Manoel Bomfim
O Brasil nação volume 1
PRIMEIRA PARTE
SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS
capítulo 4
o definitivo império do brasilcapítulo 4
§ 32 – O choco do parlamentarismo
Já Polibio havia acentuado: “Todo Estado contém em si mesmo o gérmen da corrupção.” Mais explícito, ele diria: O uso do poder acaba corrompendo, porque os bons aí aprendem um novo gozo – o mando; os maus agravam a maldade nesse gozo; e, uns e outros, a ele tudo sacrificam. E a explicação mais digna, para a defecção dos moderados, tudo sacrificando, no empenho de conservar e gozar tranquilamente o mando. Fora Feijó quem lhes garantira o poder, nos dias difíceis de 1831-32; no entanto, como prova definitiva, eles tudo fizeram contra o governo do antigo companheiro, e que, coerente, queria realizar o programa da revolução que os elevara. E aí se destacam os nomes dos que serão os conformadores da nova política brasileira. Enquanto Vasconcelos ainda se mostra em aparências liberais e democráticas, Hermeto já trabalhava ostensivamente por uma política reacionária, colocando-se entre a experiência de Araújo Lima e os esforços de recuo dos novos, que se anunciavam já conservadores – Rodrigues Torres, Soares de Sousa... Assim, desde 1834, reclamavam que as reformas constitucionais fossem emendadas, reduzindo-se a simples satisfações de momento, sem nenhuma alteração substancial nas instituições nacionais... Os dias são ainda muito turvos; não se extinguira de todo a exaltação, e eles adiaram a campanha de reação. As últimas ilusões trazem Feijó para o posto supremo, e, na primeira resposta à fala do trono, Rodrigues Torres, secundando Hermeto, investe contra o ato adicional, se reclamar, como necessidade urgente, uma interpretação castrante. Vasconcelos tomou a deixa, e fez desse motivo o mais insistente, na sua fúria tabética contra o regente e as liberdades brasileiras. Nesse momento, já está na linha, bem compacto, todo o pessoal do recuo, desde Paranaguá, Calmon... até Soares de Sousa. Arvorado o trapo do regresso, a sua primeira concretização, consigna o Sr. P. da Silva foi “dar andamento a uma interpretação do ato adicional, no intuito de pôr cobro... Nenhuma providência pareceu à maioria da câmara mais necessária no momento.”135 O parecer parlamentar em favor da interpretação foi a peça de estreia, de Soares de Sousa, em cuja tradição de recuo viemos encontrar a famosa junta do coice...
135 De 1831 a 1840 , pág. 217.
A glória de sancionar essa realização de regresso coube, necessariamente, a Araújo Lima, que, aliás, fora o útero da mesma ideia, fecundada por Carneiro Leão. O futuro Olinda foi, também, a pata solícita, sob cujas asas chocou o ovo do inefável parlamentarismo em que se fez toda a subsequente política do Brasil. O caso tem tanta significação, que merece referência especial. Página adiante, registraremos a primeira manifestação disso que veio a ser o parlamentarismo brasileiro. Vasconcelos, que só combatera Feijó para ser poder, foi o naturalmente escolhido pela coroa, personificada em Araújo Lima, para organizar o primeiro ministério da nova Regência. Não admitindo partilha real do efetivo mando, o chefe do regresso não quis Hermeto a seu lado. Deixou-o na Câmara, a título de leader, e fez um verdadeiro gabinete seu, com a fina flor do oportunismo ambicioso – Calmon, Rodrigues Torres, Rego Barros, Maciel Monteiro... Nesse desenrolar de sucessos, consagrados nestas gentes, os costumes políticos tinham feito a evolução precisa para que se caracterizasse o parlamentarismo nacional. O regente (Araújo Lima) era a fórmula ostensiva do rebaixamento: “Produziu (M. A. 265).
