Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 4
o definitivo império do brasilcapítulo 4
§ 33 – Um lance de liberalismo – “Quero já”
Num mundo político derivado diretamente do estado português bragantino, quase unânime em bacharéis de Coimbra, uma vez inclinado a descer, a degradação foi pronta e, desgraçadamente, definitiva. De começo, a oposição aos políticos do regresso era somente a dos liberais a Feijó. Não tardou, porém, que o poderio áspero de Vasconcelos despertasse despeito nuns, impaciência noutros, e, sem demora, se formou a segunda onda de oposição amadrinhada no rótulo de liberal. Os ingênuos radicais pensaram que podiam aproveitar o concurso da nova oposição, e, amparando-se no príncipe, abater a oligarquia de escravocratas, com o seu séquito de mercenários... Destarte, no mesmo bando, com o odiento Martim Francisco, o trêfego Holanda Cavalcanti, e o arquirreacionário Vilela Barbosa, completado pelo inefável Conde de Lages. Ao lado desses constantes inimigos da democracia brasileira, tomaram lugar os que ainda restavam dos tradicionais defensores das liberdades nacionais – Vergueiro, Alencar... que serviram de engodo para os novos radicais – Alvares Machado, cônego Marinho, Otoni, Nunes Machado. À turma dos conservadores, em renovação de misérias, veio juntar-se o futuro Montalegre, sobrepeso excelente, na balança dos Hermeto, Araújo Lima, Rodrigues Torres, Araújo Viana, Soares de Sousa... Por fora, girava o marcialismo dos Limas, para garantir o governo, fosse quem fosse. De uma tal gente, com tais motivos, que é que se podia esperar para o Brasil?... Produziu-se uma falsa crise, com refalsados intuitos. Criaram-na e dominaram-na os sôfregos de poder. Como havia o menino imperador, para ele se voltaram os mesmos sôfregos. Em 1835, já Luiz Cavalcanti apresentara um projeto – estatuindo a que a maioridade do imperador fosse recuada aos quatorze anos.136
Restavam laivos de vergonha, e o projeto nem foi julgado objeto de deliberação. Em 1836-37, ansioso por arrancar o poder a Feijó, Vasconcelos levantou, por fora do parlamento, a ideia da regência da princesa Januária. Ele pressentia que trazida ao supremo poder por sua mão, ela lhe entregaria o Brasil. Resquícios de pudor político contiveram os homens a quem ele se associara, e tudo não passou de ideia vã, Apontado esse caminho – de assalto
136 O Conde de Lages fora do ministério de Paranaguá, de 5 de abril de 1831, ministério que, por tão deslavadamente reacionário, provocou a revolução de 7 de abril. Paranaguá foi o digno condestável, em 1842, para a patacoada da coroação.
ao poder, em fins de 1839 os adversários de Vasconcelos tomaram por aí: Montezuma, nos seus modos destemperados, fez ressurgir o projeto de Luiz Cavalcanti, e toda a política passou a fazer-se em torno da maioridade. Foi uma campanha rápida, sem nenhum perigo, e, dada a degradação geral, sem receios de insucesso. Os maioridadores, cujos passos eram cuidadosamente seguidos por José Clemente, tiveram no sucesso deste, em 1822, uma preciosa lição; “Quero já” é o parelha, completamente natural, do – “Fico”. Numa política que se reduzira a transigências tecidas em insinceridades, com o fim explícito de regresso; quando o melhor recurso – o único confessável, era a sisudez vazia e moderada, o caráter já patenteado do imperante foi uma sugestão a que todos cederam. Habsburgo, feito numa corte ridícula e frusta, cuja melhor tradição era a de D. João VI, Pedro II veio a ser o adolescente circunspecto, alheio a puerícias, avesso a arroubos de juventude, e cujo melhor elogio estava em que “ainda não tinha atingido a idade dos quinze anos... os que o conheciam prestavam homenagem sincera às suas qualidades de reflexão, prudência... ao procedimento grave...”
Prevendo os resultados da campanha da maioridade, Araújo Lima, que já conformara a espinha no beija-mão, afanoso em garantir a sua situação junto ao trono, foi esclarecer o caso, e saber os desejos da imperial criança.
Majestade, teria ele falado, a oposição anda a fazer o jogo político de promover a vossa maioridade; com o açodamento com que a querem proclamar, é uma deslavada ilegalidade... Esta semana, mesmo os conservadores farão passar uma lei proclamando-vos maior, e sem demora estareis no trono, se tanto o quiserdes.
Pedro II aquiesceu em que – era esse o modo mais legítimo de maiorar-se, e que esperaria pela solução de Bernardo de Vasconcelos e a sua gente... Tal nos garante o Sr. P. da Silva; mas, fosse impaciência de criança,137 fosse capricho de ser proclamado revolucionariamente, como o seu augusto antecessor, a verdade é que o imperial adolescente, com toda a sua circunspecção, aceitou o oferecimento da minoria parlamentar – para escalar o trono, passando embora por sobre a Constituição.
