domingo, 4 de agosto de 2019

histórias de avoinha: o medo dos inferno

mulheres descalças


o medo dos inferno  
Ensaio 128C – 2ª edição 1ª reimpressão



baitasar




oiava prus muriquinhu sentado em roda na volta da villa, um qui otro vagando, correndo pra lá e cá, jeito de sê dos muriquinhu: descalço e sem cuidado com a vida, destemido, sem medo de sê arrancado de lá pra cá, sem medo de sê acorrentado

num pode morrê quem nunca nasceu

mudei minhas atenção pra praça, cada veiz qui oiava tava mais e mais recheada dos villêro curioso, derramava eles pelas bêrada daquele prato frio de maldade e ignorância, ia demorá pra consertá tanta injustiça e ruindade, parecia tudo feito urubu espreitando o gosto da carne preta nos dente

Muriquinhus...

num foi intenção dessa avoinha fazê um chamado solene, mais é certo qui foi um apelo amargo e áspero, era preciso escorrê a dureza da voz em silêncio pra continuá

... ainda bem...

parei de novo as palavra, a voz num tava no feitio qui precisava tá pra conversá com os muriquinhu, num queria derramá nas vista deles a dô qui tava

... qui essa caçada triste e maldita num é com dia de muntu calô...

a roda dos muriquinhu se desajeitô e oiô abismada pra essa avoinha, sorrí sem mostrá a gengiva do sangue, foi só um piquinino tremô carnudo, se a tristeza pode tê sorriso foi assim qui se inventô

eles vê uqui qué vê na avoinha: a esperança do aconchego, a ilusão da proteção e a confiança no carinho

pensei em anunciá prus muriquinhu, Lá embaixo, na Villa, a realidade é muntu amarga prus pretu e vai sê desse jeito muntu e muntu tempo, mais num disse assim, eles já sabe, num precisa escutá de novo, na verdade verdadêra, avoinha tava cansando de parecê essa estrela tranquila qui tá sempre brilhando, eita tristeza da escravidão qui parece num tê fim feito as história da avoinha, os pretu trabáia todo dia do ano pra se acabá no fim acorrentado na senzala, eita tristeza da escravidão qui num tem fim

acomodei os lamento pudrento da avoinha antes de soltá de novo as palavra

Vô explicá meió, e ôceis trata de prestá bem atenção pruqui pra aprendê ou contá algum ensinamento tem qui fazê silêncio com carinho, é preciso acomodá com aconchego as palavra e os pensamento.

só as palavra dessa avoinha tava se mexendo na roda... os muriquinhu tava em silêncio

Acontece qui as pessoa, lá embaixo, na Villa, parece qui fica entendiada e enfezada com as quentura do tempo, deve sê as lembrança do lugá qui o padinhu faz questão de enfiá nos curação dos villêro durante as manhã dominguêra: o medo dos inferno - parei as palavra, tinha tanto pra dizê, mais quem num para de falá num consegue escutá -, uma pena qui o padinhu num coloca na conta dos inferno a escravidão

Avoinha...

era a veiz da avoinha escutá e foi uqui fiz


... os muriquinhu sabe qui a vida tem muntu qui caminhá pra frente e voltá, subí e descê, morrê e nascê. Avoinha já explicô isso tudo...

continuei com as palavra acomodada no silêncio e na alegria de escutá

... mais pru qui eles reza tando se depois faz tanta maldade? Avoinha pode respondê?

queria escutá e foi uqui fiz, num respondi


Ôceis num vê qui é medo?

Quem tem medo dos inferno é pruqui carrega as maldade escondida...

as prugunta, os murmúrio, a algazarra tava solta

E quem faz maldade e num tem medo de fazê? Faz pruqui gosta de fazê...

Algum de ôceis sabe explicá uqui é maldade?

Isso é fácil... maldade é fazê as pessoa dividí o pão com os rato e anunciá, bem alto, pra quem quisé escutá, qui a culpa é das pessoa qui gosta da vida com os rato.

a roda dos muriquinhu tava um redemoinho de prugunta e suspiro

Avoinha...

virei as vista na direção do chamado, vi uma mão qui subiu encabulada, era uma das muriquinha abicu recém-chegada

... acho qui as muriquinha entendeu pruqui é bão num tá calô - num fiz comentário, esperei e continuei calada, os muquinhu tudo parô junto -, mais podia sê meió.

Podia sê meió, pruguntei de volta, surpresa com a minha impaciência pra sabê a continuação daqueles pensamento, os muriquinhu continuô quieto, nenhum queria desacomodá o silêncio na roda ou se metê nas palavra da abicu recém-chegada

Avoinha, qui é bão num tá calô os muriquinhu já concordô, mais podia sê meió se tivesse amanhecido chovendo, num ia tê nada disso, chuva e vento tem mais força pra enfraquecê qualqué revolta de ódio dessa gente do bem qui os grito do intendente tem pra amedrontá.

os muriquinhu riu sem mostrá os dente, e avoinha entendeu: é preciso desaprendê a tristeza, é preciso relembrá das alegria pra desintristecê os pensamento e as palavra; num é coisa fácil dividí o pão com os rato e as doçura com as barata, num tê instrução, num tê profissão, num tê moradia, num tê comida, um tiquinho de arroz, otro tantinho de feijão, pão véio e mofado, água quente com os osso das sobra do mercadinho das carne, num é coisa fácil desintristecê

os muriquinhu sem tê nascido sabia mais da vida qui os nascido, qui sina essa de num dá importância pra vida qui tem sem precisá pisoteá nas otra vida, num é fácil tê alegria no meio de tanta maldade com a vida dos pretu e índio, num é simples ficá facêra e descomplicada cercada de tanto egoísmo e burrice, num é bão vê as pessoa qui se gosta tolerá as injustiça, isso faz doecê

num consigo creditá qui tem pretu qui vira capitão-do-mato só pra sê mais um negro com importância prus dono de tudo... eu sei qui pode tê, num quero creditá pra num entristecê

retomei as palavra satisfeita com os muriquinhu, As pessoa qui credita nas bondade pruqui qué se salvá do fogo dos inferno é as mesma qui faz caridade pra pagá as maldade qui pensa ou sente, diz ou tolera, o perigo com essas pessoa caridosa e rezadêra, só interessada em salvá elas mesma, é qui chega o dia qui elas credita qui é as maldade qui salva.

na roda dos muriquinhu uns credita qui a fome logo vai fazê desmanchá o cortejo, otros duvida, É só vê qui uma e otra muié do bem, com toda boa vontade e aparência do luto, abre as porta com um jarro derramando limonada ou chalêra pru chimarrão qui os acompanhante do cortejo da morte agradece com toda educação

no modo de vê das pessoa do bem, esse é o menó dos fingimento qui podia sê feito para gradecê qui a villa tava voltando pru lugá certo de sê: hospitalêra, recatada e do lar, um lugá silencioso e seguro pra sempre, sem pesadelo e sem as briga dos pretu, é isso, gente do bem da villa tá sempre pensando qui tá com fome e com medo de perdê uqui tem

as palavra qui as pessoa gosta qui é dita e repetida pelos quatro vento da villa: ali, é lugá da instrução, treinamento, hospitalidade e gentileza

as palavra pode dizê uqui qué, dizê num é sê nem é prová

a roda dos muriquinhu aceitô com entendimento as palavra da avoinha, ôiei pra villa e num pude escondê a tristeza duqui vi, Uma praça tão simpática com lambança de tanta ruidade e maldade. Dá dó vê tanta babação do ódio e festa na volta, vai sê muntu difícil a praça voltá se animá com alegria.




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