O fato – o regresso – mereceu que o Sr. P. da Silva o assinalasse: “Mais que ninguém, o regente (A. Lima) principiou a afrontar os prejuízos democráticos... manifestando suas tendências a práticas obliteradas, e rodeando o jovem imperador de respeito e consideração”... renovando o beija-mão. As suas falas do trono serviriam de modelo para os da Santa Aliança, e, com isto, desfaz-se em desnecessárias zumbaias em face da Santa Sé, pelo gozo, somente, de contrariar a política zelosa e altiva de Feijó. No parlamento, transbordavam as mesmas ideias, em idênticas manifestações: o confessado arrependimento de Vasconcelos, quanto aos anteriores arreganhos de democracia; um franco desdizer na generalidade dos antigos moderados; como ostentação positiva, uma política acintosamente preventiva contra futuros ensaios de democracia. Na ausência de Feijó, era um coro, em torno dos que a ele sucederam. Só depois, porque estavam fora da mesa, é que os Paranaguá, Martim Francisco, Barbacena... fizeram de oposição, tendo o cuidado, no entanto, de mostrar que – não entendiam o caso como o irredutível liberal, Feijó. Por isso mesmo, era contra este o forte da oratória estrebuchante de Vasconcelos. A prosápia bacharelesca garantia-lhe os aplausos da galeria, mas, em verdade, tudo não passava de ênfase oratória, verbiagem pulha, para justificação de um constitucionalismo de encomenda, em que Benjamin Constant era o molho rançoso, para fazer passar o absolutismo de verdade, com que o escravocrata pretendia garantir o regime que manteria no Brasil o crime da escravidão.
Porque era bem da índole do regime, contratavam-se estrangeiros – para combater a democracia rebelada no Sul, e ainda a afrontavam com o relho sangrento de Andrea. Para completa expressão do momento, surge José Clemente, eleito deputado pela portuguesada do Rio, e que vem dizer: “Esqueci o passado; quero colaborar com os liberais convertidos às minhas ideias”. Foi aceito, naturalmente, porque tudo aquilo não passava de um refazer de misérias: “José Clemente era favorável ao ministério Vasconcelos, porque a sua política lhe parecia a única azada a restabelecer a ordem pública, a extirpar as doutrinas subversivas...” comenta um dos historiadores convenientes ao momento. E como os dominantes e desfrutadores se chamavam conservadores, e que a única oposição era a de uns raros e sinceros liberais, os trêfegos Andradas, os saudosos do primeiro Império – Paranaguá... todos esses, atirando-se contra os do governo, chamaram-se – liberais, e, assim, vão até à aventura da maioridade. Nesse lance de oposição, Martim Francisco ataca desabridamente o ministério, que contratara estrangeiros para o exército: “Que terrível reminiscência! Que extraordinária coincidência!...” É que José Clemente já estava com os conservadores; mas não era, apenas, coincidência, senão a reconstituição integral de uma política – o bragantismo. Vasconcelos fizera nome atacando o ministro que organizara batalhões estrangeiros, e, agora, aproveitava a lição, reproduzindo-a como governo.
