terça-feira, 17 de outubro de 2023

O Segundo Sexo - 02. Situação: Capítulo I - A Mulher Casada (8)

Simone de Beauvoir


02. A Experiência Vivida



O SEGUNDO SEXO
SlMONE DE BEAUVOIR



SEGUNDA PARTE

SITUAÇÃO
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CAPÍTULO I
A   MULHER CASADA

continuando...

Lavar, passar, varrer, descobrir os flocos de poeira escondidos sob a noite dos armários, é recusar a vida, embora detendo a morte: pois num só movimento o tempo cria e destrói; a dona de casa só lhe apreende o aspecto negativo. Sua atitude é maniqueísta. A característica do maniqueísmo não é somente reconhecer dois princípios, um bom e outro mau: é afirmar que o bem se alcança pela abolição do mal e não através de um movimento positivo; nesse sentido, o cristianismo é muito pouco maniqueísta apesar da existência do diabo, porque é dedicando-se a Deus que melhor se combate o demônio e não se ocupando deste para vencê-lo. Toda doutrina da transcendência e da liberdade subordina a derrota do mal ao progresso para o bem. Mas a mulher não é chamada a edificar um mundo melhor; a casa, o quarto, a roupa suja, o assoalho são coisas imotas: a única coisa que ela pode é expulsar os princípios maus que nelas se introduzem; ela ataca a poeira, as manchas, a lama, a imundície; combate o pecado, luta contra Satã. Mas é um triste destino ter de rechaçar continuamente um inimigo, ao invés de se voltar para metas positivas; amiúde, a dona de casa suporta-o com ódio. Bachelard pronuncia a esse respeito a palavra "maldade"; encontramo-la igualmente nos psicanalistas. Para eles, a mania doméstica é uma forma de sadomasoquismo; é próprio das manias e dos vícios comprometer a liberdade a fazer o que não quer; porque detesta ter como quinhão a negatividade, a sujeira, o mal, a dona de casa maníaca obstina-se com fúria contra a poeira, reivindicando uma sorte que a revolta. Através dos resíduos que deixa atrás de si toda expansão viva, ela ataca a própria vida. Desde que um ser vivo entre em seu domínio, acende-se em seu olhar um brilho mau. "Limpe os pés; não desarrume tudo, não bula nisso." Ela gostaria que os que a cercam não respirassem: o menor sopro é ameaça. Qualquer acontecimento implica a ameaça de um trabalho ingrato: um tombo do filho é um rasgão por consertar. Ao ver na vida só promessa de decomposição, exigência de um esforço indefinido, ela perde toda a alegria de viver; fica com olhos duros, um rosto preocupado, sério, sempre de atalaia; defende-se pela prudência e pela avareza. Fecha as janelas porque, com o sol, entrariam também insetos, germes e poeiras; demais, o sol come as sedas dos cortinados; as poltronas antigas escondem-se sob capas, embalsamadas de naftalina: a luz as desbotaria. Ela não tem sequer prazer em exibir esses tesouros às visitas: a admiração mancha. Essa desconfiança vira azedume e suscita hostilidade em relação a tudo que vive. Falou-se muito dessas burguesas provincianas que enfiam luvas brancas para verificar se não sobrou nos móveis um invisível pó: foram mulheres dessa espécie que as irmãs Papin executaram há alguns anos; seu ódio da sujeira não se distinguia de seu ódio contra os criados, contra o mundo e contra si próprias.

Há poucas mulheres que escolhem desde a mocidade tão morno vício. As que amam generosamente a vida acham-se defendidas contra isso. Colette diz-nos de Sido:  

Porque ela era ágil e agitada, e não dedicada dona de casa; limpa, imaculada, enojada, mas longe do gênio maníaco e solitário que conta os guardanapos, os pedaços de açúcar e as garrafas cheias. De flanela na mão e vigiando a criada que esfregava longamente os vidros, rindo com o vizinho, escapavam-lhe gritos nervosos, impacientes apelos à liberdade: "Quando enxugo com cuidado e durante muito tempo minhas xícaras chinesas, sinto-me envelhecer". Chegava lealmente ao fim de sua tarefa. Transpunha então os dois degraus de nossa porta, entrava no jardim. De imediato, desapareciam sua excitação melancólica e seu rancor.  

