mulheres descalças
o abebé de oxum e o hôme de vivê junto
Ensaio 100B – 2ª edição 1ª reimpressão
Ensaio 100B – 2ª edição 1ª reimpressão
baitasar
Oiá só, Fumaça, a voz da preta tava pura alegria e já cortejava as duas visita, num tava pasma, num tinha espanto nem susto, parecia já sabê daquele aparecimento, veja quem as reza chamô e eles aceitô o chamado. É bão qui a muriquinha Ayomide voltô no ababá com o seu hôme de vivê junto.
o abicu abriu e fechô as vista embaraçado qui tava, a liberata tinha dado licença pra ele abrí as vista e oiá pros espritu? ele repetiu abrí e fechá as vista inté qui abrí e fechá ficô coisa da sua vontade. gostava de enxergá do seu jeito, mais respeitava o feitio da liberata
num é qui ela tenha dito pro muriquinho fechá e num abrí ou abrí e num fechá as vista nas reza de oferecimento e pedido. num disse nada. num avisô nem disse qui ia avisá. esse estremecimento é coisa entre o novato e a sabedoria da mais véia. o mais novo qué sabê os segredo da mais véia, mais qué escoiê o qui qué sabê; a mais véia qué ensiná tudo qui sabe, mais tudo tem merecimento pra sabê e num credita qui o mais novo já sabe escoiê. a mais véia sabe qui num sabe tudo e tudo qui sabe é só um parte piquininina de quase nada. e o mais novo é só uma parte, mais tem veiz qui isso num fica esclarecido entre os dois
abotoá as vista foi coisa decidida por ele: se num viu os espritu com as vista dele vendo, então, tentô vê com as vista num vendo! achô meió vê, caso fosse pra ele vê, com os óio da preta liberata, mais num tava nada garantido. é tagarelice alguém dá garantia de podê mostrá os espritu, essa é uma regalia qui ninguém pode dá, mais é bão sempre respeitá e num querê escondê o sabê qui sabe, cuidá e orientá a vontade de sabê qui qué sabê
Bom dia, mãinha.
Bom dia, Catita, as duas num escondia a alegria de vê uma notra. elas num precisa dizê, era só querê vê. num era só estima e respeito, uma é da história da otra, seja bem chegada no ababá, muriquinha. Aqui num se óia a quem se faz o bem e as coisa do mal num se atreve cruzá pruqui sabe qui vai perdê as força do ruim.
a baronesa chegô na distância de segurá as duas mão da liberata
Pelo visto, as dificuldades do serviço na rua não lhe assustam.
a preta curadêra riu alto e solto, gostava de soltá alegria nos vento. quanto mais ventania da alegria sai mundo pra fora mais ventania da alegria volta do mundo pra dentro. só é ruim quem qué, quem tem intenção de sê ruim gosta de atormentá a cabeça das pessoa e vivê ruim dentro do seu mundo de dentro, Se a Catita num tem susto de caminhá nas rua da Villa com as mão no braço do Barão, essa preta rezadêra, qui tá aqui oiando pra ocê cum alegria nu curação, num vai tê medo de conversá cum os espritu das rua.
a baronesa oiô pra trás e acenô calada pro barão se chegá mais pra junto delas. ele num tava tão junto da carolina augusta qui pudesse escutá os muxoxo duma pra otra. os dois chegô junto, mais ele num avançô inté a rezadêra, sabia qui quando fosse preciso ia sê chamado. tava uns cinco passo pra trás
Caminhar ou não caminhar com o Barão não muda minha posição de desqualificada: mulher villeira preta que já foi escravizada. Não é uma grande apresentação para ocupar o cargo de esposa de qualquer homem branco, muito menos, ocupar oficialmente a cama do Barão. É pedir muito para essa gente da Villa. As pessoas cumprimentam o Barão e eu pareço nada. Pareço não existir. Uma mulher invisível. É como a Villa oculta saber que existo.
liberata sacudiu os ombro com delicadeza antes de continuá sua prosa, Pode sê qui eles num fala e pode sê qui elas num vê, mais se num vê é pruqui num qué vê. Ocê é a baronesa qui elas num é e queria sê. E querê sê pode querê, mais num basta tê imaginação, é preciso tê a imaginação de querê o hôme mais qui o podê e o hôme querê a muié mais qui a fome: tê emoção pra vida, pensá pra vida, dá tanto amô pra vida qui fica distraída da própria vida; num tê dono e num sê dona pruqui a vida num tem dono, mais sê dona do seu mundo de dentro, purisso, Ayomide tanto é Catita, tanto é Carolina Augusta, tanto é a baronesa, isso a Villa toda vê.
Mas fingem que não veem...
Quanto mais eles disfarça qui num vê mais Carolina Augusta é Ayomide.
a baronesa pegô as duas mão da liberata e juntô uma notra, depois dobrô a cabeça e assoprô um beijo pra dentro das duas mão, Mãinha... sempre com as palpitações de conforto nas suas palavras.
