domingo, 2 de abril de 2017

O Amor

Vladimir Maiakovski







O Amor
Gal Costa

Talvez
Quem sabe
Um dia
Por uma alameda
Do zoológico
Ela também chegará
Ela que também
Amava os animais
Entrará sorridente
Assim como está
Na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
Ela é tão bonita
Que na certa
Eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias

Agora vamos alcançar
Tudo o que não
Podemos amar na vida
Com o estrelar
Das noites inumeráveis

Ressuscita-me
Ainda
Que mais não seja
Porque sou poeta
E ansiava o futuro

Ressuscita-me
Lutando
Contra as misérias
Do cotidiano
Ressuscita-me por isso

Ressuscita-me
Quero acabar de viver
O que me cabe
Minha vida
Para que não mais
Existam amores servis

Ressuscita-me
Para que ninguém mais
Tenha de sacrificar-se
Por uma casa
Um buraco

Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme

E o pai
Seja pelo menos
O Universo
E a mãe
Seja no mínimo
A Terra
A Terra
A Terra



Composição: Caetano Veloso / Ney Costa Santos / V. Mayakovsky






...
Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
          numa alameda do zoo,
sorridente,
                 tal como agora está
                     no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
                              ultrapassará o enxame
de mil nadas,
                       que  dilaceravam o coração.
Então,
         de todo amor não terminado
seremos pagos
                       em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
                       nem que seja só porque te esperava
                                                          como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano!
Ressuscita-me,
                       nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
                        Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja escravo
de casamentos,
         concupiscência,
                                salários.
Para que o dia,
                          que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
                                         - Camaradas!
atenta se volte a terra inteira.
Para viver
                livre dos nichos das casas.
Para que
               doravante
                            a família
                                          seja
o pai,
        pelo menos o Universo;
a mãe,
        pelo menos a Terra.














Fragmentos


1

Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos
              despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto
                                      no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão
                                                     penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso


2

Passa da uma
                   você deve estar na cama
Você talvez
                 sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
                         Para que acordar-te
com o
        relâmpago
                       de mais um telegrama


3

O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano


4

Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo


5

Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.


(tradução: Augusto de Campos)








O poeta pede ao seu amor que lhe escreva


Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.
Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.







Tu


Entraste.
A sério, olhaste
a estatura,
o bramido
e simplesmente adivinhaste:
uma criança.
Tomaste,
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
E todas,
como se vissem um milagre,
senhoras e senhorias exclamaram:
- A esse amá-lo?
Se se atira em cima,
derruba a gente!
Ela, com certeza, é domadora!
Por certo, saiu duma jaula!
E eu de júbilo
esqueci o julgo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio,
tão leve,
tão bem me sentia.





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