É nesse nervosismo, nesse rancor que se comprazem as mulheres frias, ou frustradas, as solteironas, as esposas desiludidas, as que um marido autoritário condena a uma existência solitária e vazia. Conheci, entre outras, uma velha senhora que se levantava todas as manhãs às cinco horas para inspecionar os armários e recomeçar a pô-los em ordem; parece que aos vinte anos era alegre e coquete; encerrada numa propriedade isolada, com um marido que a negligenciava e um só filho, pôs-se a "botar em ordem" como outros põe-se a beber. Em Elise, das Chroniques maritales, de Jouhandeau, o pendor pelos trabalhos domésticos provém do desejo exasperado de reinar sobre um universo, de uma exuberância viva e de uma vontade de domínio que, sem objeto, gira em falso; é também um desafio lançado ao tempo, ao universo, à vida, aos homens, a tudo o que existe

Desde nove horas, depois do jantar, ela lava. É meia-noite. Eu cochilara, mas sua coragem, como se insultasse meu repouso dando-lhe um ar de preguiça, ofendia-me. 
ELISE: Para fazer limpeza, não ter primeiramente medo de sujar as mãos. 
E a casa dentro em breve estará tão limpa que ninguém ousará mais habitá-la. Há leitos de repouso, mas para que se repouse ao lado, no assoalho. As almofadas são limpas demais. A gente tem receio de as sujar ou amarrotar apoiando a cabeça ou os pés e cada vez que piso num tapete uma mão me acompanha, armada de uma máquina qualquer ou de um pano que apaga as minhas pegadas
A noite:
— Pronto. Acabou.
De que se trata para ela, desde que se levanta até se deitar? De deslocar cada objeto e cada móvel e de tocar em todas as suas dimensões o assoalho, as paredes, os tetos da casa. 
Por enquanto é a dona de casa que nela triunfa. Quando acaba de espanar os armários por dentro, espana os gerânios das janelas.
SUA MÃE : Elise está sempre tão ocupada que não percebe que existe.

A casa permite enfim à mulher uma fuga indefinida para longe de si mesma. Chardonne diz com justeza:

É uma tarefa meticulosa e desordenada, sem freio nem limite. Na casa, uma mulher certa de agradar atinge rapidamente um ponto de desgaste, um estado de distração e de vazio mental que a suprime...  

Essa fuga, esse sadomasoquismo em que a mulher se obstina ao mesmo tempo contra os objetos e contra si, tem muitas vezes um caráter precisamente sexual. "A casa que exige a ginástica do corpo, é o bordel acessível à mulher", diz Violette Leduc (L'ajfamée). É impressionante verificar que o gosto da limpeza assume uma importância suprema na Holanda, onde as mulheres são frias e nas civilizações puritanas que opõem às alegrias da carne um ideal de ordem e de pureza. Se o Sul Mediterrâneo vive numa sujeira alegre, não é somente por haver aí falta de água, o amor da carne e de sua animalidade leva a tolerar o odor humano, a sujidade e até os piolhos. 

