Cruz e Sousa
Obra Completa
Volume 1
POESIA
O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos
Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos
OUTROS SONETOS
MAGNÓLIA DOS TRÓPICOS
A Araújo Figueredo
Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ó magnólia da luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenufares
Da tua carne ideal, de correções felinas.
O teu colo pagão de virgens curvas finas
O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.
Abre, pois, para mim os teus braços de seda
Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso através a límpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;
Vem! com a asa de um beijo à boca palpitando,
Vem! com a asa de um beijo à boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.
HÓSTIAS
HÓSTIAS
A Emílio de Menezes
Nos arminhos das nuvens do infinito
Nos arminhos das nuvens do infinito
Vamos noivar por entre os esplendores,
Como aves soltas em vergéis de flores,
Ou penitentes de um estranho rito.
Que seja nosso amor – sidério mito! –
Que seja nosso amor – sidério mito! –
O límpido turíbulo das dores,
Derramando o incenso dos amores
Por sobre o humano coração aflito.
Como num templo, numa clara igreja,
Como num templo, numa clara igreja,
Que o sonho nupcial gozado seja,
Que eu durma e sonhe nos teus níveos flancos.
Contigo aos astros fúlgidos alado,
Contigo aos astros fúlgidos alado,
Que sejam hóstias para o meu noivado
As flores virgens dos teus seios brancos!
BOCA IMORTAL
Abre a boca mordaz num riso convulsivo
Ó fera sensual, luxuriosa fera!
Que essa boca nervosa, em riso de pantera,
Quando ri para mim lembra um capro lascivo.
Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Teu olhar dá-me febre e dá-me um brusco e vivo
Tremor às carnes, que eu, se ele em mim reverbera,
Fico aceso no horror da paixão que ele gera,
Inflamada, fatal, dum sangue rubro e ativo.
Mas a boca produz tais sensações de morte,
Mas a boca produz tais sensações de morte,
O teu riso, afinal, é tão profundo e forte
E tem de tanta dor tantas negras raízes;
Rigolboche do tom, ó flor pompadouresca!
Rigolboche do tom, ó flor pompadouresca!
Que és, para mim, no mundo, a trágica e dantesca
Imperatriz da Dor, entre as imperatrizes!
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Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXI - Ave! Maria
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXII - Símiles
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIII - Decadentes
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIV - Lirial
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXV - Visão Medieva
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVI - Vanda
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVII - Êxtase
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXVIII - A Partida
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXIX - Manhã
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXX - Aspiração
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXXI - Pássaro Marinho
Cruz e Sousa - Poesias Completas: Outros Sonetos XXXIII - Os Mortos
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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu
corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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