sexta-feira, 7 de abril de 2017

XXXI – Mitologia dos Orixás: Ori [274] [275]

Ori


Reginaldo Prandi



Ori faz o que os orixás não fazem



Orunmilá reuniu todos os deuses em sua casa e lhes fez a seguinte pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa viagem além dos mares e não voltar mais?"

Xangô respondeu que ele podia.

Então lhe foi perguntado o que ele faria depois de ter andado, andado e andado até as portas de Cossô, a cidade de seus pais. Onde iam preparar-lhe um amalá e oferecer-lhe uma gamela de farinha de inhame. Onde lhe dariam orobôs e um galo, um aquicó.

Xangô respondeu:

"Depois de me fartar, retornarei à minha casa".

Então foi dito a Xangô que ele não conseguiria acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.


Aos que entravam pela porta e ali ficavam em pé, Ifá fez a pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?" 

Oiá respondeu que ela poderia.

Foi-lhe perguntado o que ela faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar e chegar a cidade de Irá, o lar de seus pais, onde lhe ofereceriam uma gorda cabra e lhe dariam um pote de cereal.

Oiá respondeu:

"Depois de comer até me satisfazer, voltarei para casa."

Foi dito a Oiá que ela não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.


A todos os orixás reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?"

Oxalá disse que ele poderia. Foi lhe perguntado então o que ele faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar e chegar à cidade de Ifom, o lar de seus pais, onde matariam duzentos igbins servidos com melão e vegetais.

Oxalá respondeu:

"Depois de comer até ficar saciado, voltarei para minha casa."

Foi dito a Oxalá que ele não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.


A todos os deuses reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

Exu respondeu que ele podia acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não mais voltar.

Então foi lhe perguntado:

"O que farás depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar, e chegar a cidade de Queto, o lar de teus pais, e ali te derem um galo e grande quantidade de azeite-de-dendê e aguardadente?"

Ele respondeu que, depois de se fartar, voltaria para sua casa.

Foi dito a Exu:

"Não, não poderias acompanhar teu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar."


A todos os deuses reunidos por Orunmmilá, Ifá fez a mesma pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?"

Ogum disse que ele sim poderia.

Foi lhe perguntado o que ele faria depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar e chegar à cidade de Irê, o lar de seus pais, onde haviam de lhe oferecer feijões-pretos cozidos e lhe matar um cachorro e um galo.

Ogum respondeu:

"Depois de me satisfazer, voltarei para minha casa, cantando alto e alegremente pelo caminho."

Foi dito a Ogum que ele não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.


A todos os deuses reunidos por Orunmilá, Ifá fez a seguinte pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?"

Oxum disse que ela podia.

Foi lhe perguntado:

"O que farias depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar, e chegar à cidade de Ijimu, o lar de teus pais, onde te dariam cinco pratos de feijão-fradinho com camarão, tudo acompanhado de vegetais e cerveja de milho?"

Respondeu Oxum:

"Depois de me saciar, voltaria para minha casa."

E foi dito a Oxum que ela não poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.


A todos os orixás reunidos por Orunmilá, Ifá fez a pergunta:

"Quem dentre os orixás pode acompanhar seu devoto numa longa viagem além dos mares e não voltar mais?"

O próprio Orunmilá disse que ele poderia acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares.

Foi lhe perguntado:

"O que farás depois de caminhar uma longa distância, caminhar e caminhar e chegar à cidade de Igueti, o lar de teus pais, onde vão te oferecer dois ligeiros preás, dois peixes que nadam graciosamente, duas aves fêmeas com grandes fígados, duas cabras pesadas e prenhas, duas novilhas com grandes chifres? E onde vão te preparar inhame pilados, mingaus de farinhas brancas e a mais preciosa de todas as cervejas? E também te oferecer os mais saborosos obis e as melhores pimentas doces?"

"Depois de me fartar", respondeu Orunmilá, "voltarei para minha casa."