O preparo das refeições é um trabalho mais positivo e muitas vezes mais alegre que o da limpeza. Implica primeiramente o momento das compras no mercado que é para muitas donas de casa o momento privilegiado do dia. A solidão do lar pesa na mulher na medida em que as tarefas rotineiras não lhe absorvem o espírito. Ela é feliz quando, nas cidades do Sul, pode coser, lavar, limpar os legumes, sentada à soleira da porta, conversando; ir buscar água no riacho é, para as muçulmanas semi-enclausuradas, uma grande aventura: vi uma pequena aldeia da Cabília onde as mulheres destruíram a fonte que um administrador construíra na praça; descer todas as manhãs até o córrego que corria ao pe da colina era sua única distração. Ao mesmo tempo que tratam de suas compras, as mulheres trocam, nas filas, nos armazéns, nas esquinas, considerações em que afirmam "valores domésticos", de que cada uma tira o sentido de sua importância; sentem-se membros de uma comunidade que — no momento — se opõe à sociedade dos homens como o essencial ao inessencial. Mas, principalmente, a compra constitui um profundo prazer: é uma descoberta, quase uma invenção. Gide observa em seu Journal que os muçulmanos que não conhecem o jogo a ele substituíram a descoberta dos tesouros escondidos; é a poesia e a ventura das civilizações mercantis. A dona de casa ignora a gratuidade do jogo: mas um repolho bem formado, um camembert bem no ponto são tesouros que o comerciante dissimula maliciosamente e que é preciso arrancar-lhe; entre vendedor e compradora estabelecem-se relações de luta e de esperteza: o que esta se propõe é obter a melhor mercadoria pelo preço mais baixo; a extrema importância dada à mais insignificante economia não se poderia explicar unicamente pela preocupação de equilibrar um orçamento difícil: cumpre ganhar o embate. Enquanto inspeciona com suspeita os mostruários, a dona de casa é rainha; tem o mundo a seus pés, com suas riquezas e suas armadilhas, para que dele tire sua parte. Experimenta uma sensação de furtivo triunfo quando esvazia sobre a mesa a sacola de provisões. No armário, arruma as conservas, os gêneros não perecíveis que a garantem contra o futuro; e contempla com satisfação a nudez dos legumes e das carnes que vai submeter a seu poder.

O gás e a eletricidade acabaram com a magia do fogo; mas nas zonas rurais muitas mulheres conhecem ainda a alegria de tirar chamas vivas da lenha inerte. Aceso o fogo, eis a mulher transformada em feiticeira. Com um simples movimento da mão — quando bate os ovos ou manuseia a massa — ou pela magia do fogo, ela opera a transmutação das substâncias; a matéria torna- -se alimento. Colette, ainda, descreve o encanto dessas alquimias. 

Tudo é mistério, magia, sortilégio, tudo o que acontece entre o momento de pôr no fogo a panela, o caldeirão e seu conteúdo e o momento cheio de doce ansiedade, de voluptuosa esperança em que se destampa à mesa o prato fumegante... 

Ela pinta com complacência as metamorfoses que se operam no segredo das cinzas quentes.

A cinza da lenha coze saborosamente o que lhe confia. A maçã, a pera, alojadas em um ninho de cinzas quentes, dele saem enrugadas, moqueadas, mas moles sob a casca como um ventre de toupeira e por mais "boazinha" que se mostre a maçã no forno da cozinha, fica longe dessa geleia encerrada em seu invólucro original, congestionada de sabor que só exsudou — em se sabendo como tratá-la — uma única lágrima de mel. . . Um tacho de três pés e alto de pernas, continha uma cinza peneirada que nunca via o fogo. Mas, recheado de batatas, que embora vizinhas não se tocavam, colocado sobre suas patas negras bem em cima da brasa, o tacho botava tubérculos brancos como neve, escaldantes, escamosos. 

As mulheres escritoras celebraram particularmente a poesia das geleias: é um vasto empreendimento casar nos tachos de cobre o açúcar sólido e puro à mole polpa dos frutos; escumante, viscosa, ardente, a substância que se elabora é perigosa: é uma lava em ebulição que a dona de casa doma e escorre orgulhosamente nos potes. Quando os reveste de papel pergaminho e neles inscreve a data de sua vitória, ela triunfa sobre o próprio tempo: pegou a duração na armadilha do açúcar, pôs a vida em bocais. A cozinha faz mais do que penetrar e revelar a intimidade das substâncias. Modela-as de novo, recria-as. No manuseio da massa ela experimenta seu poder. "A mão, tanto quanto o olhar, tem seus devaneios e sua poesia", diz Bachelard (La Terre et les Rêveries de la Volanté). E ele fala "dessa flexibilidade macia da plenitude, dessa agilidade macia que enche a mão. que se reflete sem cessar da matéria na mão e da mão na matéria". A mão da cozinheira que amassa é uma "mão feliz" e o cozimento dá ainda à massa um valor novo. "0 cozimento é assim um devir material, um devir que vai da palidez à douração, da pasta à crosta": a mulher pode encontrar uma satisfação particular no êxito do bolo, da massa folheada, porque esse êxito não é dado a todos: é preciso ter o dom. "Nada há mais complicado do que as artes da massa, escreve Michelet. Nada que se regule menos, que se aprenda menos. É preciso ter nascido para isso. Tudo é dom da mãe."

