quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Julio Verne - A Volta ao Mundo em 80 Dias, Capítulo VII

Júlio Verne


A Volta ao Mundo em 80 Dias





CAPÍTULO VII
QUE COMPROVA MAIS UMA VEZ A INUTILIDADE DOS PASSAPORTES EM MATÉRIA POLICIAL





O agente de polícia voltou a descer ao cais e dirigiu-se rapidamente para o escritório do cônsul. No mesmo instante, e por seu pedido de urgência, foi levado a este funcionário. 

— Senhor cônsul, disse ele sem outro preâmbulo, tenho boas razões para acreditar que o nosso homem está no Mongolia. 

E Fix contou o que se passara entre o criado e ele a propósito do passaporte. 

— Bem, Mr. Fix, respondeu o cônsul, não me incomoda ver a cara deste pilantra. Mas talvez não se apresente em meu escritório, se é quem supõe ser. Um ladrão não gosta de deixar vestígios da sua passagem, e depois, a formalidade dos passaportes não é mais obrigatória. 

— Senhor cônsul, respondeu o agente, se for um homem esperto como é de se imaginar, virá. 

— Visar seu passaporte? 

— Sim. Os passaportes só servem para estorvar as pessoas de bem e para facilitar a fuga dos salafrários. Afirmo-lhe que o dele estará em ordem, mas espero que o senhor não o visará... 

— E por que não? Se o passaporte estiver em ordem, respondeu o cônsul, não tenho direito de recusar meu visto. 

— Entretanto, senhor cônsul, é preciso que eu retenha aqui este homem até receber de Londres um mandado de prisão. 

— Ah! isso, senhor Fix, é assunto seu, respondeu o cônsul, mas eu, eu não posso... 

O cônsul não concluiu a frase. Neste momento batiam à porta de seu gabinete, e o secretário introduziu dois estrangeiros, um dos quais era precisamente o criado que falara com o detetive. 

Eram, com efeito, o patrão e o criado. O patrão apresentou o seu passaporte, pedindo laconicamente ao cônsul que o visasse. 

Este pegou o passaporte e o leu atentamente, enquanto Fix, num canto do gabinete, observava ou melhor devorava o estrangeiro com os olhos. 

Quando o cônsul acabou sua leitura: 

— É Phileas Fogg, esquire? perguntou. 

— Sim, senhor, respondeu o gentleman. 

— E este homem é seu criado? 

— Sim. Um francês chamado Passepartout. 

— Vem de Londres? 

— Sim. 

— E para onde vai?

— Para Bombaim. 

— Bem, senhor. Sabe que esta formalidade do visto é inútil, e que já não exigimos a apresentação do passaporte? 

— Sei, senhor, respondeu Phileas Fogg, mas desejo comprovar com a seu visto minha passagem por Suez. 

— Que seja, senhor. 

E o cônsul, tendo assinado e datado o passaporte, lhe apôs seu sinete. Mr. Fogg pagou os direitos de visto, e, depois de ter cumprimentado friamente, saiu, seguido por seu criado. 

— Então? perguntou o inspetor. 

— Então, respondeu o cônsul, tem cara de um homem inteiramente honesto! 

— É possível, respondeu Fix, mas não é disso que se trata. Não acha, senhor cônsul, que este fleumático gentleman se parece feição por feição com o homem do qual recebi a descrição? 

— Concordo, mas bem sabe, todas as descrições... 

— Manterei a mente aberta, respondeu Fix. O criado parece menos indecifrável que o patrão. Demais, é um francês, não deixará de falar. Até mais, senhor cônsul. 

Dito isto, o agente saiu e se pôs à procura de Passepartout. 

Enquanto isso, Mr. Fogg, saindo da casa consular, tinha se dirigido para o cais. Lá, deu algumas ordens ao seu criado; depois embarcou num batel, voltou para bordo do Mongolia e entrou em seu camarote. Pegou então a agenda, que tinha as seguintes anotações: 

“Saída de Londres, quarta feira 2 de outubro, 8 e 45 minutos da noite. 
“Chegada a Paris, quinta feira 3 de outubro, 8 e 40 minutos da manhã. 
“Chegada a Turim pelo Monte Cenis, sexta feira 4 de outubro, 6 e 35 minutos da manhã. 
“Saída de Turin, sexta feira, 7 e 20 minutos da manhã. 
“Chegada a Brindisi, sábado 5 de outubro, 4 da tarde. 
“Embarque no Mongolia, sábado, 5 da tarde. 
“Chegada a Suez, quarta feira 9 de outubro, 11 da manhã. 
“Total das horas gastas até aqui: 158 1/2, em dias: 6 dias e 1/2.” 

Mr. Fogg anotou estas datas sobre um roteiro disposto em colunas, que indicava — de 2 de outubro a 21 de dezembro — o mês, a data, o dia, as chegadas previstas e as chegadas efetivas a cada ponto principal, Paris, Brindisi, Suez, Bombaim, Calcutá, Cingapura, Hong Kong, Yokohama, São Francisco, Nova York, Liverpool, Londres, e que lhe permitia calcular o ganho obtido ou a perda sofrida em cada trecho do percurso. 

