Mulheres
Eduardo Galeano
023.
A MOÇA DA CICATRIZ NO QUEIXO
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Coloquei as fotos no chá para envelhecê-las. Apaguei letra por letra com uns ácidos franceses que tinha guardado. Passei um solvente sobre a impressão digital e depois cola de farinha de trigo e borracha de tinta. Alisei as folhas com ferro de passar roupa morno. O passaporte ficou nu. Fui vestindo-o pouco a pouco. Deixei marcas de carimbos e fiz assinaturas. Depois friccionei as folhas com as unhas.
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Aproximava-se o fim do ano. Fazia um mês que Flávia estava ali. A lua
nasceu com os cornos para cima.
Longe, não tão longe, alguém se emputecia, alguém se despedaçava,
alguém ficava louco de solidão ou de fome. Apertava-se um botão: a máquina
zumbia, crepitava, abria as mandíbulas de aço. Um homem conseguia depois de
muito tempo ver seu filho preso através de uma grade, e o reconhecia somente
pelos sapatos marrons que tinha dado de presente a ele.
– Faça com que esses cachorros se calem.
Flávia sentia-se culpada por comer comida quente duas vezes ao dia, ter
abrigo no inverno e liberdade. Ela me disse:
– Faça com que esses cachorros se calem. Se eles se calam, eu fico.
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Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres / Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.
1. Ficção uruguaia- Crônicas. I. Título. II. Série._________________
Leia também:
Sarau... Mulheres: Amares
Sarau... Mulheres: A moça da cicatriz no queixo 8 e 9
pag 033...
Llorar
Fue en la selva, en la Amazonia ecuatoriana. Los indios shuar estaban llorando a
una abuela moribunda. Lloraban sentados, a la orilla de su agonía. Un testigo,
venido de otros mundos, preguntó:
—¿Por qué lloran delante de ella, si todavía está viva?
Y contestaron los que lloraban:
—Para que sepa que la queremos mucho.
segue en la pag 26
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