coral; outra de meu tampão, minha rolha, minha varinha, meu boticão, minha verruma, meu penduricalho e t c . . . " (Tradução de Aristides Lobo.)
(2) A. Balint, La vie intime de l'enfant; cf. vol. I, págs. 68-69.
(3) Ver vol. I, págs. 68-69.
A sorte da menina é muito diferente. Nem mães nem amas têm reverência e ternura por suas partes genitais; não chamam a atenção para esse órgão secreto de que só se vê o invólucro e não se deixa pegar; em certo sentido, a menina não tem sexo. Não sente essa ausência como uma falha; seu corpo é evidentemente uma plenitude para ela, mas ela se acha situada no mundo de um modo diferente do menino e um conjunto de fatores pode transformar a seus olhos a diferença em inferioridade.
Há poucas questões mais discutidas pelos psicanalistas do que o famoso "complexo de castração" feminino. Em sua maioria, admitem eles hoje que o desejo de um pênis se apresenta, segundo os casos, de maneira muito diferente [4]. Primeiramente, há muitas meninas que ignoram, até idade avançada, a anatomia masculina. A criança aceita naturalmente que haja homens e mulheres como há um sol e uma lua: ela acredita em essências contidas nessas palavras e sua curiosidade não é a princípio analítica. Para muitas outras, o pedacinho de carne que pende entre as pernas do menino é insignificante e até irrisório; é uma singularidade que se confunde com a das roupas e do penteado; é, muitas vezes, num irmãozinho recém-nascido que ela descobre essa singularidade e, "quando a menina é muito pequena", diz H. Deutsch, "não se impressiona com o pênis do irmãozinho"; e cita o exemplo de uma menina de dezoito meses que permaneceu absolutamente indiferente à descoberta do pênis e só lhe deu valor muito mais tarde, em relação com suas preocupações pessoais. Acontece mesmo que o pênis seja considerado uma anomalia: é uma excrescência, uma coisa vaga que pende como um lobinho, uma teta, uma verruga; pode inspirar repugnância. Enfim, há casos numerosos em que a menina se interessa pelo pênis do irmão ou de um colega, mas isso não significa que sinta uma inveja propriamente sexual e ainda menos que se sinta profundamente atingida pela ausência desse órgão; ela deseja apossar-se dele como almeja apossar-se de qualquer objeto; mas esse desejo pode permanecer superficial.
(4) Além das obras de Freud e Adler, existe sobre o assunto uma abundante literatura. Abraham foi o primeiro a emitir a ideia de que a menina considerava seu sexo como um ferimento resultante de uma mutilação. Karen Horney, Jones, Jeanne Lampt de Groot, H. Deutsch, A. Balint estudaram a questão de um ponto de vista psicanalítico. Saussure procura conciliar a psicanálise com as idéias de Piaget e Luquet. Ver também Pollack, Les idées des enfants sur la différence des sexes.
É certo que as funções excretórias, e particularmente as funções urinárias, interessam apaixonadamente as crianças: urinar na cama é muitas vezes um protesto contra a preferência demonstrada pelos pais por outro filho. Há países em que os homens urinam sentados e acontece que mulheres urinem de pé: fazem-no habitualmente muitas camponesas; mas, na sociedade ocidental contemporânea, querem geralmente os costumes que elas se agachem, ficando os homens de pé. Essa diferença é para a menina a diferenciação sexual mais impressionante. Para urinar, ela precisa agachar-se, despir-se e portanto esconder-se: é uma servidão vergonhosa e incômoda. A vergonha aumenta nos casos freqüentes em que sofre de emissões urinárias involuntárias, nos casos de ataques de riso, por exemplo; o controle é menos seguro nela do que nos meninos. Nestes, a função urinária apresenta-se como um jogo livre que tem a atração de todos os jogos em que a liberdade se exerce; o pênis deixa-se manipular e através dele pode-se agir, o que constitui um dos interesses profundos da criança. Uma menina, vendo um menino urinar, declarou com admiração: "Como é cômodo!" [5]. 0 jato pode ser dirigido à vontade, a urina lançada longe: o menino aufere disso um sentimento de onipotência. Freud falou "da ambição ardente dos antigos diuréticos"; Stekel discutiu com bom senso a fórmula, mas é verdade, como diz Karen Horney [6], que "fantasias de onipotência, principalmente de caráter sádico, associam-se muitas vezes ao jato masculino de urina"; esses fantasmas que sobrevivem em alguns homens [7] são importantes na criança. Abraham fala do grande prazer "que as mulheres experimentam em regar o jardim com uma mangueira"; e creio, de acordo com as teorias de Sartre e Bachelard [8], que não é necessariamente [9] a assimilação da mangueira ao pênis que é fonte desse prazer; todo jato de água se apresenta como um milagre, um desafio à gravidade: dirigi-lo, governá-lo é obter uma pequena vitória sobre as leis naturais. Em todo caso, há nisso, para o menino, um divertimento quotidiano que não está ao alcance de suas irmãs. Ele permite, demais, principalmente no campo, estabelecer através do jato urinário múltiplas relações com as coisas: água, terra, espuma, neve etc. Há meninas que, para conhecer tais experiências, se deitam de costas e tentam fazer a urina "esguichar para cima", ou que se exercitam em urinar em pé. Segundo Karen Horney, invejariam igualmente aos meninos a possibilidade de exibição que lhes é dada. E conta: "Uma doente