Antón S. Makarenko
Livro Um
Capítulo 4
Operações de caráter interno
Em fevereiro, desapareceu da minha gaveta um maço inteiro de dinheiro - aproximadamente seis meses do meu ordenado.
No meu quarto, naquele tempo, localizavam-se o escritório, a sala dos professores, a contadoria e o caixa, pois eu acumulava, na minha pessoa, todos esses cargos. O maço de notinhas novinhas sumiu da gaveta trancada sem sinal de qualquer arrombamento.
À noite, contei isso aos rapazes e pedi que devolvessem o dinheiro. Eu não podia provar o furto, e era possível facilmente me acusar de desvio de fundos. os rapazes escutaram taciturnos, e se dispersaram. Depois da reunião, quando eu ia para minha ala, no pátio escuro fui abordado por dois rapazes: Taranêts e Gud.
Gud era um moço miúdo e ágil.
- Nós sabemos quem pegou o dinheiro - sussurrou Taranêts -, só que não pode falar na frente de todos: não sabemos onde ele escondeu. E, se contarmos, ele se manda e leva o dinheiro.
- Quem pegou?
- Foi um aí...
Gud olhava para Tara de soslaio, ao que parecia não aprovando inteiramente a sua política. Ele resmungou:
- Precisava era quebrar-lhe as fuças... que conversa fiada é essa?
- E quem é que lhe vai às fuças? - retrucou Taranêts - Será você? Se ele te pega de jeito...
- Não, assim não dá.
Taranêts insistia na conspiração. Dei de ombros:
- Está bem. como queiram.
De manhã Gud encontrou o dinheiro na cavalariça. Alguém o jogara pela janela estreita da cavalariça e as notas voaram e se espalharam por todo o lugar. Gud, tremendo de tanta alegria, veio a mim correndo com as mãos cheias de notas amarrotadas.
Gud dançava pela colônia de tanta alegria, todos os garotos estavam radiantes e vinham correndo para o meu quarto olhar para mim. Só Taranêts andava de cabeça orgulhosamente empinada. Não interroguei nem a ele nem a Gud sobre os acontecimentos que se seguiram à nossa conversa.
Dois dias depois, alguém arrancou os cadeados do portão e surrupiou algumas libras de banha - toda a nossa riqueza em gorduras. Levou também o cadeado. E no dia seguinte arrancaram a janela da despensa - e sumiram as balas preparadas para os festejos da Revolução de Fevereiro e algumas latas de graxa para as rodas, que nos eram tão preciosas quanto dinheiro vivo.
Kaliná Ivánovitch até emagreceu durante aqueles dias. Ele aproximava o rosto empalidecido de cada colonista, soprava-lhe nos olhos a fumaça da sua makhórka e insistia:
- Mas julguem vocês próprios! Pois se é tudo para vocês, seus filhos duma cadela, vocês roubam de si mesmos, parasitas!
Taranêts sabia mais do que todos, mas se mantinha reservado, por alguma razão não entrava nos seus cálculos esclarecer esse assunto. Os colonistas se expressavam à vontade, mas entre eles prevalecia um interesse puramente esportivo. De maneira alguma eles queriam aceitar o ponto de vista de que os roubados eram justamente eles próprios.
No dormitório eu gritava irado:
- Vocês o que é que são? São gente ou...
- Somos larápios - ouviu-se de um catre distante.
- Somos bandidos!
- Mentira! Que espécie de bandidos são vocês? Vocês não passam de ladrõezinhos pés-de-chinelo que furtam de si mesmos. Fiquem agora sem banha, o diabo que os carregue! E nas festas, sem balas. Ninguém vai nos dar mais nada. Danem-se!
- Mas o que é que podemos fazer, Anton Semiónovitch? Nós não sabemos quem roubou. Nem o senhor sabe nem nós sabemos.
Aliás, eu mesmo compreendia desde o começo que as minhas conversas eram inúteis. O ladrão era um dos mais velhos, que todos temiam.
No dia seguinte, acompanhado de dois rapazes, fui fazer gestões para arranjar uma nova ração de banha. Deram-nos também uma partida de balas, embora nos xingassem bastante por não termos conseguido conservar as outras. À noite relatávamos com minúcias as nossas andanças. Finalmente, a banha foi trazida para a colônia e guardada no porão. Logo na primeira noite a banha foi roubada.
continua na página (35)...
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Leia também:
Livro Um
Capítulo 2
Capítulo 3
Operações de caráter interno (a)
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