Com esses sucessos, transcorrera o período do choco, e Araújo Lima, com o próprio primeiro ministério, deu a amostra do que seria o parlamentarismo nacional. Foi precoce, o produto, mas perfeito. Vasconcelos, chefe do partido e chefe do governo, tinha maioria esmagadora no parlamento, e, talvez, abusou dessa força, sobre o lombo do regente. Por isso, ou quer que seja, o manso Araújo Lima decidiu apeá-lo. Deu-lhe ensejo a senatoria pela província do Rio de Janeiro. Vasconcelos a reservara para o seu do peito – Calmon; a portuguesada empenhava-se pelo precioso José; Clemente, alguns aduladores lembraram a do pai de Eusébio de Queiroz, chefe de polícia, ao passo que o regente tinha prometido o lugar ao velho amigo, o indefectível restaurador, desembargador Lopes Gama. Antes, mesmo, da eleição, e porque Vasconcelos tratava do caso como se fosse o dono único da fazenda, Araújo Lima fez publicar no Aurora, jornal de Sales Torres Homem, a notícia aviso – de que o gabinete havia pedido demissão, e que Lopes Gama fora convidado para organizar o novo ministério. Vasconcelos fez-se de desentendido, ou não entendeu, mesmo, a deslavada perfídia, e imediatamente, com o seu nome, pelo Jornal do Commercio (de 31 de janeiro de 1838) desmentiu a notícia. No dia seguinte, veio Lopes Gama, pelo mesmo veículo, e contou: que fora, de fato, convidado para chefe de um novo governo, em vista de ter pedido demissão o gabinete de Vasconcelos. A última parte destas afirmações era mentira, todos sabiam, e Vasconcelos continuou no governo. Fez a eleição, pôs o amigo na lista tríplice, com José Clemente e Lopes Gama, e levou à imperial escolha o nome de Calmon. Araújo Lima não lhe disse sim nem não, e, logo a 16 de abril, escolheu o restaurador Gama, cuja única indicação política, ao lado de Calmon e José Clemente, era ser um caramuru de confiança. Foi esta a primeira prova do parlamentarismo inventado por Vasconcelos, que, por isso mesmo, teve de sair. No entanto, com todo o doutrinarismo parlamentarista não se deu por achado, e foi para a Câmara apoiar Lopes Gama e o regente que o escolhera. O Sr. P. da Silva, quase ingênuo, espanta-se do caso: “Por uma questão na aparência mais particular do que política, se retirava um ministério que ao tomar posse do governo as mais estrondosas e maiores adesões encontrara...”
Daí por diante, o famoso carro do Estado vai passando aos trambolhões, tais e tantos, que provocam, no mesmo historiador, indignada consideração:
... o parlamento... (maio de 1839), o regente abriu-o com a pompa do estilo, apoiado num ministério incompleto, fraco, sem amigos em nenhum partido, sem um programa, enfim, que lhe afeiçoasse parciais e aderentes... Mostrava-se cada vez mais fraco o governo regencial (em 1840)... na mesma insuficiência e debilidade... debates prolongados nas câmaras... sucediam-se repetidas prorrogações... deplorável esterilidade... os partidos sempre em atividade se recusavam a praticar reformas, com medo de com elas fortalecerem os adversários quando no poder...
Nesse tempo, todos os antigos viciados do mando, então desocupados, fizeram a sua oposição a Vasconcelos, no intuito, acredita o Sr. P. da Silva, de “salvar os princípios do naufrágio a que eram arrastados pela decadência e desmoralização da sociedade”. Ele queria dizer – da política. Eram os Paranaguá, Barbacena, Martim Francisco... e, que, formados contra a oligarquia torva e arrogante dos conservadores, tomaram o nome de – liberais. Feijó continuava não se confundindo com eles, mas os ingênuos e raros legítimos liberais, aceitaram, nesse título enganoso, a imunda promiscuidade, para o dissimulado liberalismo ali proclamado. Foi sobre esse bando, desencontrado e monstruoso, que agiu a senilidade trêfega de Antonio Carlos para a sinistra aventura da maioridade, com que se ultimou a reconstituição formal do bragantismo. Não tardou que os sinceros desse bando tivessem a realidade do mesmo bragantismo: Antonio Carlos, que daí em diante não mudou mais, chegou a ser exautorado, em 1841, das honras de gentil-homem; para os constantes liberais, Vergueiro, Otoni... foi a dolorosa lição de 1942.
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"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
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O Brasil nação: vol. I / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 332 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 35).
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Leia também:
O Brasil nação - v1: § 31 – O triunfo sobre Feijó - Manoel Bomfim
O Brasil nação - v1: § 33 – Um lance de liberalismo: “Quero já” - Manoel Bomfim
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