E o país conheceu, então, a mais sinistra das revoluções, sinistra nos fatores, sinistra na forma e nos efeitos. Não houve como esconder a monstruosidade da coisa: “Foi a maioridade um ato intempestivo e revolucionário, que agitou o país sem necessidade... foi um movimento que saiu da órbita da lei e da legalidade; não se atendeu mais, nem à constituição, nem ao corpo legislativo...”138 O homem da Fundação é igualmente peremptório nos conceitos: “Outra revolução proclamou a maioridade antes da época marcada para ela... revolução feita pelas minorias das duas casas do parlamento, reunidas sem caráter oficial, nos paços do senado...”139 Sim, foi uma revolução, mas faltou-lhe tudo que dá nobreza e justifica tais crises. Faltou-lhe inspiração desinteressada, espírito de sacrifício, realidade de riscos, força de motivos e de resistências a vencer, diferença de nível a escalar.
Com isso, foi a mais descabelada e mais enervante das agitações, para os maus efeitos de desorientação dos espíritos, abalo das instituições, falseamento das tradições, derrama de ódios... Um salto num tremedal! E, para quê? Para que saísse Vasconcelos e viesse Antonio Carlos, pela mão de Vilela Barbosa... sob um principete que, desde logo, mostrou como entendia a sua função moderadora: antes de quatro meses, antes que o gabinete resultante da revolução tivesse tempo de “fazer melhoramento ou reforma, despediu-o – para trazer ao governo os escravocratas de
137 Isto mesmo se lê nas entrelinhas do zangado manifesto de Bernardo de Vasconcelos, em resposta ao golpe que deu o poder aos liberais maioriadistas.
138 História Pátria, pág. 371.
139 De 1831 a 1840 , pág. 332.
Vasconcelos. De permeio, a nação teve a medida de degradação a que tinha chegado essa gente. Nos lances do movimento todo realizado nas casas do parlamento, Hermeto, aquele que por apego à legalidade fora até a traição; Hermeto, à vista do trono da criança, abandonou todas as convicções constitucionais: “É um golpe de estado, dizia para os maioridadistas; assusta-me, mas submeto-me à sabedoria dos que descobriram esse grande remédio para o mal do momento; não tenho razões para combatê-lo”. Um Navarro, safa-se de entre as pernas bambas de Vasconcelos, para ser um dos mais afogueados maioridadistas; o pequeno Álvares Machado, convida enfaticamente o povo indiferente – para fazer revolução, enquanto Antonio Carlos, sem mais delongas, grita para o recinto dos deputados: “Abandonemos esta Câmara prostituída!” Ele tinha razão... teria inteira razão, desde que fizesse a corrigenda de que – não só a Câmara, mas tudo se prostituíra. O espetáculo era para náuseas: um punhado de liberais desorientados, num torvelinho de pulhas, que só se aventuravam porque se amadrinhavam com um trono. A Câmara era aquilo, e o Senado?... Apresentada a proposta de maioridade, não houve, ali, onde assentavam as instituições; não houve, marquês, ou não, quem se levantasse, para atacá-la, ou para defendê-la. Na votação, foram 16 x 18, e viu-se Paranaguá contra Maricá, Vergueiro opondo-se a Alves Branco, Holanda Cavalcanti contra Caravelas... Já fora dos trâmites constitucionais, manifesta-se, então, Paranaguá, a convidar os presentes para um arremedo de sessão revolucionária, ali mesmo, sessão em que ele foi o liberal-revolucionário em chefe. Como consagração da vitória, organizou o típico ministério da maioridade: 2 vezes 2 irmãos, um sobrinho, aglutinados pelo moderatismo de Limpo de Abreu.
Embuste em 1822, malogro em 1831, ostensivo regresso conservador em 1837, revolução palaciana em 1840, a política nacional teve de ser o entendido paul, donde saímos para esta república, que já é asfixia, como é a mais sensível traição aos ideais de democracia do que a dos carcereiros de 1832, dos interpretadores de 1839, e dos farsistas bajuladores de 1840. De todo modo, a maioridade foi a escala geral – a convergência definitiva, dos emaranhamentos e transigências da definitiva política. Depois, não houve mais em que transigir, nem o que perverter. Já estava iniciada a obra de destruição das poucas liberdades conquistadas com o 7 de Abril, e, agora, a destruição se acentuou, sistemática, e inexorável. Timandro dirá: “Oito meses depois da maioridade, o novo reinado constituía-se solidário e continuador do antigo, e riscava da nossa história o grande fato da revolução”.
Já o notamos: não foi Pedro II quem provocou o desvirtuamento, a corrupção, a inanidade de ideias, da política nacional; foi, porém, quem lucrou definitivamente com isto, para reinar como poder incontrastável; foi quem sistematizou os processos corrosivos de caráter; foi quem presidiu e conduziu toda a subsequente degradação da vida pública, em liberalismo vazio, e insincera legalidade. O adolescente do Quero já,140 correspondeu à revolução que o elevou.
140 Interrogado, já na madureza – se havia realmente respondido Quero já, Pedro II fugiu à responsabilidade do caso, respondendo que não se lembrava. Mas, se há dito histórico comprovado é este: todos os historiadores, inclusive os da época, o consignam; atestam-no muitos dos principais comparsas, como Otoni; por outro lado, o adversário Vasconcelos também o afirma. Em todo caso, se não foram proferidas tais palavras houve a substância dos fatos a que elas respondem: o imperial adolescente esteve em confabulação com os Andradas, por intermédio do seu médico Meireles; por precaução – para frustrar a revolução, o governo da Regência, quis mandar o imperial adolescente para a fazenda de Santa Cruz; os Andradas avisaram o príncipe, e este lhes mandou dizer, pelo mesmo Meireles, que – não iria...
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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O Brasil nação - v1: § 34 – A crosta que se refaz... - Manoel Bomfim
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