Nesse terreno também, compreende-se que a menina se divirta apaixonadamente com imitar os mais velhos: com barro e marinho, ela brinca de fabricar sucedâneos; é mais feliz ainda quando tem por brinquedo um forno de verdade ou quando sua mãe a aceita na cozinha e lhe permite manusear a massa do bolo ou cortar o caramelo escaldante. Mas verifica-se nisso o que se verifica nos cuidados da casa: a repetição logo esgota o prazer. Entre os índios que se alimentam essencialmente de tortas, as mulheres passam metade dos dias a amassar, cozer, esquentar, amassar novamente as tortas idênticas em todas as casas, idênticas através dos séculos: quase não são sensíveis à magia do forno. Não é possível transformar todos os dias a feira em uma caça ao tesouro nem se extasiar ante o brilho da torneira. São principalmente os homens e as mulheres que escrevem que exaltam liricamente esses triunfos, porque não cuidam da casa ou o fazem raramente. Quotidiano, esse trabalho torna-se monótono e maquinai; é crivado de esperas: é preciso esperar que a água ferva, que o assado esteja no ponto, a roupa seca; mesmo em se organizando as diferentes tarefas, sobram momentos longos de passividade e de vazio; elas realizam-se na maior parte do momento em meio ao tédio; não passam de um intermediário inessencial entre a vida do presente e a vida do amanhã. Se o indivíduo que as executa é ele próprio produtor, criador, integram-se em sua existência tão naturalmente como as funções orgânicas; eis por que as corveias quotidianas são muito menos tristes quando executadas por homens; só representam para eles um momento negativo e contingente de que se apressam a se evadir. Mas o que torna ingrata a sorte da mulher-serva é a divisão do trabalho que a destina totalmente ao geral e ao inessencial; o habitai, o alimento são úteis à vida mas não lhe dão um sentido: as metas imediatas da dona de casa não passam de meios, não são fins verdadeiros e neles só se refletem projetos anônimos. Compreende-se que, para ter a coragem de enfrentar o trabalho, ela tente nele empenhar sua singularidade e revestir os resultados de um valor absoluto; tem ela seus ritos, suas superstições, faz questão de sua maneira de arranjar os talheres, de arrumar a sala, de cerzir, de cozinhar um prato; persuade-se de que em seu lugar ninguém poderia fazer tão bem um assado ou uma limpeza; se o marido ou a filha querem ajudá-la, ela arranca-lhes da mão a agulha, a vassoura. "Não és capaz de pregar um botão." Dorothy Parker (Cf. Too bad!) descreveu com uma ironia apiedada o embaraço de uma jovem mulher convencida de que deve dar uma nota pessoal ao arranjo de seu lar, mas não sabe como o fazer.

Mrs. Ernest Welton errava pelo estúdio bem arranjado, dando-lhe alguns desses pequenos toques femininos. Não era especialmente hábil na arte de dar esses toques. A ideia era bonita e excitante. Antes de casar-se imaginara que passearia docemente através de sua nova residência, deslocando uma rosa, endireitando uma flor e transformando assim sua casa num home. Mesmo agora, depois de sete anos de casamento, gostava de se imaginar entregando-se a essa graciosa ocupação. Mas embora a tentasse conscienciosamente todas as noites, logo que se acendiam as lâmpadas dos abajures cor-de-rosa, ela indagava de si mesma com algum desamparo como fazer para realizar esses pequenos milagres que transfiguram integralmente um interior... Dar um toque feminino era o papel da esposa. E Mrs. Welton não era mulher de fugir às suas responsabilidades. Com um ar de incerteza quase lamentável, tateou em cima da lareira, ergueu um vasinho japonês e ficou em pé, com o vaso na mão, inspecionando o quarto com um olhar desesperado... Depois recuou e ponderou suas inovações. Era incrível quão poucas modificações operara no cômodo.

