sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Cruz e Sousa - Poesias Completas: Dispersas LXXII - Gusla da Saudade

Cruz e Sousa


Obra Completa
Volume 1
POESIA


O Livro Derradeiro
Primeiros Escritos

Cambiantes
Outros Sonetos Campesinas
Dispersas
Julieta dos Santos


DISPERSAS 


GUSLA DA SAUDADE
A Santos Lostada 
pela morte do seu velho pai. 

Nunca mais, nunca mais esses teus olhos 
Palpitarão nos olhos seus honestos 
Nem hão de vê-lo em ânsias por escolhos.

Ele morreu, morreu – e os mais funestos 
Lutos da dor feriram como abrolhos 
Teu lar e os teus – serenos e modestos.

Que incalculável explosão de prantos 
Não inundou as almas preciosas 
Dos teus irmãos, da tua mãe – uns santos

Que peregrinam nestas lacrimosas 
Sendas da vida, em mágoas, sem encantos 
Como sem luz e sem orvalho as rosas

Ah! formidável lei cruel da vida, 
Lei da matéria, da mudez das lousas, 
Da eterna noite atroz, indefinida;

Tens o segredo intérmino das cousas, 
E nessa dura e tenebrosa lida, 
Oh! nem sequer um dia só repousas.

Quem sabe, ó morte, ó lúgubre, quem sabe 
O teu poder fatal, desapiedado 
Onde se oculta e se resume e cabe.

Pois nem que o céu puríssimo, azulado 
Caia aos pedaços, tombe e se desabe 
Na profundez do abismo ilimitado 

E a crença humana espavorida, em gritos, 
Palpando o nada, esquálida, gemendo, 
Rasgue a amplidão de estranhos infinitos, 

Nunca da morte saberão o horrendo 
Mistério rijo e surdo dos granitos 
Os corações que vivem combatendo?!...

Não! A Ciência penetrou, o estudo 
Do pensador abriu mais horizontes 
Nesse problema silencioso e mudo. 

O pensamento constelou as frontes, 
Deu à razão o mais brunido escudo 
E construiu as luminosas pontes

De onde se vai, com grande olhar, seguro, 
Atravessar as regiões sonoras 
Dos Ideais que irrompem do Futuro; 

E sem contar dos séculos as horas, 
E sem temer as mil visões do Escuro, 
Alegremente ao fresco das auroras. 

Mas entretanto, ó meu amigo, escuta, 
Toda a saudade, a grande nostalgia 
Nos deixa frios, mortos para a luta. 
Porque, olha, a morte é sempre uma agonia!  


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De fato, a inteligência, criatividade e ousadia de Cruz e Sousa eram tão vigorosos que, mesmo vítima do preconceito racial e da sempiterna dificuldade em aceitar o novo, ainda assim o desterrense, filho de escravos alforriados, João da Cruz e Sousa, “Cisne Negro” para uns, “Dante Negro” para outros, soube superar todos os obstáculos que o destino lhe reservou, tornando-se o maior poeta simbolista brasileiro, um dos três grandes do mundo, no mesmo pódio onde figuram Stephan Mallarmé e Stefan George. A sociedade recém-liberta da escravidão não conseguia assimilar um negro erudito, multilíngue e, se não bastasse, com manias de dândi. Nem mesmo a chamada intelligentzia estava preparada para sua modernidade e desapego aos cânones da época. Sua postura independente e corajosa era vista como orgulhosa e arrogante. Por ser negro e por ser poeta foi um maldito entre malditos, um Baudelaire ao quadrado. Depois de morrer como indigente, num lugarejo chamado Estação do Sítio, em Barbacena (para onde fora, às pressas, tentar curar-se de tuberculose), seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro graças à intervenção do abolicionista José do Patrocínio, que cuidou para que tivesse um enterro cristão, no cemitério São João Batista.
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Organização e Estudo
Lauro Junkes
Presidente da Academia Catarinense de Letras
© Copyright 2008
Avenida Gráfica e Editora Ltda.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa
ESPAÇO CRIAÇÃO ARQUITETURA DESIGN E COMPUTAÇÃO GRÁFICA LTDA.
www.espacoecriacao.com.br
Fone/Fax: (48) 3028.7799

Revisão Linguístico-Ortográfica
PROFª Drª TEREZINHA KUHN JUNKES
PROF. Dr. LAURO JUNKES

Impressão e Acabamento
Avenida Gráfica e Editora Ltda.
Formato
14 x 21cm

FICHA CATALOGRÁFICA

Catalogação na fonte por M. Margarete Elbert - CRB14/167
S725o      Sousa, Cruz e, 1861-1898
                        Obra completa : poesia / João da Cruz e Sousa ; organização
                  e estudo por Lauro Junkes. – Jaraguá do Sul : Avenida ; 2008.
                         v. 1 (612 p.)
                         Edição comemorativa dos 110 anos de falecimento e do
                  traslado dos restos mortais de Cruz e Sousa para Santa Catarina.
                            1. Sousa, Cruz e, 1861-1898. 2. Poesia catarinense. I.
                  Junkes, Lauro. II. Titulo.
                                                                                      CDU: 869.0(816.4)-1

"A gente só tem saída na poesia."

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