Este metódico roteiro manteria assim o registro de tudo, e Mr. Fogg ficaria sempre sabendo se estava avançado ou atrasado. 

Anotou pois, naquele dia, quarta feira 2 de outubro, sua chegada a Suez que, estando de acordo com o previsto, não constituía para ele nem ganho nem perda. 

Em seguida, pediu que lhe servissem o almoço na cabina. Quanto a ver a cidade, nem sequer pensava nisso, sendo dessa raça de ingleses que fazem visitar por seus criados os países que atravessam.





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Julio Verne nasceu em Nantes em 8 de fevereiro de 1828. Fugiu de casa com 11 anos para ser grumete e depois marinheiro. Localizado e recuperado, retornou ao lar paterno. Em um furioso ataque de vergonha por sua breve e efêmera aventura, jurou solenemente (para a sorte de seus milhões de leitores) não voltar a viajar senão em sua imaginação e através de sua fantasia. 
Promessa que manteve em mais de oitenta livros. 
Sua adolescência transcorreu entre contínuos choques com o pai, para quem as veleidades exploratórias e literárias de Júlio pareciam totalmente ridículas. 
Finalmente conseguiu mudar-se para Paris onde entrou em contato com os mais prestigiados literatos da época. Em 1850 concluiu seus estudos jurídicos e, apesar insistência do pai para que voltasse a Nantes, resistiu, firme na decisão de tornar-se um profissional das letras. 
Foi por esta época que Verne, influenciado pelas conquistas científicas e técnicas da época, decide criar uma literatura adaptada à idade científica, vertendo todos estes conhecimentos em relatos épicos, enaltecendo o gênio e a fortaleza do homem em sua luta por dominar e transformar a natureza. 
Em 1856 conheceu Honorine de Vyane, com quem casou em 1857. 
Por essa época, era um insatisfeito corretor na Bolsa, e resolveu seguir o conselho de um amigo, o editor P. J. Hetzel, que será seu editor in eternum, e converteu um relato descritivo da África no Cinco Semanas em Balão (1863). Obteve êxito imediato. Firmou um contrato de vinte anos com Hetzel, no qual, por 20.000 francos anuais, teria de escrever duas novelas de novo estilo por ano. O contrato foi renovado por Hetzel e, mais tarde, por seu filho. E assim, por mais de quarenta anos, as Voyages Extraordinaires apareceram em capítulos mensais na revista Magasin D'éducation et de Récréation. 
Em A Volta ao Mundo em 80 Dias, encontramos, ao mesmo tempo, muito da breve experiência de Verne como marinheiro e como corretor de Bolsa. Nada mais justo, também, que o novo estilo literário inaugurado por Júlio Verne, fosse utilizado por uma nova arte que surgia: o cinema. Da Terra à Lua (Georges Mélies, 1902), La Voyage a travers l'impossible (Georges Mélies, 1904), 20.000 lieus sous les mers (Georges Mélies, 1907), Michael Strogof (J. Searle Dawley, 1910), La Conquête du pôle (Georges Mélies, 1912) foram alguns dos primeiros filmes baseados em suas obras. Foram inúmeros. 
A Volta ao Mundo em 80 dias foi filmado em 1956, com enredo milionário, dirigido por Michael Anderson, música de Victor Young, direção de fotografia de Lionel Lindon. David Niven fez Phileas Fogg, Cantinflas, Passepartout, Shirley MacLaine, Aouda. Em 1989, foi aproveitado para uma série de TV, com a participação da BBC, dirigida por Roger Mills. No mesmo ano, outra série de TV, agora nos EE.UU., dirigida por Buzz Kulik, com Pierce Brosnan (Phileas Fogg), Eric Idle (Passepartout), Julia Nickson-Soul (Aouda), Peter Ustinov (Fix). 
Apesar de tudo, a vida de Verne não foi fácil. Por um lado sua dedicação ao trabalho minou a tal ponto sua saúde que durante toda a vida sofreu ataques de paralisia. Como se fosse pouco, era diabético e acabou por perder vista e ouvido. Seu filho Michael lhe deu os mesmos problemas que dera ao pai e, desgraça das desgraças, um de seus sobrinhos lhe disparou um tiro à queima-roupa deixando-o coxo. Sua vida efetiva também não foi das mais tranqüilas e todos os seus biógrafos admitem ter tido uma amante, um relacionamento que só terminou com a morte da misteriosa dama. 
Verne também se interessou pela política, tendo sido eleito para o Conselho de Amiens em 1888 na chapa radical, reeleito em 1892, 1896 e 1900. 
Morreu em 24 de Março de 1905


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Leia também:


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A Volta ao Mundo em 80 Dias é um romance de aventura escrito pelo francês Júlio Verne e lançado em 1873. A obra retrata a tentativa do cavalheiro inglês Phileas Fogg e seu valete, Passepartout, de circum-navegar o mundo em 80 dias.

Data da primeira publicação: 30 de janeiro de 1873
Autor: Júlio Verne
Editora: Pierre-Jules Hetzel
País: França
Personagens: Phileas Fogg, Passepartout, Princesa Aouda, Inspetor Fix, James Forster
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