Nessa busca da originalidade ou de uma perfeição particular, a mulher esperdiça muito tempo e esforços; é o que dá a seu trabalho o caráter de uma "tarefa meticulosa e desordenada, sem freio nem limite" que Chardonne assinala e que torna tão difícil apreciar o que representam realmente as preocupações domésticas. De acordo com um inquérito recente (publicado pelo jornal Combat em 1947 com a assinatura de C. Hébert), as mulheres casadas consagram cerca de três horas e quarenta e cinco minutos ao trabalho doméstico (casa, abastecimento etc), nos dias úteis, e oito horas nos dias de descanso, ou seja trinta horas por semana, o que corresponde a 3/4 de tempo de trabalho hebdomadário de uma operária ou uma empregada; é enorme se a tarefa se acrescenta a um ofício; é pouco se a mulher não tem outra coisa a fazer (tanto mais quanto operária e empregada perdem tempo em deslocamentos que não encontram equivalência aqui). O cuidado dos filhos, se numerosos, aumenta consideravelmente as fadigas da mulher: uma mãe de família pobre gasta suas forças ao longo de dias desordenados. Ao contrário, as burguesas que se fazem ajudar são quase ociosas; e o preço desses lazeres é o tédio. Como se aborrecem, muitas complicam e multiplicam indefinidamente seus deveres de maneira que os tornam mais exaustivos do que um trabalho qualificado. Uma amiga, que passara por crises de depressão nervosa, dizia-me que, quando estava bem de saúde, cuidava da casa quase sem pensar nisso e sobrava-lhe tempo para ocupações muito mais restringentes; quando uma neurastenia a impedia de se dedicar a esses outros trabalhos, ela deixava-se avassalar pelas preocupações domésticas e tinha dificuldade então em dar conta delas, embora consagrando-lhes dias inteiros.

continua página 207...

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O Segundo Sexo - 02. Situação: Capítulo I - A Mulher Casada (8)

As mulheres de nossos dias estão prestes a destruir o mito do "eterno feminino": a donzela ingênua, a virgem profissional, a mulher que valoriza o preço do coquetismo, a caçadora de maridos, a mãe absorvente, a fragilidade erguida como escudo contra a agressão masculina. Elas começam a afirmar sua independência ante o homem; não sem dificuldades e angústias porque, educadas por mulheres num gineceu socialmente admitido, seu destino normal seria o casamento que as transformaria em objeto da supremacia masculina.
Neste volume complementar de O SEGUNDO SEXO, Simone de Beauvoir, constatando a realidade ainda imediata do prestígio viril, estuda cuidadosamente o destino tradicional da mulher, as circunstâncias do aprendizado de sua condição feminina, o estreito universo em que está encerrada e as evasões que, dentro dele, lhe são permitidas. Somente depois de feito o balanço dessa pesada herança do passado, poderá a mulher forjar um outro futuro, uma outra sociedade em que o ganha--pão, a segurança econômica, o prestígio ou desprestígio social nada tenham a ver com o comércio sexual. É a proposta de uma libertação necessária não só para a mulher como para o homem. Porque este, por uma verdadeira dialética de senhor e servo, é corroído pela preocupação de se mostrar macho, importante, superior, desperdiça tempo e forcas para temer e seduzir as mulheres, obstinando-se nas mistificações destinadas a manter a mulher acorrentada.
Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.
O SEGUNDO SEXO, de Simone de Beauvoir, é obra indispensável a todo o ser humano que, dentro da condição feminina ou masculina, queira afirmar-se autêntico nesta época de transição de costumes e sentimentos.


"O que é uma mulher?"

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