E ocê num tem nada qui num dê gosto de apalpá. E isso tá bem nos óio qui inventa qui ocê num existi. Elas num pode lhe perdoá. Fechá os óio a Villa pode fechá, mais ocê vai tá lá de braço enfiado no braço do Barão. O tempo entre ela fechá e abrí os óio pra ocê num vai pará a vida. E ocê só num vai existí na imaginação da Villa, e daí? Continua os cruzamento cum Barão. Saiba se controlá. Ocê num tá sozinha.
o barão deu dois passo pra frente e parô. num sabia pru qui num se apresentava duma veiz, num sabia pru qui elas fazia pôco dele. num tava com costume de esperá pra sê visto. num sabia qui ali a autoridade num era ele
Então, mifia... o mandigado tá cum espritu mais leve?
a baronesa juntô as mão e atirô as vista pro céu
Sim, mãinha. Está mais leve e atrevido nos serviços que oferece. Mais solto, se acreditando mais. Nunca quis ter mais que o necessário para comer, mas quero comer bem. Nem sei como lhe pagar.
É bão sabê qui a vida voltô sê boa pra muriquinha.
Gosto da delícia do gozo. Gosto de ser levada sem pensar em um devaneio sem palavras. Gosto de ter um colo que me protege das ondas e não me impede de ser onda. Gosto do colo leve que não chora por tudo, mas me pede para ser a praia. Gosto da boca que me prova e não finge gostar.
a mais véia soltô um riso de festejo, um vento piquinino passô e arrastô as palavra pro rio, as duas muié oiô junto pro caminho qui ele desenhô inté as água, qui a viajada fosse pro lugá mais necessitado de chegá, As palavra da muriquinha ficô nas mão do vento, ele faz chegá onde precisa cantá. É só confiá.
a baronesa suspirô e voltô pro lugá qui tava
Mas a mãinha ainda não disse o preço do serviço feito.
a curadêra oiô colorida e alegre pra baronesa, Num tem qui pagá pruqui tem qui pagá. Cada um ajuda nu qui dá e pode dá. Ajudá num tem preço, a baronesa sabia qui num ia tê o qui queria tê: um valô pra se sentí sem nada devê
Eu sei, mãinha... eu sei, mas estou tão feliz. Foi tanta melhora que tenho medo da recaída... um rebote por falta de agradecimento.
a mais véia ergueu as mão com as palma pra cima, É tudo muntu delicado, é preciso tá forte com as aliança e espritu sereno brotando amô. Tudo cambia todo momento. Pode tê, pode num tê recaída. É preciso continuá brotando. Num perdê o encanto. É muntu ôio da cobiça ruim e invejosa pra cima de ocês dois.
o barão deu mais um passo e chegô junto das duas, tirô o chapéu mais respeitoso qui podia sê e fez o qui branco algum fez inté aquele dia: curvô a cabeça e anunciô assim o seu respeito pela muié do ababá, uma preta curandêra, sem grito alucinado ou dedo apontado, tinha nas mão o coração
a preta liberata tava erguida, e assim ficô, o abebé de oxum abanando levemente o rosto
e mais respeitoso qui podia e sabia sê, o barão disse da sua gratidão. as palavra qui sai do coração agradecido é mais doce qui o mel, elas num arranca nada nem faz ventania, num escurece o dia nem faz chovê, elas aquieta a tormenta do medo e da ausência. num murcha na primêra melancolia
liberata esperô ele terminá. pegô aborô do seu prato e deu na boca do barão, Comer junto faz a semente da gentileza crescê forte.
o barão pegô na mão da catita. a véia curadêra oiô os dois e tumbém sorriu. pensô qui os dois junto é muntu mais bonito qui os dois desjuntado. fechô as vista e pediu pra oxum tê cuidado de ampará os dois, Eles vai precisá de toda ajuda, minha Mãe... pruqui onde eles vai os óio da Villa vai tá. E num é um oiá qui apetece vê mistura da preta cum branco. A Villa num vai aceitá qui a preta virô siá. A muié preta pode sabê dizê as palavra qui a muié branca sabe dizê, pode usá as vestidura qui as branca usa, mais num vai mudá qui é preta e num vai mudá nem subí pra sê gente respeitada. A Villa conhecida e antiga continua firme e forte pra reconhecê e apontá pras diferença e fazê elas continuá parada no lugá qui ela qué qui tudo fique.
o apego à cisma, desconfiança e implicância cum os pretu empapa as cabeça da villa cum brancura perversa e bravura burra. eles qué garantí qui mandá é coisa pros branco fazê, gente qui sabe falá e escrevê. e comê cum garfo e faca. e isso tem tanto tempo de uso qui no vê da brancura num precisa e num pode mudá probem dum grupo de branco culto, respeitado e qui sabe falá e escrevê cum garfo e faca
Ocêis dois é muntu bunitu de vê juntu.
