Manoel Bomfim
O Brasil Nação volume 2
SEGUNDA PARTE
TRADIÇÕES
À glória de
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
CASTRO ALVES
Potente e comovida voz de revolução
capítulo 8
A Revolução Republicana
§ 66 – Abolição e República
Nem outra significação se pode dar àqueles sucessos. Depois da legislação iníqua e falha de 1871, em seguida a resistência cega de 1879-87, aceitar, de tal modo, a abolição completa da escravidão, equivaleu, para o Império, o reconhecer a sua política anterior como injusta, impatriótica, cruel, criminosa, e, sobretudo, incapaz de atender às legítimas necessidades do país... Ora, um regime que se assim se confessa, não pode prevalecer em face dos que o obrigaram à confissão. Aceitando o papel vergonhoso de subscreverem a reforma a que obstinadamente se opuseram, os políticos do Império patentearam uma tal insuficiência de fé nos princípios que defendiam, e tanta falta de lealdade aos tempos de onde vinham, que mataram todas as poucas convicções monárquicas ainda subsistentes, dissolvendo os já frouxos laços do regime em que viviam. Nas suas mãos, quando impatrioticamente resistiam a palpitantes anelos nacionais, quando torpemente aceitaram ser, imediatamente depois, os trôpegos e insinceros realizadores da Abolição, nas suas mãos, se esboroou o trono, que, sem tais desarcetadas misérias, teria ainda vivido decênios, talvez. Liquidada a revolução abolicionista, cuja vitória foi levada pelo governo ao Exército, nada mais restava como prestígio do Império: a mesma voz dos soldados que se negaram a apanhar os escravos em Cubatão intimou de despejo a Monarquia. Não há dúvida de que, sem a vitória dos revolucionários abolicionistas, os republicanos, todos – antigos abolicionistas, não teriam tentado a jornada de 15 de novembro. E, em face de todos esses fatos, vêm, os que não tiveram brio para defender as instituições a que se deram, e afirmam: que a República foi efeito da reação escravocrata, contra o trono liberal, e que, liberal, preferiu sacrificar-se!...
A Abolição foi de ontem; vivem ainda alguns de seus promotores, e muitos dos que a viram realizar-se, e todos sabem: ela resultou de uma desinteressada e impávida campanha, levada pela imprensa, realizada em comícios, e logo comprovada em atos – as multiplicadas liberações de escravos, conferências, defesas diretas de vítimas... Estrofes, artigos de fundo, discursos, meetings... foram as armas na luta reiterada e indefectível, para a imposição revolucionária da redenção absoluta dos cativos. E o trono permanecia à parte de tudo isto, diretor supremo da futricagem parlamentar, em que se sacrificaria o projeto Dantas, antes hostil à Abolição, até que, nas vésperas da vitória, os imperiais poetetes lhe trouxeram as suas versalhadas. Que tem, pois, de comum, a realeza com essa campanha revolucionária?... Imaginemos que o trono se opõe à Abolição, nos dias de 1888: o Exército que, em 1889, o deu por terra, teria feito ali mesmo a Abolição e a República. E, agora, se os fatos não bastam para demonstração, temos os nomes. Toda a imprensa que concorreu para a vitória da Abolição, d’O Globo à Gazeta da Tarde, passando pela Gazeta de Notícias, foi, ao mesmo tempo, demolidora da monarquia. Se destacamos as pessoas, ainda é mais expressiva a concordância – abolicionista-republicano. Saldanha Marinho, republicano desde 1869, redator do célebre manifesto, comparece como personalidade de destaque às festas onde se consagra o poeta dos escravos, e é o presidente de honra da primeira sociedade brasileira contra a escravidão. Não que se deixe ficar – a esperar pelo emancipacionismo de Nabuco, em torno de quem se organiza a mesma sociedade. Bem antes, quando ele ataca os célebres liberais do Império, é para mostrar-lhes a sua insuficiência, por nada terem feito pela Abolição. Depois, quando pela agitação em prol do projeto Dantas, ele, Saldanha, é um dos abolicionistas a achar escasso o mesmo projeto, e escreve um opúsculo para defender a extinção imediata da escravidão. Usou os próprios termos usados na lei de 13 de maio: “Declare-se extinta a escravidão; é o único caminho... Nenhum brasileiro que ame a sua pátria pode deixar de ser pela abolição absoluta... Só a inépcia e a improbidade administrativa podem sustentá-la...” Nos outros chefes, a mesma coerência de doutrina – liberdade política – liberdade civil. Em 1878, por iniciativa dos republicanos, é apresentado e votado um projeto de lei, proibindo a entrada