exclamou subitamente, depois de ter visto na rua um homem urinando: Se pudesse pedir alguma coisa à Providência, seria poder urinar, uma única vez na vida, como um homem". Parece às meninas que o menino, tendo direito de bulir no pênis, pode servir-se dele como de um brinquedo, ao passo que os órgãos femininos são tabus. Que esse conjunto de fatores torne desejável a muitas delas a posse de um sexo masculino, é um fato que bom número de inquéritos e de confidencias recolhidas por psiquiatras testemunham. Havelock Ellis, em O Ondinismo, sobretudo quando cita as palavras de uma paciente que designa pelo nome de Zênia: "O ruído de um jato de água sair de uma longa mangueira, sempre foi muito excitante para mim, lembrando-me o jato de urina observado durante minha infância em meu irmão e mesmo em outras pessoas". Outra paciente, Mme R. S., conta que, quando criança, gostava de segurar o pênis de um colega; um dia deram-lhe um tubo de regar: "Pareceu-me delicioso segurá-lo como se segurasse um pênis". Ela insiste no fato de que o pênis não tinha para ela nenhum sentido sexual; só sabia que servia para urinar. O caso mais interessante é o de Florrie, recolhido por Havelock Ellis (Estudos de Psicologia Sexual, t. 13) e cuja análise Stekel retomou posteriormente. Dou portanto aqui o relato minucioso do caso:
Trata-se de uma mulher muito inteligente, artista, ativa, biologicamente normal e não invertida. Conta ela que a função urinária desempenhou papel importante em sua infância; brincava de jogos urinários com os irmãos e molhavam as mãos sem nenhuma repugnância: "Minhas primeiras concepções da superioridade dos homens relacionaram-se com os órgãos urinários. Ressentia-me da Natureza por me ter privado de um órgão tão cômodo e tão decorativo. Nenhuma chaleira privada de seu bico jamais se achou tão miserável. Ninguém precisou insuflar-me a teoria da predominância e da superioridade masculinas. Tinha uma prova constante sob os olhos". Ela própria experimentava grande prazer em urinar no campo. "Nada se lhe afigurava comparável ao ruído encantador do jato sobre as folhas mortas em um recanto de bosque e ela observava-lhe a absorção. Mas o que mais a fascinava era urinar na água." É um prazer a que muitos meninos são sensíveis e há toda uma série de estampas pueris e vulgares que mostram meninos urinando em tanques ou regatos. Florrie queixa-se de que a forma de suas calças a impedia de se entregar às experiências que quisera tentar; muitas vezes durante os passeios no campo, acontecia-lhe reter a urina o mais possível e, bruscamente, aliviar-se de pé. "Recordo perfeitamente a sensação estranha e proibida desse prazer e também meu espanto de que o jato pudesse sair quando eu estava em pé." A seu ver, as formas das roupas infantis têm 'muita importância na psicologia da mulher em geral. "Não foi apenas para mim uma fonte de aborrecimentos ter de desfazer-me de minha calça e depois abaixar-me para não lhe sujar a frente. A parte de trás , que deve ser puxada e deixa as nádegas a nu, explica por que, em muitas mulheres, o pudor situa-se atrás e não na frente. A primeira distinção sexual que se impôs a mim, na verdade, a grande diferença, foi verificar que os meninos urinavam de pé e as meninas agachadas. Foi provavelmente assim que meus mais antigos sentimentos de pudor se associaram às minhas nádegas mais do que a meu púbis." Todas essas impressões assumiram, em Florrie, importância extrema porque o pai a chicoteava frequentemente até o sangue e uma governante, certa vez, a surrara a fim de obrigá-la a urinar; ela era obcecada por sonhos e fantasias masoquistas em que se via açoitada por uma preceptora sob os olhos de toda a escola e urinando, então, contra a vontade, "ideia que me causava uma sensação de prazer realmente curiosa". Aos 15 anos, aconteceu-lhe urinar de pé, na rua deserta, instada por uma necessidade urgente. "Analisando minhas sensações, penso que a mais importante era a vergonha de estar em pé e o comprimento do trajeto que o jato deveria percorrer entre mim e a terra. Essa distância fazia disso algo importante e risível, ainda que q vestido o escondesse. Na atitude habitual havia um elemento de intimidade. Criança, mesmo grande, o jato não podia percorrer um longo trajeto; mas, com 15 anos e alta, senti vergonha em pensar no comprimento do trajeto. Tenho certeza de que as senhoras as quais me referi [10], que fugiram apavoradas do mictório moderno de Portsmouth, consideraram muito indecente para uma mulher ficar em pé e de pernas abertas, levantar as saias e projetar tão longo jato por baixo." Florrie recomeçou aos vinte anos a experiência e a repetiu, posteriormente, muitas vezes; sentia uma mistura de volúpia e de vergonha à ideia de que podia ser surpreendida, sendo-lhe impossível parar. "O jato parecia sair de mim sem meu consentimento e, no entanto, causava-me maior prazer do que se o houvesse feito voluntariamente [11] Essa sensação curiosa de que é tirado de nós por algum poder invisível, que decidiu que o faríamos, é um prazer exclusivamente feminino e de um encanto sutil. Há um encanto agudo em sentir a torrente sair em virtude de uma força mais poderosa do que nós mesmas." Posteriormente, Florrie desenvolveu em si um erotismo flagelatório sempre acompanhado de obsessões urinárias.
