terça-feira, 15 de setembro de 2020

Poesia Africana: Alexandre Dáskalos (Angola)

 Poesia Africana - 26


língua portuguesa





"Minhas mãos são de trabalho
Em coisas que eu não sei
E não tenho nem apalpo
Trabalho que fica feito
Para o branco me dizer
'Obra de preto sem jeito'

Cuidado com o branco
que anda por lá...
Não sejas roubado
cuidado! cuidado!"





CARTA


Jesus Cristo Jesus Cristo
Jesus Cristo, meu irmão
Sou fio dos pais da terra
Tenho corpo pra sofrer
Boca para gritar
E comer o que comer
Os meus pés que vão
No chão
Minhas mãos são de trabalho
Em coisas que eu não sei
E não tenho nem apalpo
Trabalho que fica feito
Para o branco me dizer
"Obra de preto sem jeito"

E minha cubata ficou
Aberta à chuva e ao vento
Vivo ali tão nu e pobre
Magrinho como o pirão
Meus fio salta na rua
Joga o rapa sai ladrão
Preto ladrão sem imposto
Leva porrada nas mão
Vai na rusga trabalhar
Se é da terra vai pro mar
Larga a lavra deixa os bois
Morrem os bois... e depois?
Se é caçador de palancas
Se é caçador de Leão
Isso não faz mal nenhum
Lança as redes no mar
Não sai leão sai atum...
Jesus Cristo Jesus Cristo
Jesus Cristo, meu irmão
Sou fio dos pais da terra
Um pouco de coração
De coração e perdão
Jesus Cristo, meu irmão.






QUE É S.TOMÉ


Quatro anos de contrato
com vinte anos de roça.
Cabelo rapado.
Blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné

Eu fui S.Tomé!

Calção e boné
boné e calção
cabelo rapado
dinheiro na mão...

Agora então volto,
mas volto outra vez
à terra que é nossa.
Acabou-se o contrato
dos anos de roça

Eu vi S.Tomé!

Cuidado com o branco
que anda por lá...
Não sejas roubado,
cuidado! Cuidado!
Dinheiro de roça
ganhaste-o, té dá
galinhas ... e bois ...
e terras ... depois
Já tiras de graça
o milho da fubá
o leite, a ginguba
e bebes cachaça.

Eh! Vai descansado,
dinheiro guardado
no bolso da blusa.

Que é S.Tomé!

Cabelo rapado.
Blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné



II


Este mente, aquele mente
outro mente ... tudo igual.
O sítio da minha embala
aonde fica afinal?

A terra que é nossa cheira
e pelo cheiro se sente
A minha boca não fala
a língua da minha gente.

Com vinte anos de contrato
nas roças de S. Tomé
só fiz quatro.

Voltei à terra que é minha
É minha? É ou não é?

Vai a rusga, passa a rusga
em noites de fim do mundo.
Quem não ficou apanhado!
Vai o sono, vem o sono
Vai ó sono

quero ficar acordado.
No meio da outra gente
lá ia naquela corda
mas, acordei de repente.

Quero ficar acordado.

Onde está o meu dinheiro,
onde está o meu calção,
meu calção e meu boné?
O meu dinheiro arranjado
nas roças de S. Tomé?

Vou comprar com o dinheiro
sagrado da minha mão
tudo quanto a gente come:

trinta vacas de fome,
galinhas ... de papelão
Vou trabalhar nesta lavra
em terra que dizem nossa
quatro anos de contrato
em vinte anos de roça

Eu fui S.Tomé!

Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné





RESIGNAÇÃO


I

Quatro anos de contrato
com vinte anos de roça.

Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné

Eu foi São Tomé!

Calção e boné
boné e calção
cabelo rapado
dinheiro na mão...

Agora então volto
mas volto outra vez
à terra que é nossa.
Acabou-se o contrato
dos anos na roça

Eu vi São Tomé!

Cuidado com o branco
que anda por lá...
Não sejas roubado
cuidado! cuidado!
Dinheiro de roça
ganhaste-o. Té dá
galinhas... e bois...
e terras... Depois
já tiras de graça
o milho da fuba,
o leite, a jinguba
e bebes cachaça.

