sábado, 8 de abril de 2017

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Cambiantes II

Cruz e Sousa

Obra Completa
Volume 1
POESIA



O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos




CAMBIANTES







DORMINDO...

Pálida, bela, escultural, clorótica
Sobre o divã suavíssimo deitada,
Ela lembrava – a pálpebra cerrada –
Uma ilusão esplêndida de ótica.

A peregrina carnação das formas,
– o sensual e límpido contorno,
Tinham esse quê de avérnico e de morno,
Davam a Zola as mais corretas normas!...

Ela dormia como a Vênus casta

E a negra coma aveludada e basta
Lhe resvalava sobre o doce flanco...

Enquanto o luar – pela janela aberta –

– como uma vaga exclamação – incerta –
Entrava a flux – cascateado – branco!!...




NERAH

(Inspirado no elegante Conto de Virgílio Várzea)
A Vítor Lobato

Nerah não brinca mais, não dança mais. – E agora

Que vão-se apropinquando os tempos invernosos,
Nerah traz uns receios tímidos, nervosos,
De quem teme mudar-se em noite, sendo aurora.

Seus sonhos de cristal, translúcidos, antigos

Se vão embora, embora à vinda dos invernos,
Seguindo em debandada os úmidos galernos –
– lembrando um roto bando informe de mendigos.

Não canta o sabiá que triste na gaiola,

Parece, com o olhar, pedir-lhe a casta esmola
De um riso – aquela flor que esvai-se, branca e fria.

Em tudo a fina seta aguda de aflições!

Na própria atmosfera um caos de interjeições!
Em tudo uma mortalha, em tudo uma agonia.




AMOR


Nas largas mutações perpétuas do universo

O amor é sempre o vinho enérgico, irritante...
Um lago de luar nervoso e palpitante...
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.

Não há para o amor ridículos preâmbulos,

Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
À fresca exalação salúbrica das flores...

E somos uns completos, célebres artistas

Na obra racional do amor – na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.

Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige

E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!...





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'João da Cruz e Sousa (1861 - 1898), conhecido como o "Cisne Negro" de nosso Simbolismo, seu "esteta sofredor", foi o poeta que por excelência procurou na arte a transfiguração da dor de viver e de enfrentar os duros contrastes provocados pelas discriminações sociais.
Era negro e filho de escravos. como escritor, permaneceu incompreendido pela crítica, não chegando a conhecer a glória. Morreu aos 37 anos, devido à doença que lhe marcou a vida - a tuberculose. Com o passar do tempo tornou-se conhecido como o grande mestre do Simbolismo brasileiro.
A dimensão cósmica de sua obra, a presença nela dos pobres e deserdados e a grandeza da visão transcendental com que busca poeticamente redimir as limitações da condição humana constituem alguns dos traços estéticos que o tornam inconfundível. O impalpável, o raro o inexprimível: em exxência, o sentido profundo de todo fazer poético.'

"No Brasil, é disto que, principalmente, precisamos: de que o estrangeiro nos venha dizer, surpreso, que em nós encontrou algo de surpreendente e admirável. Sem o que não acreditaremos nunca." Tasso da Silveira


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Sousa, João da Cruz e, 1861-1898
            Poesias completas: broquéis, faróis, últimos sonetos / Cruz e sousa; introdução de Tasso da Silveira. - Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997.


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Sousa, Cruz e, 1861-1898 Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008. v. 1 (612 p.)

Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.


O diferencial mais arrojado desta organização reside na opção por buscar maior aproximação ao evoluir poético do instaurador do Simbolismo no Brasil. Seus poemas inéditos, na absoluta maioria anteriores à sua fase simbolista, foram aos poucos sendo recolhidos e publicados sob o título O Livro Derradeiro, que muitas vezes tem provocado interpretações errôneas. Se o livro foi o derradeiro na sua organização, os poemas não pertencem à última fase do poeta e não representam a madureza do pensamento e da arte poética do autor. Optamos, então, por colocar esse livro em primeiro lugar, antes da sua trilogia de livros simbolistas, que, estes sim, representam a arte madura do poeta.


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