sábado, 28 de outubro de 2023

Memórias - 29: los campesinos

No se puede hacer la revolucion sin las mujeres

Livro Um

baitasar

Memórias

29 – los campesinos

como você já percebeu, minha querida e fiel amiga, as costas de Qualquer pesavam muito, vivia com a perturbação de vir a ser mais um jogado numa cova de milho com suas raízes saindo del la boca, ojos, orejas, narinas, uno más enterrado y acuosos, crecido hasta el cielo, florido de grãos, envolvido por mariposas brancas até ser colhido, debulhado e amarrotado para virar farinha ou triturado por dentes podres até virar novamente adubo, excremento humano

o destino dos homens e mulheres de milho se mistura con lo maíz de la Montaña

los campesinos continuam ensinando como sobreviver, lições duras de aprender que os requintados e as elegantes senhoras enrugadas de luto pela morte que se aproxima não têm vontade nem ânimo de treinar, resmungam que a minha gente não sente o sentido da própria vida, estabelecem que não temos vontade competente para receber nossa liberdade, nos preferem em covas de milho

os canalhas disfarçados de humanidade piedosa desfilam por salões elegantes, enfiados em seus trajes cerimoniais – fraque e cartola, vestidas de joias – com a malquerença do sangue mestiço de hombres y mujeres sin patria, abandonados ao destino da miséria, um triste testemunho da crueldade que os homens e mulheres de bem infligem aos miseráveis

este lugar, como muitos outros guetos, se erige como uma fortaleza artificial onde se empujam los campesinos para longe dos olhos da vista e a consciência daqueles que desfrutam de uma vida mais cômoda, uma separação injusta e uma discriminação sistemática, os habitantes deste gueto, campesinos pobres e marginalizados, enfrentam a dura realidade de um extermínio silencioso

a lenta agonia da privação, a falta de recursos básicos e a negação de oportunidades do poder para um genocídio misericordioso

a crueldade com que se perpetua este ciclo de desespero, a indiferença e o desprezo de quem quer que seja, o poder que se manifesta em ações deliberadas que resultam na morte dos campesinos, a negligência histórica e a opressão brutal fazem com que esta montanha seja um lugar onde a vida é uma luta constante pela sobrevivência

como podemos permitir que la Montaña de maíz – e lugares parecidos – existam como monumentos à crueldade e à injustiça, devemos nos esforçar para construir um outro mundo que ofereça oportunidades e apoie todos, independentemente de sua origem ou circunstâncias, la tira de maíz deveria servir como um registro da necessidade de uma mudança profunda e duradoura na forma com que tratamos as pessoas mais vulneráveis, os nascidos naquela faixa de milho também têm lado, o lado dos desprezados – material orgânico para adubar a riqueza dos elegantes que empunham o chicote e a cruz

e assim, matando e rezando, a mão do chicote saqueia quem lhes pode fazer lutas de resistência, um costume de exterminar os teimosos e obstinados

e Qualquer virou Um, passou a ser avocado Qualquer Um, transformado num irredutível obstáculo ao mormaço da paz impassível do repouso nas covas de milho

estava onde não estava e não estava onde estava

deformados pela imaginação ganharam invenção poética, nada era provado, ninguém conseguia desmanchar o fantasma encantado de la leporina Blanca

la Montaña sabía que así nacen las leyendas

caso haja destino – y el mío es ser puta – minha irmã e seu homem foram reservados para serem devorados pelo bem e pelo mal, quanto maior a fama maior a fúria e o descontrole para caçar e matar

apostavam sobre quem lhes cortaria as cabeças, o fim é sempre um fim

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