Eh! Vai descansado,
dinheiro guardado
no bolso da blusa.

Que é São Tomé?

Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné.



II

Este mente, aquele mente
outro mente... tudo igual.
O sítio da minha embala
aonde fica afinal?

A terra que é nossa cheira
e pelo cheiro se sente.

A minha boca não fala
a língua da minha gente.

Com vinte anos de contrato
nas roças de São Tomé
só fiz quatro.

Voltei à terra que é minha.
É minha? É ou não é?

Vai a rusga, passa a rusga
em noites de fim do mundo.

Quem não ficou apanhado?
Vai o sono, vem o sono
vai o sono
quero ficar acordado.
No meio da outra gente
lá ia naquela corda
mas acordei de repente.

Quero ficar acordado.

Onde está o meu dinheiro,
onde está o meu calção
meu calção e meu boné?
O meu dinheiro arranjado
nas roças de São Tomé?

Vou comprar com o dinheiro
sagrado da minha mãe
tudo quanto a gente come:
trinta vacas de fome,
galinhas... de papelão.

Vou trabalhar nesta lavra
em terra que dizem nossa
quatro anos de contrato
em vinte anos de roça.

Eu foi São Tomé!

Cabelo rapado
blusa de branco
dinheiro no bolso
calção e boné.

Aiuéé!






QUANDO EU MORRER







________________


ALEXANDRE DÁSKALOS, 

Poeta angolano, Alexandre Mendonça de Oliveira Dáskalos nasceu em Huambo, antiga Nova Lisboa (Angola), em 1924.

Fez a instrução primária e secundária no Huambo, antiga Nova Lisboa.

Em 1942 frequentou o liceu de Sá da Bandeira, atual cidade do Lubango, onde concluiu o 7º ano.

Pai da poetisa Maria Alexandre Dáskalos, fez os estudos na terra natal e, em 1942, conclui o 7.º ano, no liceu de Sá da Bandeira, atual cidade de Lubango.

Após terminar os estudos liceais, partiu para Lisboa, onde se licenciou em Medicina Veterinária, regressando em 1950 a Angola.

No ano em que concluiu os estudos secundários segue para Lisboa e matricula-se na Escola Superior de Medicina Veterinária, tendo-se licenciado cinco anos depois.

Em 1960, já muito doente foi para Portugal, onde faleceu no sanatório de Caramulo um ano depois.

Elemento importante do movimento Vamos Descobrir Angola e da Geração da Mensagem , o poeta publicou Poesias (1961) e Poesia de Alexandre Dáskalos (1975, edição póstuma) e colaborou em O Planálto e em Mensagem (Casa dos Estudantes do Império).

Muitos dos seus poemas foram musicados e traduzidos para diversas línguas.

Ainda nos anos 60, é publicado um opúsculo de quatro poemas seus na “coleção Bailundo”, dirigida pelo poeta Ernesto Lara Filho e Rebelo de Andrade.

Numa carta datada de 11 de Abril de 1961, dirigida a Ernesto Lara Filho, António Jacinto escrevia:. “(…) Alexandre Dáskalos foi infeliz porque morreu. Felicidade é viver. Um dia chamei à cabouqueira geração de sacrifício”.
“Geração sem estátua, sem placa na rua, sem magistério, mesmo sem livro ou até sem árvore plantada. Mas ainda sinto orgulho da geração a que pertenço, a que pertencemos. A geração que é brita ou asfalto, certa ou errada, no caminho, na estrada (…)”. Por conseguinte, discordo de Mário António, que questionando a unidade polifónica dessa geração, escrevia o seguinte: “É tudo ainda do domínio subconsciente, dentro de cuja imprecisão de limites(e só aí ) possível se tornava enxergar uma unidade. Unidade que parece-nos, no entanto, ter existido, mas muito pouco do ponto de vista literário, pois não teria sido um acaso esses jovens começarem a sentir-se integrados, na mesma altura, numa determinada circunstância de lugar e tempo”.
Fonte: gl.wikipedia.org/betogomes.sites.uol.com.br/www.sanzalangola.com/www.nexus.ao/www.infopedia.pt


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