de escravos na província de São Paulo, ao mesmo tempo que criava uma taxa de conto de réis, por inscrição em matrícula de escravos adquiridos. O presidente da província nega sanção, e o projeto se repete sucessivamente. Pouco depois, vêm à Câmara os republicanos eleitos deputados; vota-se o projeto Dantas e só Antero Botelho, de Minas, por doente, não comparece; os outros, Campos Sales à frente, votam pela Abolição, com a declaração de que – assim se incluíam com os liberais ministerialistas porque a bandeira da República não podia cobrir o reduto da escravidão. Antes, já o intrépido propagandista da República, João Cordeiro, com igual atividade pratica o abolicionismo, para ser um dos libertadores da sua província. Quintino, como é republicano, é obreiro da Abolição (campanha do País). E, assim: Ubaldino do Amaral, Júlio de Castilho, Aníbal Falcão, Martins Junior, Luiz Murat, Cassal... foram outros tantos lutadores do abolicionismo. A Escola Militar, donde vieram Benjamim Constant, Lauro Muller, Barbosa Lima, Zerzedelo Corrêa... era irmã gêmea daquela Escola de Tiro, onde, sob a direção de Sena Madureira, foi festivamente recebido o jangadeiro Nascimento, herói da libertação do Ceará. Pode-se mesmo dizer que ali nasceu a questão militar, que fez ruir o Império. Assim entrelaçadas, Abolição e República, chega a ser inépcia na inexatidão pretender que 15 de novembro foi obra de escravocratas contra o trono. Aponta-se um deputado que por despeito se declarou republicano. Apagado o caso do subsecundário deputado Penido, escravocrata antes, desprezado ali mesmo, esquecido depois, o que vale uma exceção destas contra toda a sequência dos fatos?... Quando o grande Luiz Delfino, republicano e abolicionista, veio consagrar com o seu poema a tardia redenção dos cativos, ele, que o podia fazer, irmanou numa só liberdade, as duas redenções:
........................ rompa em breve um grito
Da nossa rude voz, dura como o granito,
Retemperada aos sóis, na calma dos sertões...
................................
Que arranque o servo à gleba, ao sono às multidões,
Então, como hoje, em louca efervescência
Far-se-á de uma vez só a nossa independência,
Teremos liberdade inteira, de uma vez;
E em todo o continente americano, um bravo
Como o que hoje soou, libertado do escravo
Soará amanhã libertado dos reis!
................................
_________
"Morreu no Rio aos 64 anos, em 1932, deixando-nos como legado frases, que infelizmente, ainda ecoam como válidas: 'Somos uma nação ineducada, conduzida por um Estado pervertido. Ineducada, a nação se anula; representada por um Estado pervertido, a nação se degrada'. As lições que nos são ministradas em O Brasil nação ainda se fazem eternas. Torcemos para que um dia caduquem. E que o novo Brasil sonhado por Bomfim se torne realidade."
Cecília Costa Junqueira
_______________________
Bomfim, Manoel, 1868-1932
O Brasil nação: vol. II / Manoel Bomfim. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 392 p.; 21 cm. – (Coleção biblioteca básica brasileira; 31).
_______________________
Download Acesse:
http://www.fundar.org.br/bbb/index.php/project/o-brasil-nacao-vol-ii-manoel-bonfim/
_______________________
Leia também:
O Brasil Nação - v2: § 53 – Álvares de Azevedo - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 54 – O lirismo brasileiro - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 55 – De Casimiro de Abreu a Varela - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 56 – O último romântico - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 57 – Romanticamente patriotas - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 58 – O indianismo - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 59 – O novo ânimo revolucionário - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 60 – Incruentas e falhas... - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 61 – A Abolição: a tradição brasileira para com os escravos - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 62 – Infla o Império sobre a escravidão - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 63 – O movimento nacional em favor dos escravizados - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 64 – O passe de 1871 e o abolicionismo imperial - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 65 – Os escravocratas submergidos - Manoel Bomfim
O Brasil Nação - v2: § 67 – A propaganda republicana - Manoel Bomfim
Nenhum comentário:
Postar um comentário