O sacerdote de Ifá ficou pasmo. Não conseguia dizer uma palavra sequer. Porque ele simplesmente não entendia essa parábola. Disse ele:

"Orunmilá, eu confesso minha incapacidade. Por favor, ilumina-me com tua sabedoria. Orunmilá, és o líder, eu sou o teu seguidor. Qual é a resposta para a pergunta sobre quem dentre os deuses pode acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares?"

Falou Orunmilá:

"A única resposta é... o Ori. Somente Ori pode acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares."


Disse Orunmilá:

"Quando morre um sacerdote de Ifá, dizem que seus apetrechos de adivinhação devem ser deixados numa corrente d'água. Quando morre um devoto de Xangô, dizem que suas ferramentas devem ser despachadas. Quando morre um devoto de Oxalá, dizem que sua parafernália deve ser enterrada."

Disse também Orunmilá:

"Mas, quando os seres humanos morrem, a cabeça nunca é separada do corpo para o enterro. Não. Lá está o Ori. Lá vai ele junto com o seu devoto. Somente o Ori pode acompanhar para sempre o seu devoto, a qualquer lugar."

Falou ainda Orunmilá:

"Pois o Ori é o único que pode acompanhar seu devoto numa viagem sem volta além dos mares."

[274]





Ori vence os orixás numa disputa



Havia uma mulher com muitos problemas. E nem tinha marido com quem se aconselhar. Foi então consultar o jogo de búzios para saber o que fazer. Foi dito a ela que fizesse uma oferenda para o Ori, a cabeça. Foi lhe dito para fazer um bori, devia dar comida à cabeça. 

À sua cabeça a mulher devia oferecer dois obis. Ela então pegou os dois obis e foi fazer a oferenda. No caminho passou por uma caravana de desesseis orixás. Xangô se dirigiu à mulher dizendo:

"Tu, mulher que estás passando, por que não nos cumprimentas?"

E ela respondeu:

"E por que deveria? Nem os conheço?"

Xangô não gostou da resposta insolente e arrancou os obis da mão da mulher. Um deles ele comeu. O outro deu para Oxalá. Então chegou Ori e perguntou:

"Quem tirou os obis da mulher que ia passando?"

"Fui eu," respondeu Xangô.

Ori xingou Xangô e a luta começou. Ori levantou Xangô nos braços e o lançou no ar em direção à cidade de Cossô. Orixá Ocô não gostou e avançou ferozmente contra Ori. Ori o atirou para os lados de Irauô. Depois arremessou Ifá para a cidade de Ado e Oiá para a cidade de Irá. Suspendeu Egungum no alto e o atirou para OJé. Xapanã foi catapultado para Egum, Legba para Iuorô e Oxalufã para Erim.

Nessas cidades eles ficaram por três anos e então voltaram a se reunir. Chamaram Ori e disseram que queriam retomar a luta. Ori disse que era uma bobagem, porque ele lhes tinha feito um grande bem. Cada um agora era cultuado naquela cidade para onde Ori aquele dia os lançara. As cidades os haviam adotado. Eles antes não eram nada, mas agora cada um tinha seu culto próprio, cada um numa cidade.

Eles concordaram e Ori mandou trazer comida. 

Comidas e bebidas foram ofertadas.

E eles disseram:

"Ori está nos saudando."

"Sim, ele está nos festejando."

Comeram e beberam e dançaram e todos se rejubilaram.

[275]





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Reginaldo Prandi, paulista de Potirendaba e professor titular de sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de três dezenas de livros. Pela editora Hucitec publicou Os candomblés de São Paulo, pela Edusp, Um sopro do Espírito, e pela Cosac Naify, Os príncipes do destino. Dele, a Companhia das Letras publicou também Segredos guardados: orixás na alma brasileira; Morte nos búzios; Ifá, o Adivinho; Xangô, o Trovão; Oxumarê, o Arco-Íris; Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo; Minha querida assombração; Jogo de escolhas e Feliz Aniversário.



Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás / Reginaldo Prandi; ilustrações de Pedro Rafael. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.






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