(5) Citado por A. Balint.
(6) "The genesis of castration complex in women", The International Journal of Psycho-Analysis, 1923-1924.
(7) Cf. Montherlant, Les Chenilles e Solstice de Juin.
(8) Ver vol. I, 1» parte, cap. 2.
(9) Em certos casos é entretanto manifesta.
(10) Alusão a um episódio que contara anteriormente; tinham inaugurado, em Portsmouth, um mitorio moderno para mulheres, que exigia posição vertical: todas as necessitadas saíam imediatamente.
(11) O grifo é de Florrie.
Esse caso é muito interessante porque focaliza vários elementos da experiência infantil. Mas são evidentemente circunstâncias singulares que lhes conferem tão exagerada importância. Para as meninas normalmente educadas, o privilégio urinário do menino é coisa demasiado secundária para engendrar diretamente um sentimento de inferioridade. Os psicanalistas que supõem, segundo Freud, que a simples descoberta do pênis bastaria para engendrar um traumatismo, desconhecem profundamente a mentalidade infantil; esta é muito menos racional do que parecem imaginar; ela não põe categorias definitivas e não se embaraça com a contradição. Quando a menina, ainda muito pequena, declara: "Também tive um" ou "também terei um" ou até "também tenho um", não se trata de uma defesa de má-fé; a presença e a ausência não se excluem; a criança — como o provam seus desenhos — acredita muito menos no que vê com seus olhos do que nos tipos significativos que fixou de uma vez por todas: desenha muitas vezes sem olhar e, em todo caso, só encontra em suas percepções o que nelas projeta. Saussure [12], que insiste justamente neste ponto, cita esta importante observação de Luquet: "Uma vez reconhecido errado, o traçado é como inexistente, a criança literalmente não mais o vê como que hipnotizada pelo traçado novo que o substitui, da mesma maneira que não leva em conta as linhas que podem encontrar-se acidentalmente em seu papel". A anatomia masculina constitui uma forma forte que amiúde se impõe à menina; e literalmente ela não vê mais seu próprio corpo. Saussure cita o exemplo de uma menina de 4 anos que, tentando urinar como um menino por entre as barras de uma grade, dizia que desejava "um negocinho comprido que escorre". Afirmava ao mesmo tempo possuir um pênis e não o possuir, o que concorda com o pensamento por "participação" que Piaget descreveu nas crianças. A menina pensa de bom grado que todas as crianças nascem com um pênis, mas que, depois, os pais cortam alguns para fazer as mulheres; essa ideia satisfaz o artificialismo da criança que, divinizando os pais, "concebe-os como a causa de tudo o que ela possui", diz Piaget. Não vê a princípio uma punição na castração. Para que esta assuma um caráter de frustração, é preciso que a menina já se ache, por uma razão qualquer, descontente com sua situação. Como justamente observa H. Deütsch, um acontecimento exterior, como a visão de um pênis, não poderia comandar um desenvolvimento interno: "A visão do órgão masculino pode ter um efeito traumático, diz ela, mas somente com a condição de que a tenha precedido uma série de experiências anteriores, suscetíveis de provocar esse efeito". A menina projetará sua insatisfação no órgão masculino se se sentir, por exemplo, incapaz de realizar seus desejos de masturbação ou exibição, se seus pais reprimirem seu onanismo, se ela tiver a impressão de ser menos querida, menos estimada do que seus irmãos. "A descoberta, feita pela menina, da diferença anatômica com o menino é a confirmação de uma necessidade que sentiu anteriormente, uma racionalização, por assim dizer, dessa necessidade" [13]. E Adler insistiu justamente no fato de que é a valorização efetuada pelos pais e pelo ambiente que dá ao menino o prestígio, de que o pênis se torna a explicação e o símbolo, aos olhos da menina. Ela considera o irmão superior; ele próprio orgulha-se de sua virilidade; ela o inveja então e sente-se frustrada. Por vezes, toma-se de rancor contra a mãe, mais raramente contra o pai; ou então acusa-se a si própria de se ter mutilado, ou consola-se pensando que o pênis se acha escondido dentro de seu corpo e que um dia aparecerá.
(12) "Psychogenèse et Psychanalyse", Revue Française de Psychanalyse, 1933.
(13 ) Cf. H. Deutsch, Psychology of Women. Ela cita também a autoridade de R. Abraham e J. H. Wram Ophingsen.
continua página 19...
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As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.
- O segundo sexo e a condição da mulher
Simone de Beauvoir
- Porque Sou Feminista (1975)
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