Obrigado, mãinha.
a muié do ababá num parecia tê acabado os oferecimento de aviso, E ocê, muriquinha... trata de usá mais amarelo e dourado. Vai ajudá na proteção dos oiá seco da cobiça e da língua cumprida da maldade.
a baronesa sorriu. as duas continuava enxergando uma notra
Também gosto destas cores, dona Liberata. A Catita veste bem qualquer cor, mas o amarelo faz minha vontade saltar dos olhos. Eu digo, dona Liberata, que, vez ou outra, é bom fazer uma exibição da própria beleza. Um aviso para os desavisados.
a mais véia sorriu, os dois parecia mãe e fiu de conversa animada
Não gosto de provocar ninguém, respondeu ayomide
o sorriso da mais véia acabô, num acabô pela brabeza, ficô sisuda pra falá severa, Pois fique a muriquinha Ayomide sabendo, caso num tenha atinado sabê, qui sê muié preta e caminhá de braço cum barão nas rua da Villa é munta petulância pra brancura perversa e muntu atrevimento prus pretu qui se acha menó qui os branco.
a mais moça respondeu com um muxoxo
Não faço por gostar de provocar, obedeço meu coração.
a mais véia soltô um riso alto e desaforado, escôieu com gosto num fazê um riso reduzido, quis mostrá a pompa do riso, E, nesta Villa, deixando de fora o siô Barão, tem branco qui credita qui pretu tem curação? E se credita... se importa? E no caso de se importá como pode escravizá um curação qui tem vontade e gosta de ajuntá alegria pra dançá e cantá e rezá e amá? Num credito... desculpa, siô Barão. É gente qui só tem curação pra eles mesmo. Vive e treina os fiu pra vida da fartura qui é só pra eles, a vida da alegria é só pra eles. Eles diz qui é mais gente pruqui sabe falá, escrevê e comê cum garfo e faca. Eles escóie quem é gente e quem num é gente. É a lei da preguiça.
Que código é esse, mãinha?
Os dono de tudo grita qui é preguiçoso e vagabundo tudo qui é pretu qui num qué morrê de trabaiá pra eles. Só Capitão-do-mato e idiota morre de trabaiá pela vontade dos dono de tudo. E num esquece qui tudo é morrê: no trabáio ou de trabaiá.
os dois qui escutava se oiô, num dava pra sabê o qui cada um pensô, mais num foi coisa boa
Mas isso acaba, mais dia menos dia. Algum dia haverá de acabar.
Num acaba tão cedo, siô Barão. Num é assunto qui se resolve em dia pra frente ou dia pra trás. Os dono de tudo treina os fiu pra creditá qui existe os bicho qui é bicho; os quase bicho qui num é gente: os pretu e os índio; as gente qui pode quase tudo: os cupincha qui bate palma e qué sê igual eles; e eles, qui é mais gente e pode tudo pruqui tudo qui é feito é pra eles tê tudo. Vivê a liberdade é pra eles, gente qui sabe falá, escrevê e comê de garfo e faca. E os muriquinho dono de tudo aprende gostá de tê tudo, sem dúvida ou hesitação, é só sabê ensiná.
a liberata num falô só pruqui queria falá, ela precisava falá oiando pro barão. ela gosta de sabê e aprendê de oiá e escutá, tava pronta pra ouví o barão
mais os grito qui escutô num era da língua do barão. num era dele a gritaria. parecia uma corrida atrás do bicho qui se soltô da colêra e os dono gritava pro bicho num fugí
o abicu fumaça subiu os degrau da pedra e tumbém subiu na pedra da infâmia. foi o primêro avistá o pretinhu qui corria e espreitava, respirava um gole atrás do otro e fugia em golfada de susto
o lugá virô confusão pra ficá de visita
corria os qui queria ajudá pegá o fujão, corria os qui queria ajudá o fujão fugí, corria os qui queria tê alguma coisa pra vê e contá, corria os qui fugia pra num vê
as água desceu só dum ôio da liberata, era cum ele qui chorava as maldade qui acontecia na villa; o otro ôio, o seco, num chorava mais, oiava duro pra villa qui apodrecia mais um pouco cada veiz qui tinha correria. o costume e a tradição de pai pra fiu era castigá sem piedade, inté o sangue congelá nas parte qui precisa tá e mostrá pra educá
com o ôio seco podia vê
o diabo rugindo
e gritando
inté cansá de usá o chicote
com o ôio seco podia vê
qui ele mordia
e bocejava
acostumado com os costume
em nome dum pai
qui num parecia se importá
____________________
Leia também:
histórias de avoinha: o convencimento pela força é a morte da vida
Ensaio 99B – 2ª edição 1ª reimpressão
histórias de avoinha: Vamô chamá Cavalaria! Viva São Bento Pequeno, protetô nazareno!
Ensaio 101B – 2ª edição 1ª reimpressão
Nenhum comentário:
Postar um comentário