sábado, 14 de outubro de 2023

Memórias - 27: soy una anciana

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

27 – soy una anciana

minha querida amiga, o tempo se passou e continuo com perguntas que não tenho como responder

soy uma anciana que se acostumou sem paciência para respostas vazias, acenos doces e comidas de farturas sem gosto, alegrias volúveis, mortes fúteis, O que faz nos homens o descontrole nas virilhas e nos obrigam o comedimento virginal? Por que fogem das intimidades das palavras ou do bom senso ou do carinho? Homens e seus medos dos acendimentos mútuos, querem loucuras indecentes entregues na bandeja das pernas arregaçadas como um vício, um hábito de arreganhar-se para os depravados justos e rezadouros. O que faz essa gente do bem acreditar que intimidade é sentir o gosto e os cheiros da morte? Saciam sua sede de adoração em grandes goles na umidade que brota das suas provocações parasitas!

passam a vida procurando ninhos raladinhos, mas jamais se deixam encantar, desde tempos remotos têm se servido de nós, um lugar de encontros entre a terra e a vida, uma fome que desencanta

gente do bem e sua tirania plana 

minha queridona, nestes anos todos me dei conta que precisava aprender a pensar, parar de ficar repetindo o discurso tirânico dessa gente, me sentindo culpada, tenho certeza que se criam o dia das putas me mandam abraços de reconhecimento pelo trabalho duro que desempenho, mandam flores, beijinhos e passam o restante dos dias hasta el siguiente día de la puta  jogando pedras, matando, gritando, ameaçando ou ignorando a florzinha, o vaso da florzinha secando

até que num dia qualquer, sem importância para o mundo, e de muito respeito para mim, percebi-me honesta comigo mesma – sim, minha querida, não te iludas que existem muitos homens e mulheres desonestas para desvelar

a consequência da neutralidade fingida de sabida é esconder-se de si mesma  e quase sempre do mundo redondo – como se toda neutralidade fosse inocente e não abrisse novas covas planas e cândidas

somos acorrentadas na resignação da esperança num outro paraíso plano que não existe 

esse é o mundo possível que precisa mudar, essa é a vida que existe, o tempo apaga rastros e cheiros, tristezas e alegrias, ele passa enquanto envelhecemos – quando é possível envelhecer – até que não restamos nem mesmo como poeira

soy uma puta del maíz, não te choques, isso não é nada demais nem de menos, apenas uma escalação que demorei entender

passei anos acreditando que eu mesma escolhi ser uma das putas de la Montaña, até descobrir que ela não precisava apenas do adubo para suas terras de milho e bananas, necessitava de adubo para as carnes que lhes subiam e desciam às costas, nossas rachaduras e umidades eram o adubo deste lugar onde a escuridade ainda não sumira das paredes, mas as baratas e formigas já brotavam curiosas e nervosas do chão, um sítio onde os ratos vagavam de um lugar para outro até encontrar crianças para roer o nariz, orelhas e dedos

de certa feita, os bichanos roeram el pene del niño

a mãe, de casa em casa, gritava mostrando o ratão que matara com dentadas, ficara louca, diziam os murmúrios; fora castigada, suspiravam os rezadouros

aos poucos começaram os cochichos que as deusas amarelonas estavam zangadas e o ratão comeu as virilhas do menino com o consentimento das divindades, um martírio necessário para adubar as terras de maíz e a pobreza miserável segue sendo um problema das mães e dos ratões

eu sigo sendo a cova em que eles se metem enquanto pensam que estão vivos, Soy una anciana puta. 

os sussurros vem e vão ao sabor das ventanias que deslizam suaves sobre os topetes das espigas amarelonas de milho

a pobreza segue sendo culpa dos pobres

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